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Carlos III é o novo chefe de Estado da Austrália e da Nova Zelândia. Mas por quanto tempo?

Líderes dos governos australiano e neozelandês são republicanos, mas recusam aproveitar a morte de Isabel II para acelerar uma mudança de regime. Estarão ambos no funeral da rainha, e vão encontrar-se com Carlos III, o rei dos respetivos países. Até quando?

Quando foi oficialmente entronizado rei no sábado, Carlos III passou a ser o chefe do Estado do Reino Unido, mas também de outros 14 países, que no passado fizeram parte do Império Britânico e até hoje reconhecem o monarca britânico como seu soberano. É o caso da Austrália e da Nova Zelândia, onde este fim de semana os respetivos parlamentos se reuniram para proclamar o Rei Carlos III é o novo líder máximo das respetivas monarquias parlamentares.

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Em Wellington, capital da Nova Zelândia, e em Camberra, a capital da Austrália, as cerimónias institucionais de sucessão decorreram de forma tranquila e sem sobressaltos, mas há dúvidas sobre por quanto tempo mais os dois países quererão manter-se sob a coroa britânica, agora que desapareceu a figura agregadora de isabel II. Os movimentos republicanos - que exigem o fim da monarquia constitucional, substituindo um rei ou rainha em Londres por um Presidente da República nativo - têm um peso significativo em ambos os países, e os atuais chefes de governo apoiam essa mudança. Será Carlos III o último monarca britânico a reinar nos dois grandes países do Pacífico Sul?

Para já, tanto Anthony Albanese, primeiro-ministro australiano, como Jacinda Ardern, chefe do governo neozelandês, recusam aproveitar o desaparecimento de Isabel II para relançar esse debate. “Este é o momento do luto”, disse Albanese, que esta semana irá para Londres, para assistir às cerimónias fúnebres de Isabel II e para ter a sua primeira audiência com o novo soberano. Albanese será acompanhado pelo governador-geral, David Hurley, o representante da Coroa em Camberra, a quem coube a tarefa de proclamar formalmente Carlos como novo chefe de Estado australiano. Também Ardern estará em Londres para o adeus à rainha e a primeira reunião de trabalho com o novo rei.

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Apesar de ser um convicto republicano - e de liderar o Partido Trabalhista australiano, que há 30 anos se assumiu oficialmente como favorável ao fim da monarquia constitucional -, Albanese assegurou este fim de semana que não há qualquer pressa em levantar o debate sobre a natureza do regime. Pelo contrário, um dos primeiros gestos do chefe do executivo de Camberra será convidar Carlos III a visitar a Austrália "o mais depressa possível".

Novo referendo só com novo mandato

Em entrevista ao canal de televisão britânico Sky News, Albanese prometeu que não promoverá qualquer referendo sobre alterações constitucionais durante o atual mandato, o seu primeiro como primeiro-ministro. "Agora não era o momento de falar sobre o nosso sistema de governo". "É este o sistema de governo que temos, é um sistema que, como primeiro-ministro australiano, tenho a responsabilidade de respeitar", disse.

Albanese foi eleito em maio e só termina este mandato em 2026 - e garante que só após essa data, se for reeleito para um segundo período como primeiro-ministro, irá propor um referendo sobre a forma do regime. Esse já havia sido o compromisso de Albanese quando chegou ao Governo.

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Segundo o chefe do governo, a promessa de não procurar alterações constitucionais no atual mandato resulta do "profundo respeito e admiração" pela Rainha. "Ela era uma figura tão respeitada, independentemente da posição das pessoas no espectro político. Estes 70 anos de serviço público, esta devoção ao dever, é algo que a tem em tão grande consideração", declarou na entrevista televisiva. "Muito claramente, este é um momento de luto nacional.”

Em homenagem à antiga soberana, para além de ter declarado luto nacional, o governo australiano decretou feriado no dia 22 de setembro, data em que o primeiro-ministro já estará de volta ao país e poderá participar nas cerimónias solenes. 

Albanese disse esperar que Carlos III e a Rainha Consorte Camilla visitem a Austrália "o mais depressa possível", e elogiou o novo soberano como “alguém que tem uma relação profunda com a Austrália” e que “tem sido muito ativo e franco em questões como a necessidade de o mundo agir sobre as alterações climáticas", uma questão que tem efeitos particularmente sensíveis no Pacífico Sul.

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Questionado sobre se o monarca deveria continuar a falar destas questões, Albanese respondeu “isso seria apropriado”, pois “lidar com o desafio das alterações climáticas não deve ser visto como uma questão política, deve ser visto como uma questão que diz respeito à humanidade e à nossa própria qualidade de vida e sobrevivência".

Apesar dos elogios a Carlos, Albanese reconheceu que o desaparecimento de Isabel II é, “claro, uma mudança substancial. O único monarca que conhecemos na minha vida, e na vida da maioria dos australianos, foi a Rainha Isabel''.

