Como um trabalhador despedido criou um sindicato para defender os funcionários da Amazon

4 abr 2022, 17:00

É o primeiro sindicato de trabalhadores da Amazon nos EUA. Presidente dos Estados Unidos saudou o resultado e diz que os trabalhadores de Staten Island “fizeram a escolha para se organizarem num sindicato, negociarem por melhores trabalhos e uma melhor vida”

"A Amazon queria tornar-me no rosto de todos os sindicatos contra eles. Pronto, conseguiram. Jeff Bezos e David Zapolsky: parabéns. Trabalhámos, divertimo-nos e fizemos história. Recebam o primeiro sindicato da América para a Amazon".

A frase, escrita por Christian Smalls no Twitter, anuncia um feito histórico conseguido na passada sexta-feira no Conselho Nacional de Relações de Trabalho, em Brooklyn, nos EUA. É o primeiro sindicato de trabalhadores da Amazon nos EUA e a sua criação é considerada uma vitória importante, uma vez que, a partir de agora, os trabalhadores dos armazéns estão representados nas negociações coletivas com a empresa, situação que até agora não acontecia.

Quem é Christian Smalls?

Chris, como é tratado na imprensa internacional, trabalhava para a Amazon como supervisor no centro de distribuição em Nova Iorque quando, em março de 2020, foi despedido por ter organizado uma greve para denunciar a falta de proteção aos trabalhadores na sequência de um surto de covid-19.

Segundo o New York Times, enquanto o norte-americano de 33 anos planeava a greve, a empresa criou uma equipa de reação que envolvia dez departamentos, que nomeou de "comando de incidentes" e gerou dois manuais para evitar "paragens" na produção. Os documentos a que o jornal teve acesso mostram mesmo que este grupo incluía departamentos como o de "Programa de Inteligência Global", que conta com militares veteranos.

No final, foram mais os chefes alertados para o protesto do que os trabalhadores que participaram no mesmo. 

No email enviado por lapso para mais de mil pessoas, o chefe do conselho da Amazon, David Zapolsky, descreveu Chris Smith como "pouco inteligente ou articulado" e aconselhou fazer dele "o rosto" dos esforços para organizar os trabalhadores. 

Smith acabou despedido, com justa causa, uma vez que a empresa considerou que o trabalhador violou as regras da quarentena ao participar na manifestação. Mas acabou mesmo por levar como uma missão a ideia de se tornar no rosto da luta dos trabalhadores.

Como tudo começou

Quando, em março de 2020, os primeiros casos de covid-19 foram confirmados no armazém JFK8, em Nova Iorque, Chris Smalls e o melhor amigo, Derrick Palmer, decidiram falar com os gerentes sobre as preocupações de segurança dos funcionários que ali trabalhavam.

As preocupações dos trabalhadores aumentavam de dia para dia por causa do aumento do número de novos casos e os dois funcionários deram a conhecer essas preocupações aos gerentes, dizendo ainda que sentiam que a Amazon não os informava sobre os casos em tempo útil. No entanto, a Amazon recusou-se a parar as operações, garantindo que tinha tomado “medidas extremas” para manter os trabalhadores seguros.

Com a pandemia a galopar em Nova Iorque, o armazém JFK8 acabou por ser um "serviço essencial" para a cidade, ao funcionar 24 horas por dia, 7 dias por semana, e os camiões a circular livremente numa cidade em confinamento.

Perante este cenário, Chistian Smalls começou a pensar na greve para lutar pelos direitos dos trabalhadores e acabou despedido, num movimento que acabaria por ser investigado pelo procurador-geral do Estado e que deu origem a várias batalhas legais entre o trabalhador e a empresa.

11 meses de luta e um sindicato

Chris Smalls foi o único trabalhador despedido, mas não ficou sozinho na luta contra a empresa. Derrick Palmer, seu melhor amigo e que também trabalhava no armazém, juntou-se a ele na luta e conseguiram criar um grupo coeso, com outros colegas, sem qualquer afiliação a uma organização de trabalhadores nacional.

Smalls e Palmer fizeram da paragem de autocarro junto ao armazém em Staten Island o ponto de encontro para tentar alcançar os trabalhadores de toda a cidade. Lá, faziam fogueiras para aquecer os colegas antes do amanhecer, enquanto esperavam para voltar para casa. Também o TikTok foi o melhor aliado da dupla que, no total, gastou mais de 120 mil dólares para criar o sindicato (valor que foi arrecadado graças à plataforma GoFundMe). De acordo com documentos federais, a Amazon gastou mais de 4,3 milhões de dólares só em consultores anti-sindicais.

