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Novo estatuto dos funcionários judiciais "cria duas carreiras". "Não serve os interesses da Justiça"

Os funcionários judiciais eram das poucas carreiras de admissão pública onde as promoções e o acesso aos cargos de chefia se faziam sempre através de um concurso

O Ministério da Justiça entregou aos sindicatos dos Oficiais de Justiça e dos Funcionários Judiciais um novo estatuto, "documento que, da forma como está, não responde a nenhuma das questões" que queriam ver respondidas, afirma à CNN Portugal António Marçal, do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), para quem o documento "não serve os interesses da Justiça".

O documento foi entregue segunda-feira e, para o sindicalista, estamos perante “nada”, nem sequer o compromisso da ministra em “integrar o suplemento de recuperação processual”.

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Além disso, aponta António Marçal, “cria um novo suplemento para a disponibilidade permanente, mas que também serve para pagar todo o trabalho que tenha de ser feito". "Mas só é pago durante 12 meses e enquanto as chefias considerarem que se justifica. Ou seja, a qualquer momento pode ser cessado”, sublinha.

Com alguma ironia diz ainda que, “efetivamente, cria duas carreiras". "Por isso, não é um estatuto para uma carreira, é um estatuto para duas carreiras. O que eles querem fazer é tentar resolver o problema deles, enquanto não sai a decisão do Tribunal Constitucional e que lhes vai custar muitos milhões.”

Os funcionários judiciais eram das poucas carreiras de admissão pública onde as promoções e o acesso aos cargos de chefia se faziam sempre através de um concurso. Em 2015, o SFJ alertou que havia uma norma que parecia ter uma “desconformidade constitucional", porque "tinha regras diferentes para licenciados e não licenciados". "E isso veio a comprovar-se”, explica António Marçal. 

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O Tribunal já deu razão aos “colegas licenciados” e está pendente uma decisão para “os não licenciados”. E o que pode isso significar? “Que o Ministério vai ter de promover cerca de 300 pessoas com efeito a 1 de setembro de 2018 para o topo da carreira. E não tem lugar para estes, porque não pode retirar os outros que já estão desde 2018. Ou seja, vai haver mais generais do que soldados.”

Para o dia 14 de outubro está marcada uma assembleia geral do Sindicato dos Funcionários Judiciais e aí será decido o que fazer no futuro. “No dia 16 iremos comunicar ao Ministério aquilo que foi a decisão dos trabalhadores”, indica António Marçal, que não fecha a porta a negociar: “Temos de aferir se a disponibilidade da ministra para negociar é verdadeira ou não.”

Manuel Soares, presidente da direção da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, foi uma das vozes que, desde o início, compreendeu os protestos dos funcionários judiciais e lhes deu apoio. 

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Após a entrega do documento e numa breve declaração à CNN Portugal, Manuel Soares considerou "lamentável tanta demora para apresentar aos funcionários judiciais uma proposta de estatuto que possa sentar as pessoas à mesa para se negociar uma solução e acabar com estas greves que têm meses". "Se o Governo tivesse mais interesse na Justiça, tinham-se poupado milhares de adiamentos e atrasos que vão demorar muito tempo a recuperar."

Por fim, o magistrado espera que "o processo negocial corra bem, seja rápido e acabe em consenso". "Os funcionários judiciais são essenciais para o funcionamento da máquina da justiça e estão cheios de razão quando reclamam mais respeito e melhores condições de carreira", insiste.

E o que diz o Novo Estatuto?

A proposta de revisão do estatuto dos funcionários judiciais prevê a divisão da carreira em duas categorias, um suplemento mensal de 20% e um aumento de 100 euros no salário de ingresso na base da carreira.

A proposta do Governo prevê que a carreira se passe a dividir em duas carreiras especiais: carreira especial de técnico de justiça, que não necessitam de ser licenciados, mas terão "um período de formação especial obrigatório em fase de recrutamento"; e a carreira de técnico superior de justiça, obrigatoriamente "licenciados em área jurídica" e que exercem "funções de maior complexidade e com grau de exigência técnica mais elevado", escreve a Lusa, citando o documento.

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Quanto à reivindicação sindical de pagamento do subsídio de recuperação processual a 14 meses, o executivo contrapõe, em substituição, um suplemento de disponibilidade de 20%, "o que se traduz num aumento substancial imediato das remunerações atuais de todos os oficiais de justiça, muito acima das reivindicações dos sindicatos".

De acordo com o documento, o suplemento significa um aumento na remuneração anual entre 1.121,69 euros e 3.768,69 euros, consoante a posição na carreira.

"Trata-se de uma valorização superior à reclamada pelos sindicatos, que reivindicam valorizações salariais anuais entre os 862,84 euros e os 2.898,99 euros", já considerando o pagamento do suplemento de recuperação processual a 14 meses, como pretendiam os sindicatos, refere o documento.

Quanto às tabelas salariais, o ingresso na carreira vale atualmente um salário base de 862,84 euros mensais, que é revisto para 964,92 euros, um aumento de cerca de 100 euros brutos, a que acresce o suplemento de disponibilidade de 20%, colocando o salário em cerca de 1.157 euros. A entrada na categoria de técnico superior de Justiça vai passar a ter um salário de 1.385,99 euros, acrescidos do suplemento de disponibilidade, elevando a remuneração para cerca de 1.663 euros mensais.

O topo da carreira passa a ter um salário de 4.144,50 euros, "muito acima da última posição do atual secretário de tribunal superior, que é de 2.898,99 euros".

"A tabela dos técnicos de justiça terá dez posições remuneratórias e a dos técnicos superiores de justiça terá 13 posições remuneratórias. As chefias, em regime de comissão de serviço, recebem de base, respetivamente, 2.122,84 euros e 2.916,89 euros, a que acresce ainda 20% de suplemento de disponibilidade a 12 meses", acrescenta o documento.

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