Três antigas investigadoras do Centro de Estudos Sociais (CES) de Coimbra acusaram Boaventura de Sousa Santos de assédio sexual, mas o caso pode não ficar por aí. Depois da denúncia feita num artigo, há mais mulheres a fazer relatos semelhantes contra o diretor emérito daquele instituto.
[artigo atualizado às 18:15, depois de recebidas novas informações sobre o alegado caso da professora universitária disposta a colaborar com as autoridades. Este caso terá tido origem num email falso em nome da docente]
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Tocou-lhe no joelho, convidou-a a “aprofundar a relação” e depois colocou-a de parte. Este é o desenrolar da acusação que uma investigadora brasileira que trabalhou no CES faz a Boaventura de Sousa Santos. Na altura, em 2014, ela tinha menos de 30 anos, ele tinha mais de 70.
A história desta mulher consta no artigo que revela casos de alegado assédio moral e sexual cometidos pelo professor universitário no âmbito do exercício da sua função, neste caso com uma mulher que saiu do Brasil de propósito para trabalhar com o docente, que tinha uma grande reputação no seu país, e que era o diretor emérito do CES.
O caso “limite” não aconteceu nas instalações da universidade, mas antes na casa do sociólogo. Terá sido lá que Boaventura de Sousa Santos acariciou o joelho da mulher, prometendo-lhe “portas abertas” caso ambos aprofundassem a “relação pessoal”.
O local do encontro foi escolhido pelo professor, que tinha acabado de aceitar orientar um trabalho da investigadora. Respondendo-lhe ao email com a solicitação, Boaventura de Sousa Santos sugeriu que ambos se encontrassem em sua casa. A mulher aceitou.
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Segundo relata agora a alegada vítima, aquilo que devia ser uma reunião de trabalho começou logo de forma estranha: o professor recebeu-a com bebidas alcoólicas, que ela recusou. O homem terá passado entrão para outras investidas, levando nova recusa. “Acho que confundiu as coisas”, terá dito a mulher, que de seguida abandonou a casa, mudando de vez a perceção que tinha de Boaventura de Sousa Santos, de quem tinha ouvido falar através de um livro da coleção “Ecologia de Saberes”.
“Li aquilo e fiquei admirada e isso fez-me tomar a decisão de fazer o intercâmbio estudantil na altura da graduação para Portugal”, conta ao jornal Observador, explicando que a publicação a fez “querer fazer um doutoramento” no CES.
No dia a seguir ao encontro, a relação tinha mudado. Numa reunião entre a alegada vítima, o seu ex-companheiro (também estudante de doutoramento) e o professor, Boaventura de Sousa Santos "criticou de forma muito agressiva o trabalho que vínhamos fazendo", conta a mulher ao jornal Público, revelando que a situação levou mesmo o então seu companheiro a chorar.
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"O assédio que era sexual tornou-se [assédio] moral", acrescenta.
A mulher tentou procurar ajuda junto da universidade, queria denunciar formalmente o caso, mas o coordenador do curso fechou-lhe as portas. "Infelizmente, o Boaventura é brilhante, mas tem destas coisas", terá dito o responsável à alegada vítima, que ainda procurou mulheres que a pudessem ajudar, mas ouviu a mesma resposta: "Ele é assim, sabemos de outros casos, mas não sabemos o que fazer".
"A vida académica delas estava atrelada e condicionada por aquele sistema de poder", afirma hoje em dia.
Um ano depois estava de volta ao Brasil, onde concluiu o seu doutoramento. Em 2019, e cinco anos após o caso, recebeu um email do próprio Boaventura de Sousa Santos, que ia estar em Bahia e queria estar com ela. Ela concordou em encontrar-se para uma reunião, mas o que o professor queria era pedir-lhe desculpas, aproveitando para tirar a limpo se a mulher tinha alguma coisa a ver com os grafitis que surgiram em paredes de Coimbra, em que se podia ler o nome do professor e a mensagem "Todas Sabemos". Ao Observador, a mulher garante que não esteve por detrás do caso, do qual só soube em 2019, quando o docente lhe mostrou as fotografias.
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No mesmo encontro, Boaventura de Sousa Santos afirmou-se vítima da "cultura de cancelamento", argumentando que tinha agido por impulso dos seus sentimentos. A mulher recusou o pedido de desculpas, e hoje relembra a falta de ajuda: "Aquilo de que tinha precisado anos antes era de uma orientação para fazer uma denúncia formal".
A mediatização deste caso já levou a imprensa brasileira a recordar uma denúncia que na altura passou despercebida. Em junho de 2022, a argentina Moira Ivana Millán, hoje com 53 anos, acusou publicamente Boaventura de Sousa Santos de assédio sexual.
Tudo aconteceu num vídeo partilhado no Instagram por uma associação de mulheres indígenas, e no qual a investigadora denuncia o diretor emérito do CES. Ao longo de vários minutos, a ativista conta que viajou para Coimbra a convite do professor para dar uma aula de uma pós-graduação. "Convidou-me para jantar num lugar onde estávamos sozinhos. Começou a beber e chamou-me para ir ao seu departamento para buscar uns livros que me ia emprestar. Quando fui ao departamento atirou-se para cima de mim", afirmou.
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Moira Ivana Millán explicou que o caso terá ocorrido em 2010, apelidando Boaventura de Sousa Santos de "machista e violento", defendendo o facto de não ter feito nenhuma denúncia com o medo de ser marginalizada. "Seria vista como uma mulher mapuche", em vez de uma académica. "Quando voltei de Coimbra para Lisboa, devastada, um argentino disse-me para não dizer nada, pois ele é o guru do pensamento de esquerda em Portugal e, na Argentina, ninguém acreditaria em mim", lembrou.
Boaventura de Sousa Santos avança com queixaO sociólogo Boaventura de Sousa Santos anunciou, entretanto, que vai avançar com uma queixa-crime contra as três investigadoras que denunciaram as alegadas situações de assédio sexual e moral no CES.
Num documento enviado a toda a comunidade do CES intitulado “Diário de uma difamação”, a que agência CNN Portugal teve acesso, o diretor emérito da instituição afirma que irá apresentar “uma queixa-crime por difamação contra as autoras” de um artigo em que acusam Boaventura de Sousa Santos e o investigador Bruno Sena Martins de usarem o seu poder sobre jovens estudantes e investigadoras para "extrativismo sexual".
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