Há canções que nos dizem tanto, ao ponto de as querermos gravar para sempre na pele. No braço de Rui Fernandes, toca sempre Fix You. Tatuou-a aos 17 anos, sem a autorização dos pais. Ele sabia porque o fazia.
“É aquela música que me acalma. Quando procuro calma, é esta. Mas em todas as músicas de Coldplay, consigo encontrar algo da minha vida”, diz. Na barriga de uma das pernas, tem tatuada outra canção da banda britânica, Yellow.
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Hoje é a primeira vez que vê Chris Martin e companhia. Sara Lopes é a companhia para esta aventura. Vêm de Vizela. Há, entre os outros fãs que passam, quem lhe pergunte onde comprou a t-shirt com o mais recente álbum dos Colplay “Music of the Spheres”. “Mandei vir do site deles”, responde com um sorriso.
Da barriga da mãe para os ombros do paiA primeira vez que Matilde assistiu a um concerto dos Coldplay foi na barriga da mãe. No Estádio do Dragão. Foi há 11 anos. Na altura, a gravidez levou Ana Alves a escolher um lugar sentado no sossego da bancada. Hoje, faz questão de estar no relvado, no meio da multidão.
Ela é a principal fã, admite. “A minha filha também queria vir. Até faltou ao teste de Ciências. Faz na sexta-feira. A professora deixou”, conta. A família saiu de Vila Real às cinco da manhã. Vieram diretos para junto das cancelas, para conseguir estar o mais perto possível do palco.
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As letras podem não estar todas decoradas na perfeição, mas o que conta é mesmo a energia. Os refrões simples que todos, de uma forma ou outra, reconhecem. Vale a pena todo o esforço que se faz por dias como estes. Mesmo que, a meio do concerto, Matilde queira subir para cima dos ombros do pai Fernando para, no calor da multidão e não do útero da mãe, criar esta memória.
"Não podemos morrer sem ver Coldplay"Faz-se de tudo para chegar a horas. Até vir de véspera. Matilde Palacino e Joana Coutinho capricharam no look. Mas, com o passar das horas, numa espera longa, há que ir retocando. O carro, estacionado a poucos metros do Estádio Cidade de Coimbra serve-lhes de casa improvisada. É que elas vieram ontem à uma da manhã para guardar lugar. Mas perceberam que, afinal, não era preciso tanto.
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A bagageira do carro é uma casa improvisada. As malas ocupam o espaço todo. Há garrafas de água e uns snacks para enganar a fome. Mas também desodorizante e protetor solar. Porque o sol, mesmo no glamour de um concerto, faz das suas.
“Eu não sou grande fã, mas os concertos são aquela coisa. Não podemos morrer sem ver um”, diz Joana. A amiga lembra que foi para as filas ainda o dia não tinha raiado, à custa do irmão. “Sou a fã número dois”, brinca. E, por isso, quando ouvir Fix You e Viva La Vida vai fazer de tudo para mostrar que, afinal, ela é mesmo a número um. Como todos os que entram nestas filas.
Quem arrasta quem? Toda a gente sabe bemPUB
Há os pais que acompanham os filhos. E há os filhos que acompanham os pais. Histórias de quem se diz “forçado” a vir ao concerto que todos queriam. Mas que no fundo, e não tão no fundo, queria mesmo estar aqui. Foi uma maluqueira para todos comprar bilhetes. Lembra-se quem ficou na cama a dormir, bem descansadinho, enquanto os outros iam para as assustadoras filas para conseguir bilhete.
Mário é o pai. Ana é a mãe. Juntos tiveram Mariana e, juntos, construíram-lhe o nome. Mário e Ana. Mariana. Ela não dormiu a noite toda. “Era um entusiasmo muito grande”. Vieram de Lisboa, diretos para a fila.
E, se não fossem as piadas, o tempo custava mais a passar. “Isto é o Tony Carreira dos Ingleses”, brinca o pai. Até se arranjam as teorias mais originais para o facto de não haver concerto dos Coldplay na sexta-feira: o regresso dos portugueses Excesso, com um concerto no Altice Arena.
A filha não entra tanto na brincadeira. Mas sabe explicar bem o que têm os Coldplay de especial: “têm uma relação muito grande com o público. São muito verdadeiros”.