A popularidade da Rainha terá sido uma das razões por que a monarquia não foi abolida na Austrália no referendo constitucional de 1999. Na altura, questionados sobre se a Austrália deveria passar a ser uma República, com um presidente eleito pelo Parlamento, 55% dos australianos votou pela manutenção da monarquia. A causa republicana não conseguiu a maioria em qualquer dos estados que compõem a federação australiana, e Isabel II continuou a ser a chefe do Estado. Para além da simpatia pela monarca em funções, a opção pela eleição indireta do futuro presidente da República poderá explicar o resultado do referendo, numa altura em que o republicanismo parecia ser maioritário no país. Hoje, não é assim. As sondagens indicam que cerca de um terço dos australianos querem mudar o regime, mas mais de 40% são favoráveis ao status quo. Veremos os que dizem as futuras sondagens, agora que o rei é Carlos.

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O republicanismo é a linha oficial do Partido Trabalhista, no governo. E Albanese tem, pela primeira vez na história, um ministro para a República, que visa preparar o terreno para uma futura mudança.

No Partido Liberal, o outro grande partido de governo, o republicanismo não é a linha oficial, mas tem muito peso. Porém, em 2015, quando o liberal Malcolm Turnbull chegou a primeiro-ministro, nem o seu passado como líder do movimento republicano lhe permitiu avançar com um novo referendo. Declarando-se “isabeliano”, Turnbull garantiu que não promoveria um novo debate sobre a natureza do regime enquanto a coroa estivesse na cabeça de Isabel II.

Jacinda quer "cortar laços com a família real"

Também o governo da Nova Zelândia é liderado por uma convicta republicana, que no entanto não tem pressa de mudar as regras. Jacinda Ardern tem sido muito enfática nas homenagens a Isabel II, e apressou-se a travar o ressurgimento do debate sobre se faz sentido, em pleno século XXI, que o chefe de Estado neozelandês seja um rei ou rainha cujo trono está do outro lado do mundo.

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Ontem, falando na escadaria do Parlamento neozelandês, Jacinda Ardern disse que o evento reconheceu o filho da rainha, "Sua Majestade o Rei Carlos III como nosso soberano". "O Rei Carlos tem demonstrado consistentemente o seu profundo cuidado pela nossa nação. (...) Esta relação é profundamente valorizada pelo nosso povo. Não tenho dúvidas de que se vai aprofundar", disse Ardern, apesar de serem bem conhecidas as suas posições republicanas.

O Partido Trabalhista neozelandês, pelo qual a atual primeira-ministra foi eleita, defende oficialmente a realização de um referendo sobre o regime a chefia do Estado. Ao contrário da Austrália, essa consulta popular nunca aconteceu na Nova Zelândia, talvez porque as sondagens de opinião mostram, há muito tempo, um apoio consistente da maioria do eleitorado à manutenção do atual sistema. O Partido Nacional, a outra grande força partidária do país, é igualmente favorável a um referendo vinculativo, mas tradicionalmente os seus dirigentes não são tão favoráveis à República como os trabalhistas. Os Verdes são o partido mais consistente na defesa da transição para a República.

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A forma de regime não está inscrita na Constituição, pelo que pode ser alterada por maioria parlamentar - porém, das poucas vezes que tal foi proposto, não teve apoio maioritário. 

Jacinda Ardern tem defendido frequentemente que o seu país “corte os laços com a família real” britânica e passe a ser liderado por um Presidente da República. No ano passado, a chefe do governo disse estar confiante de que a Nova Zelândia seria uma República ainda “durante [o seu] tempo de vida”. Mas acrescentou que “nunca sentiu urgência” dos neozelandeses para fazer essa mudança.

"Tenho sido muito clara: apesar de ser republicana, não sou da opinião de que aqui e agora, no meu mandato, isto seja algo que os neozelandeses sintam particularmente", disse Ardern. “Este Governo tem dado prioridade às questões que consideramos prioritárias. Penso que haverá um tempo e um lugar [para a mudança de regime]; só não o vejo como sendo agora".

Desde a morte de Isabel II, Ardern tem-se desmultiplicado em declarações de admiração pela soberana, que retratou como alguém com uma relação especial e próxima com a Nova Zelândia, apesar da distância física. A chefe do governo destacou o "nível de conhecimento e cuidado que ela tinha pela Nova Zelândia", e deu como exemplo um telefonema que recebeu da monarca durante o primeiro confinamento do país em 2020, por causa da covid-19. "Ela telefonou apenas para saber como a Nova Zelândia se estava a sair", contou Ardern. "Foi uma conversa muito humana".

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Os líderes de todos os grandes partidos neozelandeses elogiaram a relação que Isabel II construiu com o país ao longo de 70 anos de reinado, durante os quais visitou a ilha uma dezena de vezes. 

“Essa é uma questão para outro dia”, disse Marama Davidson, co-líder do Partido Verde, quando questionado sobre o debate nacional em torno da forma de regime e o chefe do Estado.

Apesar de a causa republicana nunca ter sido tão consequente na Nova Zelândia como tem sido na Austrália, “agora vai ganhar gás”, aposta Sir Don McKinnon, político neozelandês e antigo secretário-geral da Commonwealth. 

"Posso dizer de todas as conversas que tive com Sua Majestade no seu tempo, ela estava sempre preparada para dizer (...): cabe inteiramente a todos aqueles reinos (...) onde ela é chefe de Estado dizer se querem continuar assim".

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