Aviso: este artigo contém linguagem ofensiva que pode ferir a suscetibilidade de alguns leitores
Quando a Polícia Judiciária apreendeu em 2019 os telemóveis a cinco militares do posto da GNR de Vila Nova de Milfontes, Odemira, suspeitos de alegados maus-tratos a imigrantes, estava longe de imaginar a realidade em que iria tropeçar. O aparelho de um guarda de 25 anos, sujeito a perícias da PJ, revelou imagens brutais – até agora escondidas pela Justiça mas às quais a CNN Portugal e a TVI tiveram acesso. Trata-se de sete vídeos - com imagens filmadas por diversão pelo próprio militar - de sequestro, torturas, humilhações, violência e insultos racistas a vários trabalhadores agrícolas daquela região. Assim consta no processo judicial.
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As vítimas, provenientes do sul da Ásia, a maioria do Bangladesh, do Nepal ou do Paquistão, são apanhadas na rua, de forma aleatória e gratuita, para gozo de sete militares fardados, ao serviço do Estado, que surgem nas imagens. Montam emboscadas a pretexto de falsas operações stop, de fiscalização de trânsito, e levam os imigrantes para o posto – onde os agridem e humilham, sendo sujeitos a várias praxes violentas. Numa das falsas operações stop, os elementos da GNR apanharam um imigrante que, levado para um descampado à noite, foi torturado com gás pimenta, que os militares obrigaram a inalar pela boca e pelo nariz através do tubo do aparelho de medição de taxa de alcoolemia, conhecido como “teste do balão”.
Enquanto isso, com a vítima em sofrimento e a pedir água em inglês, o que lhe recusam, surgem nesse vídeo militares da GNR a rir-se proferindo a seguinte frase: "É gás pimenta, ó animal. Filho de uma grande puta! Animal!".
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A Polícia Judiciária de Setúbal, que tinha um primeiro processo em que já investigava cinco militares por factos parecidos, mas apenas com prova testemunhal, arranjou nas perícias a estes telemóveis provas irrefutáveis sobre novos factos - que desconhecia. Foi então extraída uma certidão para processo autónomo, a correr em segredo no Ministério Público de Odemira, no qual a PJ analisou os sete vídeos, fotograma a fotograma. E contextualizou todas as imagens, legendando-as com as frases que iam sendo proferidas pelos militares agressores.
Concluída a análise às várias situações, num despacho de acusação de 10 de novembro deste ano e ao qual a CNN Portugal e a TVI (ambas estações da Media Capital) tiveram acesso, o Ministério Público não tem dúvidas: "Faziam-no em manifesto uso excessivo de poder de autoridade que o cargo de militar lhes confere". Mais: "Todos os arguidos agiram com satisfação e desprezo pelos indivíduos".
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Quanto aos motivos, a procuradora conclui: "Ódio claramente dirigido às nacionalidades que tinham e apenas por tal facto e por saberem que, por tal circunstância, eram alvos fáceis".
O comandante do posto foi chamado à investigação e, pelas vozes e imagens, identificou sete dos seus subordinados. Estão acusados de um total de 33 crimes, entre os quais sequestro, ofensas à integridade física qualificada e abuso de poder. Das vítimas identificadas nas imagens, uma já morreu de acidente e outras terão saído do país.
Em reação à investigação TVI/CNN Portugal, o Ministério da Administração Interna confirmou já estar a par do caso, adiantando que três dos militares envolvidos na situação de Odemira foram suspensos de funções anteriormente por envolvimento noutro caso.
No primeiro processo a ser investigado pela PJ e em que não havia imagens a sustentar as provas mas só testemunhos, cinco militares foram condenados a penas de prisão suspensa por crimes de ofensas à integridade física, sequestro, entre outros. Desses cinco elementos, e tal como o MAI confirmou esta quinta-feira, três são comuns a este caso de tortura em Odemira. Respondem aqui por sequestro, abuso de poder e ofensas à integridade física.
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