Serviços secretos decidiram colocar a diretora-geral de Saúde sob proteção da PSP durante mais de um ano, até setembro. Secretário-geral do Sistema de Segurança Interna explica que, neste momento, há um “atitude da população” de “não antagonismo". Mas apela aos especialistas ameaçados para que apresentem queixa
Graça Freitas, a diretora-geral de Saúde, teve segurança pessoal durante mais de um ano por causa da pandemia. A decisão foi determinada pelo Serviço de Informações de Segurança (SIS), depois de avaliar riscos de ameaça que justificaram a presença permanente de um elemento do Corpo de Segurança Pessoal da PSP junto da responsável da DGS. A atribuição de segurança pessoal durou vários meses, até setembro último, quando a situação pandémica acalmou e os serviços secretos reavaliaram o grau de risco, apurou a CNN Portugal.
Este é mais um sinal do clima de tensão que se tem vivido durante a pandemia com casos de intimidações a cientistas e autoridades de saúde, que vão sucedendo em várias partes do mundo, incluindo em Portugal. A CNN Portugal noticiou esta semana testemunhos de seis especialistas que vivem ou viveram com ameaças, inclusive de morte, a si e em alguns casos às suas famílias depois de falarem da covid-19.
Clima de agressividade
Graças Freitas esteve com proteção pessoal da PSP desde os primeiros tempos da pandemia, antes ainda do verão de 2020, até setembro de 2021.
É a própria diretora-geral de Saúde que afirma à CNN Portugal que, hoje em dia, a "maior parte dos contactos que chegam na rua são positivos". Apesar disso, recentemente, mais precisamente na altura em que o organismo liderado por Graça Freitas deu luz verde à vacinação das crianças entre os 5 aos 11, surgiram “graffiti” em paredes junto à DGS com frases acusando a diretora-geral de Saúde de ser “assassina” e de ter ligações com as farmacêuticas que produzem as vacinas.
Segundo relatou uma fonte interna, houve também frases escritas nas janelas da DGS, que foram entretanto apagadas. Se o clima de agressividade melhorou durante o verão, agora mais recentemente o ambiente de tensão voltou a agravar-se tendo em conta as revelações dos especialistas sobre as ameaças de que são alvo.
Em declarações à CNN Portugal, e apesar de explicar que não pode comentar casos concretos por serem de "natureza reservada", o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, Paulo Vizeu Pinheiro, admite que "o estudo das ameaças é continuamente acompanhado pelas Forças de Segurança e Serviços de Informação”, podendo o nível de alerta ser alterado a qualquer momento.
A diretora-geral de saúde tem sido figura central desde o início da pandemia e assumiu várias decisões que nem sempre foram unanimemente recebidas, desde a utilização das máscaras até a medidas de vacinação, passando por propostas de confinamento.
Os riscos inerentes ao papel de Graças Freitas foram determinantes para a colocar com proteção policial. Segundo explicou à CNN Portugal o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, no caso de “funcionários que representam altos cargos públicos”, como sucede com Graças Freitas, “e que, por via dessa exposição possam ser alvo de ações antagonísticas, também relevam para a avaliação quaisquer ameaças credíveis que, não colocando em grave risco a vida ou integridade física do visado, possam ainda assim impactar ou constranger o livre exercício dos respetivos cargos”.
Mas, na avaliação do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, há neste momento uma “atitude nacional de cooperação e de não antagonismo da generalidade da população portuguesa em relação às medidas de contingência que têm sido sucessivamente impostas, bem como sua adesão ao processo de vacinação que se encontra em curso”. Cenário que explica a decisão dos serviços secretos em consideraram que não existe atualmente um risco que justifique a atribuição de proteção pessoal à diretora-geral de Saúde.
Ameaças de morte e insultos
Como noticiou a CNN Portugal, muitos especialistas, depois de falarem sobre covid-19, em especial da vacinação das crianças, têm sofrido ameaças de morte, de agressão e muitos insultos. Foi o caso de Filipe Froes, consultor da Direção-geral de Saúde e coordenador do gabinete de crise para a covid-19 da Ordem dos Médicos e de Luís Graça, imunologista e membro da Comissão Técnica de Vacinação da DGS. À CNN Portugal estes, e mais quatro médicos, relataram as ameaças que sofrem. “Mereces uma tareia”, “serás julgado”, “és um nazi”, “sei onde moras”, “cuidados com os teus filhos” são algumas das mensagens que têm recebido.
Ameaças que podem agora vir a ser avaliadas pelo SIS. “Informações que tipifiquem uma ameaça e que cheguem ao conhecimento ou sejam recolhidas pelas Forças e Serviços de Segurança são objeto de análise e avaliação por parte do Serviço de Informações de Segurança”, refere o embaixador Paulo Vizeu Pinheiro, acrescentando que “as referidas avaliações decorrem de uma série de fatores particulares, cuja análise é efetuada casuisticamente, de forma preventiva”.
Se a ameaça, depois de verificada, for considerada “credível” e a avaliação sugerir que há grau de risco que o justifique, os médicos e outros especialistas podem ser alvo de medidas como proteção do Corpo de Segurança Pessoal da PSP.
“As medidas de segurança são estabelecidas de acordo com um processo de avaliação de ameaça e riscos que impendam sobre determinadas pessoas, independentemente de as mesmas serem membros dos órgãos de soberania, titulares de cargos políticos, ou cidadãos comuns”, garante o responsável pelos Sistema de Segurança Interna.
No entanto, sublinha, “é importante realçar que as pessoas alvo de ameaças devem ter a iniciativa de comunicar às forças de segurança e apresentar queixa sobre os respetivos atos que foram sujeitos”.
Segundo a CNN Portugal apurou, há já alguns processos judiciais em curso, que foram interpostos pelos médicos, e muitos profissionais estão a ponderar avançar com queixas-crime por causa das ameaças que sofreram.
O clima de ameaças não é exclusivo de Portugal. Em França, vários deputados têm sido ameaçados por movimentos anti-vacinas, como foi noticiado esta semana. "Qualquer tipo de violência é inaceitável numa sociedade democrática. Mas tratando-se de depositários da autoridade pública, depositários do sufrágio universal, o recurso à violência ameaça a democracia, o pacto republicano", disse o primeiro-ministro francês na Assembleia Nacional.