Pulso. A três semanas das eleições, a sondagem publicada pelo Público no sábado passado ajuda a medir o pulso ao andamento da pré-campanha e à evolução das intenções de voto. No essencial, confirma as tendências que vêm de trás: vitória do PS (38%), com aproximação do PSD (32%). Na segunda liga, a surpresa é a disputa entre PCP e BE pelo terceiro lugar (ambos com 6%), e um Chega aquém das expetativas alimentadas pelo seu líder, empatado com a Iniciativa Liberal nos 5%. Mas atenção: se há partido em que pode haver voto envergonhado (ou seja, não declarado nas pesquisas de opinião), é o Chega. Mais abaixo, temos o CDS a desaparecer (2%), o PAN a lutar pela sobrevivência (2%) e o Livre a lutar pela relevância (1%).
Comparação com 2019. Se comparamos esta sondagem com as sondagens feitas em 2019, igualmente a três semanas das eleições, há dados interessantes. Para isso, apoio-me na Poll of Polls do site europeu do jornal online Político, que pega, não numa sondagem, mas na ponderação das várias sondagens que são conhecidas em cada país. Vejamos, então, o que nos diz a comparação das sondagens em Portugal a três semanas das eleições de 2019 e a três semanas das eleições de 2022 (os últimos dados agregados do Político ainda não incluem o estudo de sábado do Público, mas os dois resultados coincidem quase totalmente).
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Consequências. Estes rearranjos têm consequências na correlação de forças entre esquerda e direita:
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Regresso do bloco central. Numa eleição fortemente bipolarizada, sobretudo no apelo de António Costa ao voto útil da esquerda, as sondagens indicam que o peso do chamado bloco central pode voltar a crescer. O estudo de intenções de voto do Público dá 70% à soma de PS mais PSD. Ou seja, acima do que aconteceu nas legislativas de 2009, 2011, 2015 e 2019.
Os dois grandes partidos do sistema receberam 64,1% dos votos em 2019. Foi um dos piores desempenhos eleitorais de sempre bloco central. Só por três vezes a soma dos dois partidos do “centrão” ficou abaixo desse valor, e isso aconteceu sempre na primeira década da nossa democracia, antes das maiorias absolutas de Cavaco Silva, que marcaram um antes e um depois na nossa história eleitoral, retirando peso aos partidos à esquerda e à direita dos dois grandes.
As notícias da morte do “centrão” talvez tenham sido precipitadas, apesar do aparecimento de novas forças políticas com representação parlamentar, sobretudo à direita.
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Rio não bipolariza. Sublinho “sobretudo à direita”, porque tem sido notória a dificuldade de Rui Rio em bipolarizar o seu eleitorado potencial. Segundo as sondagens, o crescimento do PSD é inferior ao crescimento acumulado do Chega e da IL, o que indicia que não há bipolarização deste lado. De resto, no debate com Francisco Rodrigues dos Santos, viu-se Rio a “recomendar” o voto no CDS como segunda opção para o eleitorado não socialista. E também foram claras as dificuldades de Rio no embate com André Ventura, sem capacidade de lhe fazer frente para secar a eventual fuga de eleitores para o novo partido de direita populista. É como se Rio contasse mais com os outros partidos do que com o seu para uma eventual maioria de direita, confiante de que o PSD será sempre a força liderante desse espaço - porém, tudo indica que não está a ser a força liderante no crescimento desse espaço.
Ao invés, António Costa tem-se mostrado implacável no apelo ao voto útil. E, a acreditar nas sondagens, o PS é o partido com maior resistência no lado esquerdo do espetro - se não cresce, pelo menos não encolhe, ao contrário do que parece estar a acontecer com PCP e BE. Viu-se como Costa arrumou o ex-parceiro de geringonça Jerónimo de Sousa, no debate entre ambos, e não deixou de apelar ao voto útil no embate com Rui Tavares, apesar de este ser, de todos os líderes da esquerda, o mais “coligável” com o PS. Veremos o que acontece amanhã no frente-a-frente entre Costa e Catarina Martins.
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Imbróglio. A ministra Francisca van Dunem (que agora acumula a Administração Interna com a Justiça) recebe hoje os representantes dos partidos para tentar encontrar saídas para o imbróglio dos eleitores com ordem de confinamento, por causa da covid, no dia das eleições. Há várias sugestões em cima da mesa, mas algumas são ilegais e outras não são consensuais.
Mesmice. O Diário de Notícias de hoje olha para a evolução das campanhas eleitorais desde o início da democracia, com a ajuda de especialistas. E conclui que, no essencial, pouco mudou nestes 47 anos. Os meios são outros, mas as técnicas são gastas.
Programas. Nos últimos dias foram apresentados os programas eleitorais de vários partidos. A maior parte das leituras é um fastídio - é o caso do programa da Iniciativa Liberal, com 586 páginas. Mais um bocadinho, e era a biografia do Churchill. Da memória que tenho e da pesquisa que fiz, nunca nenhum partido apresentou um programa tãããão longo. Deve ser para compensar anos de política feita em modo de poupança de carateres no Twitter e nos cartazes de rua. Está desde este fim de semana disponível aqui. Felizmente também há a versão condensada, um sumário de 13 páginas.
