Depois de quatro anos em que o Brasil ficou praticamente isolado das grandes discussões internacionais, o novo governo tenta retomar o protagonismo internacional, com foco na agenda climática
Enquanto bolsonaristas estão ajoelhados rezando em frente aos quartéis militares e pedindo golpe, o presidente derrotado nas urnas está isolado e com pouca agenda de trabalho. Mas, o que mais importa para o Brasil neste momento não são os delírios golpistas dos eleitores radicais ou a natural falta de trabalho do atual presidente. É a transição de novo governo, que ocorre com projeção para o mundo.
Um passo importante para resgatar a dignidade perante a comunidade internacional começa nesta segunda-feira (14). Lula da Silva viajará ao Egito, onde participará da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas - COP 27, a mais importante cúpula internacional sobre o clima. O presidente eleito foi convidado pelo próprio chefe de Estado egípcio e já contactado por uma série de líderes europeus e de outros países para encontros durante o evento. Muito diferente de Bolsonaro, que nem sequer comparecerá à conferência, assim como já fez em 2021.
“Para a comunidade internacional, Lula já é o presidente do Brasil. São ações simbólicas, políticas e até mesmo práticas que vão repercutir a partir de janeiro”, analisa o professor de política internacional Dawisson Belém Lopes. Em entrevista à coluna durante passagem por Lisboa no colóquio “Bicentenário da Independência Brasileira: reflexões e perspectivas” na última sexta-feira (11), o pesquisador avalia que “o Brasil já começou a respirar normalidade” e a ocupar “um lugar central na diplomacia mundial”.
A expectativa de diversas lideranças é de que Lula consiga mostrar ao mundo um compromisso do governo eleito com a agenda climática, ao contrário do que fez Bolsonaro durante o seu mandato. No discurso após a vitória nas urnas, o petista disse que lutaria pelo “desmatamento zero da Amazônia”. No entanto, na COP 27, Lula terá o dever de passar do discurso com palavras bem escolhidas para as ações práticas e efetivas, que tragam segurança e convencimento perante aos quase 200 países presentes no evento. Existe ainda a expectativa da nomeação de quem ocupará a pasta do Ministério do Meio Ambiente e o anúncio da criação de uma Autoridade Nacional Climática.
Apesar de Lula ser a figura central dessa estratégia de retomar o protagonismo internacional com forte aposta no meio ambiente, o novo governo já está, de certa forma, presente na conferência. Marina da Silva, ex-ministra do Meio Ambiente e aliada do petista, está no Egito desde a semana passada, onde participa de uma série de encontros importantes com líderes mundiais. A ex-ministra já se encontrou, por exemplo, com John Kerry, enviado especial para o clima da presidência dos Estados Unidos e com secretários de estados alemães.
Marina é conhecida e respeitada por uma carreira sólida em defesa do meio ambiente e foi uma das principais vozes da campanha do petista neste ano. Inclusive, é o principal nome cotado para assumir o Ministério do Meio Ambiente a partir de 2023.
Parada estratégica no país irmão
Na volta da viagem ao Egito, Lula fará outra parada estratégica: visitará Portugal, onde poderá se sentir em casa, diante da grande presença brasileira no país. Os detalhes da agenda ainda estão sendo discutidos, mas já estão confirmados encontros com o presidente Marcelo Rebelo de Sousa e com o primeiro-ministro António Costa, que apoiou publicamente Lula no segundo turno.
A passagem por Portugal, onde reside a maior colônia de brasileiros na Europa, é uma aproximação importante entre os dois países. Sem contar o compromisso na COP, será a primeira visita internacional de Lula após a vitória eleitoral. Nos dois seus primeiros mandatos, o petista esteve em terras portuguesas seis vezes.
Nestes quase quatro anos de mandato, Bolsonaro nunca visitou Portugal. Uma justificativa poderia ser a pandemia de Covid-19, mas a questão não o impediu de privilegiar, por exemplo, visitas à ditaduras como os Emirados Árabes Unidos.
Diplomaticamente, o líder brasileiro da extrema-direita também não ajudou nas relações entre Brasil e Portugal. Apesar das tentativas da diplomacia portuguesa, o governo brasileiro não aceitou o acordo de reciprocidade de vacinas contra a Covid-19, ao contrário de outras dezenas de países de fora da União Europeia (UE).
Mas, se Bolsonaro não veio a Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa atravessou o Atlântico e fez o seu papel de estadista. No entanto, nem sempre os encontros correram bem, ou mesmo ocorreram. Em agosto de 2021, quando a preocupação com a pandemia ainda era central, a comitiva portuguesa, devidamente protegida com máscaras, foi recebida por Bolsonaro e sua equipe com aglomerações e sem uso da proteção facial. Na mesma viagem, o presidente português prestigiou a reinauguração do Museu Nacional da Língua Portuguesa, evento em que Bolsonaro deixou de participar para fazer mais aglomerações com apoiantes em “motociatas”.
Em outra viagem, realizada em julho deste ano a convite do próprio Bolsonaro, o presidente brasileiro simplesmente cancelou o encontro com Marcelo Rebelo de Sousa, marcado para ocorrer em Brasília. O motivo foi o chefe de estado luso ter uma agenda com Lula da Silva em São Paulo, em um gesto de falta de respeito pelo presidente do país irmão.
Diplomático como sempre e como o cargo exige, Marcelo Rebelo de Sousa não deixou de visitar o Brasil novamente após o lamentável episódio do “desconvite”. No desfile de 7 de Setembro, que marcou os 200 anos da Independência do Brasil, Marcelo estava ao lado de Bolsonaro na bancada oficial. Mas só por alguns minutos.
O presidente levou um “chega pra lá” e teve seu lugar ocupado por Luciano Hang, empresário investigado por ações golpistas e um dos principais aliados de Bolsonaro. A imagem, como esperado, repercutiu na imprensa portuguesa, ainda mais por Hang estar trajado com um chamativo terno verde e amarelo.
Mas, o tempo em que Marcelo Rebelo de Sousa figurou no lugar de honra foi o suficiente para que fosse registrada uma imagem bastante simbólica sobre o que é a diplomacia brasileira sob o governo Bolsonaro. Uma bandeira verde e amarela com o desenho de um bebê continha as frases “Brasil sem aborto” e “Brasil sem drogas”, que mostram o quão descolado da realidade progresssista o governo derrotado é e fez questão de mostrar ao mundo nos últimos quatro anos, como se fosse razão de orgulho.
Felizmente, essa imagem de um Brasil retrógrado, isolado das grandes potências mundiais e alheio às discussões para o futuro do planeta, está prestes a se tornar passado. O Brasil está de volta. A responsabilidade, o desafio e a pressão são enormes, afinal, o mundo está com os olhos voltados para a nação brasileira, que pode ser grande e feliz de novo.
* Amanda Lima escreve a sua opinião em Português do Brasil