Já fez LIKE no CNN Portugal?

A saúde oral das crianças anda doente: “Não é raro eu aos 14 ou 15 meses já ter crianças com cáries no consultório”

Quando e como lavar os dentes dos bebés? Quando levar a criança pela primeira vez ao dentista?Mais de metade das crianças chega à escola primária sem nunca ter visitado um consultório de um dentista

“Há uma grande iliteracia no que toca à saúde oral”. É desta forma que Mariana Seabra, odontopediatra, descreve a saúde oral dos portugueses, em particular no que às crianças diz respeito.

Inês Guerra Pereira, médica dentista “apaixonada por crianças” e com um blogue dedicado à saúde oral infantil, não podia estar mais de acordo. Confessa que já lhe apareceram casos de bebés muito pequenos com cáries: “Não é raro eu aos 14 ou 15 meses já ter crianças com cáries no consultório.”

PUB

É fundamental que os cuidados orais comecem o mais cedo possível. (Imagem: Yavuz Arslan/ullstein bild via Getty Images)

Os cuidados com a saúde oral dos mais novos começam tarde em casa e nem sempre têm a qualidade desejada. E a ida ao dentista é vezes demais adiada.

O Barómetro da Saúde Oral de 2022 mostra dados preocupantes: 65,2% das crianças menores de seis anos nunca foram ao dentista. De acordo com o levantamento feito pela Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), o valor é inferior em cerca de oito pontos percentuais ao verificado no ano passado, invertendo uma tendência de subida que se verificava desde 2017. E, nas idades imediatamente acima, nem os cheques dentista levam as crianças portuguesas ao médico: este ano, 51,8% usaram o cheque dentista quando foram à consulta, menos 8,5 pontos percentuais do que no ano passado.

PUB

“O cheque dentista existe, é distribuído, mas não é utilizado”, resume Inês Guerra Pereira.

Muito mais do que uma ida ao dentista

Ainda há quem pense que só é necessário ir ao dentista quando se tem uma cárie ou uma dor de dentes. E não há nada mais errado. “A primeira ida ao dentista deve acontecer até seis meses depois do aparecimento do primeiro dente ou até o bebé completar um ano, mesmo que não tenha dentes”, lembra Inês Guerra Pereira.

“Nós pensamos sobretudo nos dentes, mas o odontopediatra olha para todas as funções. Procuramos que todas as funções se desenvolvem de forma correta, a fonética, a deglutição, a respiração e a mastigação. Problemas nos dentes, muitas vezes, são uma consequência do mau desenvolvimento destas funções. Não só na posição, mas também no aparecimento de cáries”, alerta a médica dentista.  

A primeira ida ao dentista deve ocorrer até ao primeiro aniversário e deve avaliar várias funções do desenvolvimento da criança. (Imagem: Constance Bannister Corp/Getty Images)

PUB

Uma criança com respiração oral tem tendência a ter a boca “mais seca e com menos saliva” e, por isso, mais tendência a desenvolver cáries dentárias. Mas há mais: tem tendência também a colocar a língua de fora das arcadas dentárias e isso acaba por provoca problemas na posição dos dentes. Tem também tendência a pender a cabeça para a frente, provocando o mau desenvolvimento da cervical e, como a cabeça dos bebés ainda é muito pesada, para conseguir manter o equilíbrio, uma criança com respiração oral pode também acabar por colocar os pés para dentro. Ou seja, um problema na zona da boca, que pode facilmente ser detetado numa primeira consulta de medicina dentária e prevenir problemas de desenvolvimento a outros níveis.  

Dar mais valor aos dentes de leite

Mariana Seabra diz que há uma grande desvalorização dos dentes de leite, porque acabam por cair. O que pode ser um problema: “Depois vêm dentes novos e os dentes temporários têm também a função de manter o espaço para o dente permanente”. “É importante fazer uma boa troca de dentição”, resume a especialista.

PUB

É, pois, fundamental começar o mais cedo possível a cuidar dos dentes dos mais novos. Muitas vezes ainda antes de eles nascerem. Os primeiros dentes podem aparecer entre os quatro e os 14 meses. É nessa fase que os cuidados devem começar a ser implementados. E há até quem defenda que deve começar mais cedo. “Depois da amamentação ou da alimentação, as gengivas devem ser lavadas com uma compressa humedecida. Quando aparece o primeiro dente, devemos começar a escovar duas vezes por dia”, diz Mariana Seabra.

Inês Guerra Pereira sublinha a importância de agir a partir do momento em que se avista esse primeiro dente: “Até lá, sabemos que a saliva do bebé é suficiente para fazer a higiene. A não ser que o leite fique muito tempo estagnado e comece a formar placas brancas. Aí sim, é fundamental limpar com uma compressa humedecida.”

Perguntas e respostas

A higiene e os cuidados da dentição das crianças, sobretudo dos bebés, suscita muitas dúvidas aos pais. A médica dentista Inês Guerra Pereira deixa aqui as respostas a algumas das questões mais comuns dos pais

PUB

Quando devo começar a lavar os dentes ao meu filho bebé?

Deve começar a partir do momento em que nasce o primeiro dente. Pelo menos duas vezes por dia, de manhã e ao deitar. Quando já estão em alimentação complementar e ficam restos de alimentos na boca ou se o bebé estiver doente e com lesões na boca, devemos incrementar essa higienização.