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Há um sotaque especial na fila. Espanhol. Damos com David Pérez, no meio das filas, com um guarda chuva aberto. É para protegê-lo, a ele e aos amigos, do sol. Quando deram por si, eram 50 num autocarro. Vêm da Galiza e só esperam que o espetáculo “seja bom”.
Escolheram Coimbra porque sempre era mais perto do que Barcelona, outro dos pontos da digressão europeia da banda de Chris Martin. Tal como Iván Zafra e os amigos, vindos de Madrid.
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Sentam-se em círculo, atiram as cartas, à espera de que a grande hora chegue.
“Para Barcelona são sete horas, para aqui seis”. E o que os leva a um caminho tão longo? “A música dos Colplay relaxa-me”. Eles são mais fãs das antigas, “são as melhores”. The Scientist, Yellow, Fix You.
On/offPelas 15:30 ouvem-se os primeiros testes de som. You, you are, my universe… E a multidão agita-se. Estão mais perto, cada vez mais perto. Há água, há cerveja, há Coca Cola, há protetor solar.
“Alguém tem de ser o agueiro”, diz Tiago Neves. O bilhete para o concerto foi a prenda do dia do pai “atrasada”. Mas é uma prenda que traz água no bico: é ele quem tem de olhar pelas filhas e pelas amigas.
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As raparigas esperam que o concerto as faça “chorar”. “Emocionar”, corrige Tiago Neves. “Para ficar mais bonito no artigo, diz-se emocionar”. E elas sabem o momento ideal para isso. A Sky Full of Stars, quando a banda as vai desafiar a desligar os telemóveis e viver o momento. À boa moda antiga, como no tempo dos pais.
Tiago Neves, por sua vez, quer ver a tecnologia a entrar no concerto. Quando se ouvirem os primeiros acordes de Yellow, é a pulseira que vai levar num dos braços que ele quer ver acender-se e tornar-se na cor deste clássico da música.
"Merchandising" caseiroQuando não se está em casa, pode ser mais difícil encontrar a entrada. É que Mónica Maia e a família vêm do Porto. “Ela é que veio ao arrasto da mãe. Eu estou numa ansiedade tal. É o meu primeiro concerto”, diz.
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Pelo menos, o primeiro concerto desta dimensão. Porque, nas festas da terra, sempre que pode está lá. Vieram todos vestidos a rigor, cada um com a sua t-shirt. Não há uma igual à outra. Uma chegou ontem dos Estados Unidos, mesmo a tempo do concerto. Mas as outras foram feitas numa gráfica, para serem mais baratas. Ninguém nota a diferença. Porque, para investimento, já bastou o bilhete.
Na espera para um concerto, o chão e a sombra podem ser os melhores aliados. Os Barbosinhas e os Afonsinhos sabem disso bem. Fugiram da confusão das filas. Afinal, há lugar para todos, entre-se a que horas for.
Ainda trabalharam umas horas esta manhã em Braga. Primeiro a obrigação, depois a devoção. Gisela sabe as letras de cor, foram muitos anos a treiná-las. "Os Coldplay são os novos U2. O que têm de especial é a simplicidade e a humildade. Eles estão na linha do povo”, diz.
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Longe da envolvente do estádio, há uma outra Coimbra que foge a esta confusão. No caminho a pé, do Mondego ao Estádio Cidade de Coimbra, há ruas vazias e restaurantes cheios de lugares para ocupar. Passam os autocarros especiais, marcando a diferença do dia.
Porque este não é um dia como o outro. Ao volante, Marcus sabe que não é. O sotaque é brasileiro mas ele vive na Nazaré. Hoje, trabalha em Coimbra, a conduzir um TVDE. Há muita gente que, apesar de toda a rede de transportes públicos reforçada, não abdica do conforto do carro. “Em meio dia aqui, faço o mesmo de um dia lá. Temos de vir para onde está o dinheiro”.
Hoje o dia só acaba quando não houver mais ninguém para transportar. Na rádio vão passar muitas vezes as canções de Colplay. E ele espera assistir ao sorriso daqueles que viveram a experiência. Quando a obrigação fala mais alto, é o mais perto que se pode estar.
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