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Folhetim de voto: Não basta falar alemão para se ser Merkel

Na coluna diária de análise e opinião sobre a pré-campanha, assinada pelo jornalista de política Filipe Santos Costa, há uma espécie de entrevista de Ventura a Rio, várias promessas de Costa, e a promessa de ponderar uma promessa. Faltam 26 dias para as eleições

Por estes dias, a pré-campanha faz-se quase em exclusividade nas televisões, seja porque a pandemia praticamente riscou do mapa as ações de rua, seja por que os frente-a-frentes dominam as atenções, e os líderes partidários ou estão a debater, ou estão a preparar o debate seguinte.

Prova disso é a magra agenda de pré-campanha de hoje: só há iniciativas marcadas com Jerónimo de Sousa (encontro com trabalhadores dos CTT), Catarina Martins (debate sobre teletrabalho) e João Cotrim Figueiredo (visita a duas escolas). O resto da ação (salvo seja) é televisiva. Costa e Jerónimo têm encontro marcado na TVI (21h), Francisco Rodrigues dos Santos debate com Inês de Sousa Real (RTP3, 22h) e Catarina Martins e Rui Tavares têm uma espécie de drink de fim de tarde na SIC-N (18h30).

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Ontem, a noite teve apenas um confronto, entre Rui Rio e André Ventura, talvez o mais importante debate à direita para estas eleições. “Um debate surpreendentemente afável”, constatou a Mafalda Anjos, na CNN Portugal. “Os dois jogaram à defesa”, acrescentou Rui Calafate. Afável, sim; à defesa... só um deles.

PSD. Sim, Rui Rio esteve quase sempre à defesa ao longo dos 25 minutos. Mas começou com outra disposição. Ensaiou um ataque no início do debate, demarcando-se do Chega, por ser um partido contra o regime. “Eu reconheço que o regime democrático está com muitas falhas, muito desgastado, e precisa de um abanão e de uma série de reformas. Mas aquilo que eu quero é pôr o regime democrático democrático, eu não quero outro regime”. (Pode questionar-se quão mais democrático se tornará o regime se os ataques de Rui Rio à liberdade de imprensa, à independência das magistraturas ou ao papel dos deputados fizerem o seu caminho na arquitetura institucional. Mas esse é assunto para outra ocasião.) Daí, Rio partiu para a acusação de que o Chega é um partido “instável”, com o qual “a negociação não pode chegar nunca a uma situação em que haja uma coligação, que haja ministros do Chega”.

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Note-se que Rio não recusou a hipótese de negociar com o Chega - discordo do Rui Calafate quando ele disse (no Jornal da CNN) que do lado de Rio houve “um muro” em relação ao partido de Ventura. Houve a recusa de uma coligação, mas não de negociações. Não é um pormenor. Na Alemanha, Angela Merkel respondeu à subida da extrema-direita dando uma ordem terminante ao seu partido: ninguém negoceia o que quer que seja com a extrema-direira. Nem a nível nacional, nem a nível regional. Por cá, a nível regional, nos Açores, o PSD tem um acordo de governo com o Chega, e a nível nacional, Rio admite negociar, ainda que com linhas vermelhas. Rui Rio usa muitas vezes os exemplos alemães, elogia frequentemente Merkel, foi aluno do Colégio Alemão e é fluente naquela língua. Mas não basta falar alemão para se ser Merkel.

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Chega. Ia o debate a pouco mais de metade, quando André Ventura - que por vezes mais parecia entrevistador do que oponente - colocou a questão marcante do frente-a-frente: “Então, qual é a nossa diferença? Qual é o radicalismo? Onde está o radicalismo do Chega?”, perguntou Ventura, depois de ouvir Rio concordar com ele que não pode haver cortes de pensões (pergunta também lançada por Ventura) e depois de o líder do PSD ter admitido que em certos contornos poderia admitir a prisão perpétua para crimes graves (outra questão levantada por Ventura - sim, foi assim o tempo todo: um a perguntar, o outro a responder). 

