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Comentadora CNN

A maior lição do 8 de janeiro no Brasil é mostrar quem é democrata e quem não é

8 fev 2023, 10:51

A essa altura, só defende o bolsonarismo quem é contra a democracia. Simples assim

Há um mês, o mundo via um centenas de pessoas raivosas, depredando a sede dos Três Poderes em Brasília. Mais do que um ataque físico que causou prejuízos milionários, foi ataque contra a democracia brasileira, que já padecia aos poucos durante o governo de Jair Messias Bolsonaro. 

O dia 8 de janeiro é fruto de uma sucessão de eventos dos últimos 10 anos que nem os roteiristas da série House of Cards poderiam escrever, com aspectos de fanatismo religioso, apelo ao armamento e violência, uma máquina profissional e bem financiada de desinformação, teorias da conspiração, golpismo, culto aos militares e outras questões que talvez Freud explique. 

Muitas lições ficaram deste dia, que ficará para sempre na memória de nós brasileiros e nas páginas da história. A lição essencial, ao meu ver, é de que o atentado serviu para separar, de uma vez por todas, quem é democrata e quem não é. A essa altura, só defende o bolsonarismo quem é contra a democracia. Simples assim. 

Infelizmente, foi necessário esse ataque brutal, com extrema violência, para abrir os olhos de muitas pessoas para os perigos do bolsonarismo. Afinal, a atuação desastrosa e mortal na pandemia da Covid-19, a destruição ambiental, o ódio contra as mulheres, a vergonha internacional, os elogios para torturadores, a intervenção religiosa no estado laico e os casos de corrupção não foram suficientes. Isso ficou comprovado nos 58 milhões de votos que o candidato da extrema-direita recebeu na última eleição, 400 mil a mais do que em 2018. 

Até mesmo o mercado financeiro, que tanto apoiou Bolsonaro para ser eleito, agora evita falar do assunto e finge que não foi um dos responsáveis pela eleição do “mito” em 2018. Em evento empresarial realizado em Lisboa na semana passada, ficou claro que o que é bom para os negócios é a democracia, não o golpismo. 

Aliás, democracia é a palavra mais utilizada desde o dia 8 de janeiro. Se o plano era dar um golpe, o feitiço virou contra o feiticeiro. Uma pesquisa realizada pela Ipsos revelou que 81% dos brasileiros reprova o que aconteceu em Brasília. A democracia ficou mais forte, com apoio de políticos, simbolizada por todos os governadores unidos ao lado do presidente no local da destruição. O Supremo Tribunal Federal (STF) ficou ainda mais respaldado para cumprir seu papel de guardião da democracia. 

Até mesmo ministros que não costumam dar declarações públicas, como a discreta Rosa Weber, proferiu um discurso histórico na abertura do ano judiciário: “Não destruíram o espírito da democracia. Não foram e jamais serão capazes de subvertê-lo porque o sentimento de respeito pela ordem democrática continua e continuará a iluminar as mentes e os corações dos juízes desta Corte Suprema, que não hesitarão em fazer prevalecer sempre os fundamentos éticos e políticos que informam e dão sustentação ao Estado Democrático de Direito”, disse, emocionada, a atual presidente do STF.

Há quem diga que esse tipo de declaração tem tons partidários. Mas não é, definitivamente, uma questão partidária. É uma questão de estado democrático. Essa é mais uma lição do dia 8 de janeiro. A sociedade não pode temer, com medo de ser taxada de partidária, a defesa da democracia. Isso vale para juízes, para nós jornalistas e para todos. Como disse Ulisses Guimarães,  “a história nos desafia para grandes serviços, nos consagrará se os fizermos, nos repudiará se desertarmos”. Na Europa, essa é uma questão bem resolvida, aliás, que deve servir de exemplo para nós brasileiros, ainda mais diante da tentativa de golpe.

Outras declarações de ministros não são tão elegantes, mas dizem a verdade e ainda servem para rir em meio ao caos. Como disse Gilmar Mendes para nós jornalistas em Lisboa na última sexta-feira, “éramos governados por uma gente do porão”.