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Ao pé da IL, os programas do PS e do PSD parecem exercícios de austeridade programática. O do PS tem 122 páginas (pode ler aqui), aqui espremidas numa página com 12 “grandes prioridades”. O do PSD tem 165 páginas (está aqui) e não há folha com prioridades que nos valha. O CDS apresenta as ideias da sua “direita certa” em 15 compromissos e 17 páginas.
O Público e o Diário de Notícias fizeram exercícios de comparação dos programas do PS e do PSD, e o Eco fez o mesmo com os documentos do CDS e da IL.
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Na apresentação pública do seu programa, Rui Rio definiu-o como um documento de “rigor”, “atitude reformista” e “equilíbrio financeiro”. O PS foi o primeiro a lê-lo, para acusar os sociais-democratas de apresentarem apenas “um cheque em branco”. Nas 165 páginas não há um cenário macroeconómico credível, acusam os socialistas. Rui Tavares acusou o programa social-democrata de ser “irrealista”. Estranhamente, ainda nenhum partido reagiu às 586 páginas do programa da IL.
Como devia ser. É estranho que os compromissos eleitorais de quem faz política todos os dias e tem de ter em permanência propostas para os problemas do país demorem tanto tempo a ver a luz do dia. Concordo com o que escreveu no sábado, no Público, o Francisco Mendes da Silva. Como a política devia ser: os partidos deviam ter em permanência “programas activos, conhecidos da generalidade das pessoas, que (...) vão debatendo e promovendo ao longo do ciclo político”. Como a política é (e não apenas em Portugal): “Os partidos têm estruturas bastante amadoras, sem hábitos de estudo e pensamento, e na maior parte do tempo limitam[-se] a navegar as polémicas do dia-a-dia.”
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Concisão. O texto do Francisco não é sobre programas, mas sobre os debates, e responde (bem, em minha opinião) à crítica de que estes debates de 25 minutos não dão para nada, só servem para soundbites e não para a discussão profunda de programas políticos. Não sei em que debates nas últimas décadas alguém ouviu essa discussão aprofundada de programas políticos, tivessem eles uma hora ou hora e meia. Em todo o caso, os debates devem ser o momento por excelência para o apelo ao voto, para dar o argumento definitivo capaz de cativar o eleitor. Isso pode passar por propostas políticas? Claro que sim. Mas, e cito outra vez o Francisco Mendes da Silva, “a tão curta distância das eleições, era suposto que todos os programas estivessem tão claros na cabeça dos candidatos e dos eleitores – tão mastigados, contestados e explicados –, que fosse fácil aos líderes transmitir em poucos minutos a sua mensagem, de forma simples, sucinta e cativante.”
Debates. O trabalho de campo da sondagem do Público começou antes do arranque dos debates televisivos, que tem sido o único vislumbre de pré-campanha até agora; em todo o caso, ainda apanhou os primeiros quatro dias de debates - e não temos como saber em que medida esses desempenhos mexeram na simpatia eleitoral dos entrevistados.
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Mas entre os primeiros debates, muito focados em tática política, e alguns que aconteceram entretanto, com discussão substancial de propostas alternativas, vai uma grande diferença. Já vimos debates suficientes nesta semana para saber que, em 25 minutos, é possível perder-se em peixeiradas, cilindrar um adversário com bons argumentos, ou expor propostas contrastantes em discussão construtiva. É possível ser pedagógico e eficaz, como tem demonstrado Rui Tavares. É possível mostrar-se sereno e bem preparado, como tem feito Catarina Martins. É possível ser contido e letal, como António Costa fez. É preciso trabalho de casa e saber que mensagem se quer passar, qualidades que por vezes parecem faltar a Rui Rio (embora tenha “genuinidade” para dar e vender). E é possível corrigir o tiro e emendar a postura, como fez Francisco Rodrigues dos Santos, que ontem se apresentou calmo e assertivo frente a Costa. E bem humorado sem perder o foco, como João Cotrim Figueiredo se mostrou face à metralha argumentativa de André Ventura.
Direitas. É perfeitamente possível a direita demarcar-se do Chega e expor o vazio do seu discurso, conforme fez ontem o líder da IL. Mas é preciso querer. Quanto a Ventura, é sempre tóxico e sempre mais do mesmo. Não admira que, como dizia ontem Cotrim, durante o debate a dois, “ninguém queira” entender-se com o Chega - não é por haver “um arranjo” ou porque “o sistema”. É mesmo porque Ventura é infrequentável. Mas apresenta-se quase sempre bem preparado nos debates para disparar sobre cada adversário, que é o seu único objetivo (como ontem, quando confrontou Cotrim com a proposta da IL de obrigar os alunos do ensino superior a pagar os respetivos cursos).
Tendência inverno 2022. Há uma curiosa tendência nestes debates: a atenção de cada interveniente aos programas dos adversários. Alguns, como Ventura, usam essa arma para atacar o adversário, e para fugir a falar do próprio programa (o do Chega tem 9 páginas, que não passam de uma colagem de soundbites desgarrados). Noutros casos, o uso dos programas eleitorais alheios como arma de arremesso por vezes permite debates interessantes sobre diferentes visões do mundo. Apesar de tudo, quando tantas vezes nos queixamos de haver politiquice a mais e políticas a menos na campanha eleitoral, discutirem-se programas eleitorais é um ganho. Ou então, fui eu que acordei excessivamente otimista.
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