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Instituições denunciam aumento "preocupante" do abandono de animais desde a pandemia

Centros de Recolha Oficial de Norte a Sul do país alertam para o aumento dos números de abandono de animais de companhia desde o início da pandemia e apontam como motivos as dificuldades económicas das famílias

A procura por animais de companhia aumentou durante os confinamentos do ano passado, com algumas famílias a anteciparem a decisão de adotar um animal - uma decisão muitas vezes "precipitada" e "impulsiva", como descrevem três centros de recolha de animais contactados pela CNN Portugal - e que levou a um aumento "preocupante" dos números de abandono de animais de estimação no último ano, sobretudo desde o final deste verão.

Marta Videira, médica veterinária do Centro de Recolha Oficial (CRO) de Lisboa, adiantou que "em 2020 houve uma diminuição do abandono e um aumento das adoções", uma situação que associa à maior disponibilidade por parte das famílias durante os confinamentos decorrentes da pandemia de covid-19, sobretudo de famílias que já tinham o desejo de adotar um animal e que aproveitaram essa fase para concretizar a decisão. "A partir do verão, as coisas começaram a mudar", sublinha a médica veterinária. "A vida retomou o seu ritmo normal, as pessoas voltaram ao trabalho e começámos a ver um aumento dos números de abandono", acrescentou.

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Estes abandonos mais recentes apresentam uma característica que os distingue dos anteriores à pandemia: "Assistimos ao abandono de alguns animais jovens, com um ano, um ano e meio de idade. Muitas vezes até os chamamos 'animais da pandemia'", afirma Marta Videira, referindo-se aos animais que foram adotados durante os confinamentos.

"Agora verifica-se uma adoção mais consciente, mais pensada e mais reduzida”, sublinha a responsável do CRO de Lisboa, que tem, neste momento, 143 animais para adoção, entre cães e gatos.

No caso dos gatos, o abandono é "mais silencioso", uma vez que, o que acontece muitas vezes é aparecerem "de repente" dois ou três gatos em colónias controladas por cuidadores e até mesmo pelo próprio centro de recolha, que esteriliza os animais, explica Marta Videira.

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"No fundo, estão condenados à morte, porque um animal de casa não sobrevive à rua, tal como um animal de rua não se dá em casa", acrescentou.

Évora registou aumento "preocupante" dos abandonos

Também o CRO de Évora, que abriga, neste momento, 95 animais, entre cães e gatos, verificou um aumento "preocupante" dos números de entradas de animais naquele centro, sobretudo "a partir deste verão".

"Os números de entradas de animais cresceram mesmo de uma forma preocupante", salientou Margarida Câmara, médica veterinária daquele centro de recolha. "No caso dos cães, as entradas dispararam", acrescentou.

Os números avançados pelo CRO de Évora demonstram isso mesmo: entre março de 2020 e novembro do mesmo ano, o centro registou 354 entradas de animais, e, no mesmo período deste ano, registaram-se já 459 entradas - um aumento de 30%, refere-se numa nota divulgada pela instituição.

De acordo com Margarida Câmara, os motivos mais frequentes para estas entregas de animais são as "condições socioeconómicas" das famílias.

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"Chegam-nos muitos pedidos de pessoas que tiveram de mudar de casa, de emprego, cidade, (...). Esses pedidos de ajuda chegam quase todos os dias e nem sempre conseguimos dar resposta", lamentou. 

Dificuldades económicas são a principal causa para abandono

Também o CRO do Porto tem vindo a registar um aumento do número de entradas de animais este ano, sobretudo o número de animais entregues pelos próprios donos, indicou fonte da autarquia à CNN Portugal.

"Em 2019, foram entregues 176 animais (80 cães e 96 gatos), em 2020 foram entregues 166 (126 cães e 40 gatos) e, em 2021, até outubro, já foram entregues 232 (147 cães e 85 gatos)", avançou a mesma fonte, acrescentando que os motivos apresentados pelos detentores destes animais aquando da sua entrega prendem-se, sobretudo, com "a falta de condições financeiras, processos de despejo ou alterações de residência, e ainda problemas de saúde".

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A situação parece ser a mesma de norte a sul do país, e as razões apresentadas pelas associações são também as mesmas - as dificuldades económicas das famílias decorrentes da pandemia de covid-19.

A Animalife, associação nacional sem fins lucrativos que tem como missão combater o abandono de animais de estimação em Portugal, já tinha alertado para este problema em de agosto passado, no âmbito do Dia Internacional do Animal Abandonado. 

Em declarações à CNN Portugal, o presidente da associação, Rodrigo Livreiro, confirmou que se verificou "um aumento do número de animais abandonados na sequência da pandemia", de acordo com os resultados de um inquérito realizado pela Animalife no final de 2020 a mais de 200 associações de proteção animal.

"À questão 'houve efetivamente um aumento do número de abandonos na sequência da pandemia de covid-19?', (...) quase 90% das associações respondeu afirmativamente", indicou o responsável, acrescentando que estes números confirmam um aumento "significativo" do número de abandonos "entre março e dezembro de 2020".

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O mesmo inquérito permite ainda concluir que "as dificuldades económicas decorrentes da pandemia, provocadas, por exemplo, por situações de desemprego são a principal causa invocada pra justificar o aumento do número de animais abandonados", adiantou Rui Livreiro.

"A maior dificuldade no acesso a bens e serviços de primeira necessidade, como alimentação ou tratamentos médico-veterinários, foi o segundo motivo apontado para justificar o abandono", acrescentou. 

Por essa razão, a Animalife lançou no início do ano o projeto Vet na Rua, que atua já em oito Juntas de Freguesia de Lisboa e que tem como objetivo prestar "apoio social e serviços médico-veterinários" a "famílias carenciadas e devidamente sinalizadas". 

Este projeto "pioneiro" conta com uma equipa multidisciplinar - Rita Gonçalo, assistente social, e Luís Cunha, médico veterinário - que, em menos de um ano, acompanha já "cerca de 200 famílias" através de apoio alimentar e médico-veterinário, como contou à CNN Portugal Rita Gonçalo.

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"Toda a nossa intervenção é a montante, ou seja, antes de as pessoas se verem forçadas a abandonar os animais", explicou a responsável, acrescentando que, com a pandemia, as câmaras registaram uma "subida de pedidos de ajuda" por parte das famílias neste âmbito.

"Sinalizei imensas famílias que, devido à pandemia, ficaram desempregadas, sem condições económicas para a medicação dos animais, para fazer cirurgias graves que não puderem realizar", disse. 

No último Dia Internacional do Animal Abandonado, o bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários, Jorge Cid, insistiu na necessidade de se proceder a um levantamento nacional dos animais abandonados, salientando, na altura, que "o que não se consegue medir, não se consegue gerir".

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