“Começámos sem nada, com duas mesas, duas cadeiras e uma tenda”, recorda, em entrevista ao New York Times, acrescentando que a constante presença da dupla em frente ao armazém foi o que ajudou os trabalhadores a "ficarem confortáveis" e a "confiar" neles.

Chris Smalls (EPA/JASON SZENES)

A criação do sindicato Amazon Labor Union demorou 11 meses. A primeira votação aconteceu em abril de 2021 e a criação do sindicato foi rejeitada pelos trabalhadores, que não levaram a proposta a sério. A própria Amazon fez campanha contra a criação do sindicato, distribuindo panfletos e crachás "Vote Não" pelos funcionários, alegando que os líderes sindicais eram estranhos, escreve o New York Times.

“O Amazon Labor Union nunca negociou um contrato e não tem experiência em administrar essa enorme quantidade de dinheiro”, lia-se em alguma da propaganda distribuída pela empresa.

Mas Smalls e Palmer nunca desistiram e chegaram mesmo a apresentar nova queixa contra a empresa no Conselho Nacional de Relações de Trabalho, alegando que a Amazon violou os direitos dos trabalhadores de se sindicalizarem. 

Perante a insistência dos trabalhadores, no Natal passado, os organizadores conseguiram a primeira vitória, ao verem a Amazon concordar com um acordo nacional, um dos maiores da história da agência, que dizia que os trabalhadores poderiam permanecer nas instalações para tratar de assuntos sindicais, mesmo fora do horário de trabalho. Mas, em fevereiro, a Amazon chamou a polícia quando Smalls entrava no armazém, dizendo que este estava a invadir o local. 

Smalls e outros dois funcionários acabaram detidos e, com esta atitude, a empresa viu muitos funcionários que ainda não se tinham decidido em relação ao sindicato, tornarem-se favoráveis à criação do mesmo.

Trabalhadores da Amazon festejam em Brooklyn (EPA/JASON SZENES)

A votação final aconteceu na semana passada. Durante dois dias, mais de 50% dos trabalhadores da armazém JFK8 votaram favoravelmente à criação do sindicato. No total, 2654 funcionários manifestaram-se a favor do sindicato, face aos 2131 que se mostraram contra. A vitória foi celebrada de punhos no ar, gritos e abraços, à porta do Conselho Nacional de Relações de Trabalho. 

"A Amazon queria tornar-me no rosto de todos os sindicatos contra eles", lembrou Smalls. "Pronto, conseguiram".

"Fizemos história"

A Amazon já anunciou, através de um comunicado, que vai tentar impugnar a criação do sindicato por considerar que a autoridade para as condições de trabalho exerceu uma influência “desadequada” no caso e diz que está a "avaliar opções, incluindo a apresentação de provas": "Estamos desapontados com o resultado da eleição em Staten Island, porque acreditamos que ter uma relação direta na empresa é melhor para os nossos trabalhadores”.

A primeira batalha do sindicato, que terá que negociar com a gigante tecnológica no sentido de alcançar melhores condições e compensações para os trabalhadores, parece estar ganha. "Agora vamos à próxima", lê-se no site.

"A 1 de abril, mais de 2.500 trabalhadores do JFK8 fizeram, de alguma forma, o impossível. Ganhámos por mais de 500 votos. Fizemos história. Os chefes desperdiçaram milhões de dólares para tentar derrotar-nos. Falharam. Os trabalhadores ganharam. Acabou-se a eleição. Conseguimos. (...) Este é o primeiro passo. É um momento histórico. E é só o primeiro de muitos".

Também o presidente dos Estados Unidos saudou o resultado, através da porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki. Joe Biden garantiu estar “feliz" por os trabalhadores "conseguirem garantir que serão ouvidos nas decisões importantes” e sublinha que estes “fizeram a escolha para se organizarem num sindicato, negociarem por melhores trabalhos e uma melhor vida”.

“Todos os trabalhadores de cada estado devem poder escolher, de forma livre e justa, a possibilidade de se juntarem a um sindicato”, afirmou o presidente citado pela Reuters.

E.U.A.

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