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Comentadora CNN

Portugal, o refúgio de esquerda para os brasileiros que querem fugir do “comunismo”

9 nov 2022, 13:00

Talvez o Brasil e os brasileiros tenham o que aprender com a política portuguesa e europeia, que separa as políticas públicas voltada aos direitos humanos do espectro ideológico

Às vezes, quando ando nas ruas de Lisboa, sinto que estou no Brasil. Ouço diferentes sotaques do meu país: do nordestino ao sulista, comidas brasileiras não faltam e tem samba todo domingo. Segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), são mais de 230 mil brasileiros com Autorização de Residência (AR), a maior comunidade estrangeira que vive no país. 

Com a vitória de Lula da Silva nas eleições, muitos bolsonaristas dizem, nas redes sociais, que vão mudar para Portugal. Imigrar é um direito. Totalmente legítimo. A terra de Camões e Saramago é ótima em muitos aspectos. Mas, para quem prega os valores do bolsonarismo, como o lema fascista “Deus, Pátria e Família”, é bom fazer uma rápida pesquisa sobre como funciona o país, antes que fiquem assustados ou chocados com a realidade que pode ser “vermelha” demais. 

Os bolsonaristas têm muito, muito medo que o Brasil se torne “comunista”. Bem, Portugal não é comunista, mas tem um partido comunista oficial e respeitado, com seis deputados eleitos atualmente. Bancada da bala? Não existe. Bancada do agronegócio? Muito menos. Bancada evangélica? Nem se fala. 

Por falar em política, o país é governado pelo Partido Socialista (PS). Calma que não é socialismo de verdade, mas é um partido de esquerda e o símbolo do partido é vermelho, assim como metade da bandeira portuguesa. Sobre as políticas econômicas, o estado é bem presente, com uma série de apoios sociais para a população e uma grande máquina estatal. 

Portugal é o quinto país mais seguro da Europa e o sexto mais seguro do mundo, de acordo com o Global Peace Index 2022. E não, não tem nada a ver com o povo andar armado. Não existe, como no Brasil, um culto às armas nem promoção de arma cor de rosa para as mulheres. A situação é contrária.

Em 2019, entrou em vigor no país uma lei que limita o uso de armas e exige a existência de um cofre para o armazenamento em casa. Segundo dados da Polícia de Segurança Pública (PSP) informados à agência Lusa, existem aproximadamente 1,5 milhões de armas legais em Portugal, sendo que 80% destas são para caça. 

Ainda segundo a PSP, o número de novas licenças está diminuindo desde 2017. Importante frisar que é muito, muito raro ver, por exemplo, uma deputada correndo atrás de um homem negro no meio da rua empunhando uma arma, estilo Carla Zambelli. Para quem acha esse tipo de cena bonita ou louvável, não pense que verá esse tipo de coisa em Portugal. Mais fácil ver duendes ou o Papai Noel (que aqui se chama Pai Natal). 

Aborto, consumo de drogas e casamento homossexual 

Para as mulheres, do ponto de vista dos direitos reprodutivos, Portugal também é uma excelente escolha. Diferente do Brasil, o aborto é um direito e de fácil acesso, seguro e gratuito. Basta ir ao centro de saúde mais próximo. Para quem pensa que a descriminalização banaliza a prática, os dados da Direção Geral de Saúde (DGS) provam o contrário. Entre 2011 e 2021, a redução no número de abortos realizados foi de 42%.

Assim como nas demais democracias, as pessoas do mesmo gênero têm o direito de casar e de adotar crianças em Portugal. Afinal, família “tradicional” é a família que cada um escolhe ter, amar e cuidar, não importa o gênero. 

Outra situação que pode deixar os “cidadãos de bem” chocados é ver pessoas fumando maconha tranquilamente nas ruas e parques, sem risco de serem presas ou agredidas pela polícia por isso. Mais do que isso, existem salas especiais, para que usuários de heroína, por exemplo, façam o uso com segurança e supervisão. 

Aliás, Portugal se tornou um exemplo mundial de combate às drogas, não pelo viés punitivista, mas por ter uma abordagem humanista. A descriminalização do consumo de drogas, assim como o aborto, é tratada como saúde pública. 

Tudo isso pode deixar os bolsonaristas chocados. Mas, na verdade, não deveria. Não são, necessariamente, políticas de esquerda. Além de Portugal, existem exemplos de governos na Europa de direita, centro-direita e liberais que preservam o direito ao aborto, o casamento homossexual, o controle de armas e tudo mais aquilo que a extrema-direita considera comunista e criminoso. 

Talvez o Brasil e os brasileiros tenham o que aprender com a política portuguesa e europeia, que separa as políticas públicas voltada aos direitos humanos do espectro ideológico. A explicação é simples: são questões que vão além de direita e esquerda. São direitos humanos e civilidade. 

Aos bolsonaristas que querem se mudar para Portugal, sejam muito bem-vindos, só evitem passar vergonha. Se informem de como funcionam as coisas para não sair correndo quando virem uma bandeira vermelha em Lisboa e aproveitem tudo que a democracia, o estado de bem estar social proporciona aos cidadãos - a todos, porque aqui não há distinção de cidadão de bem ou de mal. E se há, a distinção é feita apenas pela pequena extrema-direita portuguesa, que apoiou Bolsonaro nas eleições e adora dizer “volta pra' tua terra”.

* Amanda Lima escreve a sua opinião em Português do Brasil

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