O líder do Chega apresentou-se, de facto, menos agressivo com Rio do que vimos noutros debates - mas porque essa era a postura necessária para passar a sua mensagem principal neste frente-a-frente: a disponibilidade para entendimentos com vista a uma maioria de direita que afaste a esquerda do poder. Mas não jogou à defesa. Pelo contrário, manteve pressão constante sobre o seu oponente, com frases de efeito (“O dr. Rio não tem de gostar de mim, isto não é o programa Quem Quer Namorar com o Agricultor”), ora colando Rio a António Costa, ora fazendo-o comentar as propostas eleitorais do Chega. Como se fosse o Chega o partido grande em relação ao qual os outros têm de se posicionar. Enfim, o mundo do avesso.

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O maior triunfo de Ventura é que Rio caiu na armadilha. E quando o líder do PSD teve de responder ao essencial - “Qual é a nossa diferença? Onde está o radicalismo do Chega?” - balbuciou umas coisas sobre o regime, mas não lhe ocorreu demarcar-se do racismo e xenofobia do Chega, ou das propostas de confinamento étnico para ciganos, ou da demonização dos beneficiários do rendimento mínimo, ou sequer demarcar-se da velha máxima de Salazar agora ressuscitada por Ventura - “Deus, Pátria, família e trabalho”.

Os comentários. Na análise ao debate, Cristina Figueiredo e Luís Pedro Nunes, na SIC-N, eram os mais perplexos com a prestação de Rui Rio. “Foi um desastre”, considerou a editora de política da SIC. “É extraordinário que Rui Rio acabe este debate completamente atrás de tudo o que André Ventura quis deixar em cima da mesa, e não se consegue retirar uma ideia concreta de qualquer proposta de Rui Rio.” Um debate “muito mau” para o líder do PSD, que cometeu “uma série de erros”, na opinião de Luís Pedro Nunes, 

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Menos crítico, no Observador, o editor-adjunto de política viu um ponto a favor de Rio na forma como este colocou nas mãos do Chega a responsabilidade de viabilizar um eventual programa de Governo do PSD, mesmo sem antes ter negociado políticas ou lugares. Apesar disso, Miguel Santos Carrapatoso acha que “André Ventura foi mais eficaz a seduzir o eleitorado do Chega e quiçá alguns indecisos”; enquanto Rio “não foi tão eficaz a provar porque é que um voto no PSD é mais útil do que um voto no Chega”. Ora, se Rio falhou a demonstrar a utilidade do voto no PSD face ao Chega, numas eleições em que o voto útil será a questão determinante, conseguiu exatamente o quê?

Muita matéria. Luís Pedro Nunes apostou que Rio deu na noite passada “muita matéria para ser usada por António Costa num futuro debate”. O diretor do Inimigo Público corre o risco de ganhar a aposta. Por muito que diga que não quer o eleitorado do Chega, a forma como Rio aceitou a ideia de prisão perpétua “mitigada”, deixou correr a proposta de castração química para predadores sexuais (convém não esquecer que o secretário-geral do PSD já validou, em tempos, essa ideia, quando precisou de justificar a candidatura de Suzana Garcia na Amadora), embarcou na conversa da “subsídiodependência”, prometendo mais fiscalização... tudo isso dará pano para mangas.

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António Costa na apresentação do programa eleitoral

PS. António Costa e Mariana Vieira da Silva apresentaram ontem o programa eleitoral do PS (está revelado o núcleo-duro do próximo governo, caso Costa volte a chefiar o Executivo). O Público sistematizou as 12 promessas com que o PS espera ganhar as eleições. Estão lá bandeiras antigas de Costa, como o crescimento e o rigor das contas públicas, a transição verde ou a “agenda do trabalho digno”, mas também a novidade da “ponderação de aplicabilidade em diferentes sectores das semanas de quatro dias”. Manuel Carvalho, diretor do Público, estranha que, em vez de estudar, ponderar, e depois propor, o PS opte pelo “facilitismo” de... propor ponderar. É uma opção curiosa, de facto, sobretudo quando incluída num programa eleitoral no meio de mãos cheias de promessas. Parece uma promessa, mas é só a promessa de pensar nisso.

