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Dinheiro e mensagens encriptadas: como o Grupo Wagner está a recrutar comandos afegãos abandonados pelos EUA

Lutaram lado a lado com o ocidente para travar a expansão dos talibãs. 20 anos depois, podem vir a ser utilizados pelo mais conhecido grupo de mercenários russos para atingir os objetivos de Vladimir Putin

Antigos soldados de elite dos Corpo Nacional de Comandos do exército afegão estão a ser recrutados para combater nas fileiras do Grupo Wagner na Ucrânia. Abandonados e deixados à sua própria sorte após a retirada da coligação que combatia a insurgência talibã no Afeganistão, muitos destes militares altamente especializados estão a ver-se obrigados a aceitar as propostas do grupo de mercenários russos que auxilia a invasão russa.

“Durante 18 anos, ombro a ombro, levámos a cabo missões extremamente perigosas com americanos, britânicos e noruegueses. Agora, encontro-me escondido. Eu sofro a cada segundo”, desabafou ao Foreign Policy um antigo capitão da unidade de soldados de elite que se encontra escondido no país desde que os talibãs voltaram ao poder.

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E não é para menos. Este grupo de soldados é muito procurado pelo regime talibã, que viu nas capacidades desta unidade um dos seus maiores desafios à reconquista do país, em 2021. Ao contrário das restantes unidades militares do exército do Afeganistão, as unidades de comandos não só não se renderam como muitos deles se comprometeram a defender o perímetro do aeroporto de Cabul até ao último segundo, cientes de qual seria o seu destino quando fossem capturados pelos terroristas.

Mas muitos destes combatentes conseguiram fugir para os países vizinhos, como o Irão, de forma a escapar às retaliações. Sem trabalho, a vasta maioria aguarda autorização para poder ir morar para os Estados Unidos e para o Reino Unido, o que faz deles alvos fáceis e apetecíveis para os recrutadores do Grupo Wagner. Muitos destes homens recebe uma mensagem via WhatsApp ou por mensagem encriptada no Signal com uma oferta para se juntarem “à legião estrangeira” para lutar na Ucrânia.

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“Quem quiser ir para a Rússia para receber melhor tratamento e mais recursos: envie o nome, nome do seu pai e a sua patente militar”, pode ler-se numa destas mensagens verificadas pelo Foreign Policy.  

Esta mensagem está a preocupar alguns dos antigos comandos, que temem que muitos dos antigos membros da unidade militar não estejam em condições para recusar uma oferta aliciante do ponto de vista financeiro. Um antigo oficial dos comandos alerta a publicação de que mais de dez mil antigos combatentes podem estar disponíveis para aceitar a proposta.

“Eles não têm país, não têm trabalho e não têm futuro. Eles não têm nada a perder”, refere o antigo oficial dos comandos, que explica que as mensagens são propositadamente vagas para não mencionar o Grupo Wagner, mas o militar não tem dúvidas. “Tenho a certeza de que são do Grupo Wagner. Eles estão a juntar pessoas de todo o lado. A única entidade que recruta estrangeiros para a Rússia é o Grupo Wagner”, acrescenta.

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Mas a situação não é fácil para estes veteranos, que se veem obrigados a trabalhar por três ou quatro dólares por dia em países como o Paquistão ou o Irão em profissões que não conhecem. Quando um recrutador aborda um destes ex-combatentes para voltar a receber mais de mil dólares por mês para voltar ao campo de batalha “eles não o rejeitam”, explica o oficial. Além disso, quando um recrutador consegue encontrar o paradeiro de um destes soldados facilmente consegue ter acesso aos contactos dos seus antigos camaradas.

Apesar de o exército afegão formado pelos Estados Unidos ser considerado bastante incompetente, acabando por perder dezenas de cidades numa questão de dias para os rebeldes talibãs, culminando na saída atrapalhada do exército americano, após 20 anos de presença no país, não foi por falta de dinheiro. Os Estados Unidos da América gastaram mais de 90 mil milhões de dólares a formar e equipar esta força militar. Porém, apenas os comandos, treinados pelos Navy Seals e pelo Special Air Service (SAS), eram vistos pelos militares ocidentais como forças motivadas e disciplinadas o suficiente para fazer a diferença no combate.

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Estima-se que, apesar de serem apenas 7% das forças totais do exército afegão, os comandos foram responsáveis por 70 a 80% dos combates, durante a insurgência talibã. Esta fama ficou ainda mais cimentada durante a emblemática batalha de Dawlat Abad, onde estes soldados lutaram durante 50 dias enquanto esperavam reforços e apoio material que nunca veio.

Para um antigo oficial afegão, a participação destes experientes soldados na frente de batalha ucraniana por parte dos mercenários russos pode vir a marcar a diferença. Oficialmente, o Grupo Wagner não existe. Fundado por Yevgeny Prigozhin, um oligarca russo com ligações ao Kremlin, o grupo de Defesa privado participou na anexação da Crimeia, em 2014, e desde então tem sido presença assídua em regiões onde Moscovo tem interesses, como a Síria, Líbia ou o Mali.

Desde o início da invasão à Ucrânia que o grupo tem sido utilizado em diversas zonas contra os soldados ucranianos, mas mais notoriamente em Bakhmut, onde, durante mais de três meses, tem tentado conquistar a localidade sem sucesso. O número de baixas na localidade tem sido notório e, por esse motivo, Prigozhin tem sido filmado em diversas prisões russas a recrutar reclusos para combater pelo Grupo Wagner, oferecendo, inclusive o perdão das penas.

Porém, a Rússia continua a necessitar de soldados para alimentar a sua máquina de guerra e é isso que procura nos veteranos das forças especiais afegãs. Segundo a televisão afegã, a oferta de recrutamento do grupo Wagner pode incluir a cidadania russa, algo que é visto com muito bons olhos por parte destes homens que se encontram foragidos. “Nós lutámos contra os inimigos do Afeganistão durante 20 anos, um pouco por todo o país, ao lado da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. Agora escondemo-nos como prisioneiros”, lamenta o capitão afegão.

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