O que se deve ter em conta ao escolher a escova de dentes?

A escova deve ter cerdas macias e cabeça pequena, pescoço fino e cabo adequado à mão do bebé. Quanto ao tamanho da escova, uma das formas que temos de saber se é adequada à criança é, quando ela já tiver molares, a escova conseguir entrar na boca e chegar a todas as superfícies dos dentes.

Quando se tem de trocar a escova de dentes?

Os bebés tendem a morder a escova. Logo fica com as cerdas deformadas e desfeitas. Assim que as escovas alterem a cor ou forma, devemos trocar a escova. Além disso, devemos também trocar a escova sempre que o bebé fica doente ou tem lesões na boca.

PUB

Que outros cuidados devo ter com a escova de dentes da criança?

A escova nunca deve ser guardada ao ar na casa de banho. Deve ser sempre guardada num lugar seco. Dentro de uma bolsa, numa gaveta, dentro do armário, por exemplo. Há estudos que encontraram bactérias fecais nas escovas de dentes.

Como se deve escolher a pasta de dentes?

Deve olhar-se sempre para a quantidade de fluor, que deve variar entre 1000 e 1500 ppm (partes por milhão). Há muitas pastas que têm apenas 500 e devem ser evitadas. Não precisamos de considerar a idade da criança que consta da embalagem. Desde que tenha aquele valor de fluor é adequada mesmo para os bebés.

Que quantidade de dentífrico tem de se usar?

Devemos colocar o equivalente a um grão de arroz cru na escova de dentes, quando são mais pequeninos, até terem oito ou 10 dentes. Há muitas escovas que já trazem um truque que nos pode ajudar: as cerdas coloridas no centro, que nos indicam a quantidade de pasta a utilizar.

PUB

Quando já têm mais do que 10 dentes, a quantidade passa ao equivalente a um grão de arroz já cozido. E, a partir dos seis anos, o equivalente a uma ervilha.

A quantidade de fluor também deve ser adequada pelo médico dentista ao risco de cáries de cada criança.

Quais os cuidados a ter durante a escovagem?

A escova deve sempre ir seca para a boca, para não diluir aquele bocadinho de pasta de dentes. Além disso, a escova molhada faz mais espuma, que acaba por dificultar a visibilidade e a verificação se os dentes estão ou não bem lavados. Também não é necessário passar a boca por água e remover a pasta.

Quando se deve  levar o bebé ao dentista pela primeira vez?

A primeira consulta deve ocorrer seis meses após a erupção do primeiro dente ou até aos 12 meses, independente de ter dentes ou não. O primeiro dente pode nascer entre os quatro e os 14 meses. A idade média para o nascimento do primeiro dente é aos seis meses, mas até aos 14 meses não há problema. Depois disso, se a criança ainda não tiver qualquer dente, é imprescindível que seja vista por um médico dentista.

PUB

Devemos procurar um médico dentista que esteja preparado para atender crianças. O consultório tem de estar adaptado e o espaço deve ser amigável para as crianças. É errado ir ao dentista e levar a criança ‘para se ir adaptando’. Só vai fazer pior: a criança vai ver instrumentos feios, num ambiente que não é favorável e vai ver o pai ou a mãe numa situação desconfortável.

Com que frequência a criança deve ir ao dentista?

Não há uma resposta correta. Na primeira consulta, de acordo com o risco de cárie, com o histórico familiar e com o bebé em si, o médico deve estabelecer o plano de consultas. A frequência deve ser definida tendo em conta fatores como medicação que a criança tome, o tipo de alimentação, hábitos de sucção, o tipo de respiração e se a criança tem ou não patologias sistémicas ou fatores hereditários. Claro que, se for de seis em seis meses, é melhor do que não ir de todo, mas as necessidades não são iguais para todos.

PUB

A chupeta faz mesmo mal?

A chupeta altera a posição da língua, dos dentes, dos maxilares e potencia a respiração oral, que sabemos que prejudica o desenvolvimento da criança.  Mas ela traz mais consequências se for usada com maior frequência, durante mais tempo e se tiver um desenho incorreto. Se forem daquelas com a tetina redonda, por exemplo, são mais prejudiciais. A usar, que seja uma chupeta de pescoço fino e tetina o mais fina possível.

Chuchar no dedo é menos prejudicial?

Até aos 12 meses, é normal colocar o dedo na boca e é bom que as crianças o façam, porque estimula o desenvolvimento da cavidade oral e ajuda a explorar o próprio corpo. Nunca devemos substituir o chuchar no dedo por uma chupeta.

Em crianças maiores, é preciso avaliar o desenvolvimento e a maturidade da criança. Não podemos remover esse hábito da criança, sem haver um trabalho progressivo.

O leito materno provoca cáries?

O leite materno, por si só, não faz cáries. O problema é que nós, num bebé pequenino não conseguimos eliminar todos os restos e o perigo está na lactose do leite materno, em contacto com a placa bacteriana. Principalmente se for com grande frequência e se for durante a noite (porque temos menos saliva). Mas, se houver uma correta higienização pelo menos duas vezes por dia, não há qualquer problema.

PUB