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Choque liberal. No Crossfire, na CNN Portugal, Ana Pedrosa Augusto chocou-se com esta ideia de ponderar em Portugal a semana de trabalho de quatro dias.  “Mas o Estado vai entrar na esfera dos privados e dizer que afinal as empresas vão ter de ter uma semana de quatro dias?”, indignou-se a liberal. Sim. Por sinal, os Estados fazem isso há séculos. Primeiro, à boleia dos preceitos religiosos, e com aval real, foi o descanso semanal ao domingo; depois, no final do século XIX e início do século XX, os Estados impuseram limites semanais de horas de trabalho. Não foi por auto-regulação do mercado que os trabalhadores ganharam folgas, férias ou direito ao descanso. Foi sempre por decisão do Estado, entrando “na esfera dos privados” e dizendo às empresas quais são as regras. Agora, imagine-se, até o Japão, insuspeito de estatismos e outros esquerdismos, está a ponderar a semana de quatro dias.

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Elogio comunista. Também no Crossfire, Bernardino Soares achou “estranho” que o PS “agora queira dizer que só com a sua maioria absoluta é que o salário mínimo vai aumentar” na próxima legislatura. Ainda por cima, notou o comunista, um aumento “poucochinho”. “Este aumento, que é anunciado agora até 2026, é um aumento a um ritmo inferior do que aquele que tivemos a 1 de janeiro”. Ah!, a ironia de ouvir o PCP referir-se ao último aumento do salário mínimo como uma medida grande… há dois meses, esse aumento era tão pequeno (apesar de ser o maior de sempre) que foi uma das razões para o chumbo do PCP ao Orçamento. 

Task force mode. Não será a promessa mais relevante, mas entra no saco das promessas: depois de chefiar o governo mais gordo da democracia, Costa garantiu que terá “um governo mais compacto”, espécie de “task force ao serviço da recuperação do país” (é só a mim que o uso da expressão task force parece forçar uma equivalência com a task force da vacinação, provavelmente aquilo que melhor funcionou em Portugal nos últimos anos?)

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Programa. Sexta-feira será a vez de Rui Rio apresentar as “linhas gerais” do seu programa eleitoral.

Volt. Ainda ontem, escrevia aqui que se tem dado nesta campanha demasiada atenção à política e pouca às propostas políticas. No Público, li um texto (da Lusa) todo sobre propostas políticas de um partido, o Volt Portugal. O partido quer legalizar a prostituição e a comercialização de drogas leves, e taxar essas atividades, para aumentar a receita fiscal. Também defende, entre outras ideias, que Portugal deve apostar na energia nuclear..

BE. No dia a seguir ao embate com André Ventura, em que o líder do Chega carregou no discurso racista, Catarina Martins foi a uma associação de apoio a migrantes, para fazer mais um statement em apoio da integração justa e com direitos de quem procura Portugal para viver e trabalhar. Aos mitos alimentados pelo Chega, respondeu com factos sobre o número de imigrantes e refugiados que vivem em Portugal, e sobre as contribuições que estes fazem para a economia nacional e para a segurança social. E denunciou as redes de exploração e abuso daqueles que já são dos mais vulneráveis da sociedade. “A nossa responsabilidade é combater este negócio feito abuso e violência sobre os imigrantes que trabalham no nosso país.”Se houvesse dúvidas de que o mano-a-mano do BE é com o Chega, Catarina Martins dissipou-as, apelando a que o seu partido se mantenha como terceira força política, lugar que, segundo as sondagens, disputa com o Chega.

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A frase do dia.

“O PS houve um momento em que deixou de querer soluções para querer eleições.”

Jerónimo de Sousa em ação de campanha eleitoral

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