A resposta foi sobre as muitas investigações em andamento nas várias tentativas de golpe, frustradas e planejadas pelo antigo governo, como a do plano, com ciência de Bolsonaro, em tentar prender o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Plano, aliás, definido por ele no mesmo evento como “Operação Tabajara” e “ridículo”. Essas falas nos ajudam a entender a confusa política brasileira e nos dão luz de como assegurar os direitos assegurados pelo regime democrático.

Rigor da lei para os mais de 600 denunciados e olhos para o futuro

Para assegurar que o Brasil ainda seja uma democracia, muito ainda precisa ser feito. A união foi o primeiro passo em torno desse objetivo comum, dado logo após os ataques, em um gesto importante em meio a polarização que assola o país há anos. 

O segundo, é a punição exemplar no rigor da lei. No próprio dia dos ataques, quase faltou espaço em Brasília para tantos presos, que passaram a conhecer a realidade do que acontece quando alguém comete um crime. Colônia de férias não é, como ironizou Alexandre de Moraes.

Além das prisões, uma força-tarefa está agindo com rapidez para que essas pessoas sejam punidas, como prevê o Código Penal. Em menos de um mês, mais de 600 pessoas já foram denunciadas, ou constituídas arguidas, como é a denominação em Portugal. O prazo é quase um recorde em meio a tantos processos em tramitação e a demora habitual da justiça brasileira. 

Entre os crimes pelos quais os tais “patriotas” vão responder judicialmente, estão atos terroristas, associação criminosa, abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de estado, ameaça, perseguição e incitação ao crime. Provas não faltam. 

Para o desespero dos advogados criminalistas, os golpistas filmaram e transmitiram ao vivo os próprios crimes. Vai ser difícil escapar de uma condenação, que os tornará para sempre “ex-presidiários”, como gostam tanto de chamar o presidente Lula. 

Ainda não está definido quem julgará os casos dos “cidadãos de bem”, mas há claro interesse no STF em centralizar esses processos e dar uma resposta rápida e exemplar. Uns anos vendo o sol nascer quadrado pode servir de alerta para outras tentativas de golpe no futuro. 

O professor de Direito Penal Alaor Leite, analisa que o judiciário tem agido com mais rapidez que o habitual no caso dos golpistas. Em entrevista à coluna, o especialista  definiu o rumo das investigações como “célere e rigoroso, como deve ser”. Alaor, que é também doutor em Direito pela Universidade de Munique, traça um paralelo entre a atuação criminosa da extrema-direita no Brasil e na Alemanha, onde viveu e estudou durante vários anos.

De acordo com o acadêmico, o Brasil pode inspirar-se no modelo alemão, que possui a ​​Agência de Proteção à Constituição, com um nome bastante literal. O órgão assegurou a prisão de 25 pessoas, em dezembro passado, que pretendiam atacar o parlamento e até cometer assassinatos para subverter a ordem democrática.

Um dos papéis é identificar e vigiar pessoas que representam um perigo à democracia. Segundo Alaor, a agência não se interessa por nenhum outro aspecto da vida do cidadão, apenas com o risco que possa apresentar para o estado democrático. 

A Alemanha já aprendeu como se faz. Agora, é a hora de o Brasil também aprender a defender a sua democracia. Afinal, esses movimentos de extrema-direita, especialmente o atual, podem levar anos para sumir, se é que um dia vão sumir. Como já escrevi outro dia, não tenho esperanças nesta geração. 

Tenho esperança nas crianças que hoje vão crescer vendo a violência raivosa e o delírio coletivo bolsonarista, que deve ser mostrado por nós jornalistas e também na escola. A história, por mais perversa que seja, precisa ser ensinada  como um alerta para a geração que vai eleger os representantes do povo nos próximos anos.

O Brasil falhou em não acertar as contas com o passado da ditadura, um dos fatores que levaram ao caos de hoje. Agora, a oportunidade após 8 de janeiro não pode ser desperdiçada. É preciso aprender com o presente e passado para traçar um futuro seguro, democrático e estável ao nosso amado Brasil.

* Amanda Lima escreve a sua opinião em Português do Brasil

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