Amadeu Guerra é o novo procurador-geral da República. Um homem que conhece a estrutura e que é aceite pela estrutura. O seu nome ficará para sempre ligado à Operação Marquês e à detenção de José Sócrates. O combate à corrupção sempre foi uma das suas lutas e aguardam-se as próximas batalhas
Amadeu Guerra. Era ele que liderava o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) quando José Sócrates foi detido e a Operação Marquês se tornou conhecida do público. De alguma forma passou de anónimo a ilustre conhecido pela luta contra a corrupção sem medo de tocar nos poderosos, algo que agrada ao comum cidadão.
Quando tomou posse como diretor do DCIAP, em 2013, deixou claro que “o combate à criminalidade económica-financeira e violenta e a luta contra a corrupção” eram os objetivos específicos e prioridades no âmbito da política criminal, quer ao nível da prevenção quer ao nível da investigação prioritária”. E este combate parece ir ao encontro das promessas feitas pelo Governo de Luís Montenegro.
A sua longa carreira na magistratura é bem conhecida de todos. "É um magistrado com uma longa carreira na magistratura do Ministério Público, pelo que conhecerá bem o sistema de justiça", afirma Nuno Matos, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses à TVI e CNN Portugal. "É um magistrado muito competente, com uma grande capacidade de trabalho" e “uma pessoa muito respeitada dentro da magistratura do Ministério Público. Desejo-lhe as maiores felicidades no desempenho do difícil cargo de PGR”, acrescentou.
António Marçal, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, também não tem dúvidas em considerar "a escolha de Amadeu Guerra como uma escolha acertada e, de certa forma, até esperada de entre uma curta lista de nomes ligados ao Ministério Público [MP]". E lembra que "uma vida profissional de décadas ao serviço do MP granjeou-lhe o reconhecimento de todos, e também um conhecimento cabal da realidade das atribuições do MP que não se restringem à esfera penal". "Áreas como o Laboral, o Tributário e, para mim, de superior relevo, a área da Família e Menores, merecem que a comunidade conheça e reconheça a importância do MP na concretização da democracia que é sinónimo de Estado de Direito", sublinha.
Um PGR que dignifique a Justiça aos olhos de todos, deseja o responsável sindical, esperando que Amadeu Guerra consiga "uma abertura à comunidade, que explique de forma simples e continuada a atuação do MP e não apenas quando surgem caso de maior relevo mediático", assumindo que "o seu sucesso será sem dúvida essencial para o sucesso da Justiça no seu todo".
"Enquanto Oficial de Justiça", António Marçal acredita que Amadeu Guerra "tem a noção do papel crucial que os funcionários desempenham no apoio à magistratura e que saberá sensibilizar o poder político para o reforço de meios humanos, uma vez sem eles está cada vez mais ameaçada a eficácia do papel constitucional atribuído ao MP".
“Parece-me que tem as características necessárias para o desempenho do cargo de procurador-geral da República, desde logo o conhecimento profundo do MP pelos cargos que desempenhou”, declarou à RTP Paulo Lona, presidente do Sindicato Magistrados do Ministério Público.
“É uma pessoa bastante experiente pelos anos que esteve à frente do DCIAP. Tem conhecimento da natureza dos processos, dos processos mais complexos e das entropias que existem dentro da atividade do MP”, argumenta, lembrando ainda a sua enorme capacidade de diálogo, de comunicação e as “características de independência perante o poder político”.
E devido à ligação de Amadeu Guerra à criminalidade de elevada complexidade, o seu nome também é bem conhecido da Autoridade Tributária, que é chamada muitas vezes a trabalhar com o Ministério Público. "Tenho boa impressão dele, com grande vontade de trabalhar e de trabalhar bem e com sucesso na criminalidade de elevada complexidade e na criminalidade de colarinho branco", diz à CNN Portugal Nuno Barroso, presidente da APIT - Associação Sindical dos Profissionais da Inspeção Tributária e Aduaneira.
"Para além disso, teve sempre uma cooperação franca, aberta e leal, com outros OPC - Órgãos de Polícia Criminal (no caso a AT), percebendo a necessidade e a mais-valia de orientar a coordenação das investigações para os OPC mais preparados para investigar com sucesso", explica.
Rogério Alves, comentador da CNN Portugal, também elogia a escolha de Amadeu Guerra para a Procuradoria-Geral da República, enumerando várias qualidades de Amadeu Guerra que fazem do ex-diretor do DCIAP uma "excelente escolha" para o cargo. "É um homem probo, firme, de convicções fortes" e "discreto", defende.
Décadas dedicadas à magistratura e aos casos mediáticos
Nasceu em Tábua (Coimbra), tem 69 anos. Amadeu Guerra é licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, desempenhou diversas funções como magistrado do Ministério Público, em áreas tão distintas como a do trabalho ou a criminal.
Entre 1994 e 2006 foi vogal da Comissão Nacional de Proteção de Dados e integrou ainda, a partir de 2001, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA). Como magistrado Amadeu Guerra ascendeu a procurador-geral adjunto em junho de 2004, tendo em 2008 assumido a coordenação do Tribunal Central Administrativo do Sul.
Porém, o seu nome tornou-se mais conhecido do grande público quando, entre 2013 e 2019, desempenhou as funções de diretor do DCIAP, o departamento do MP especializado na investigação da criminalidade económico-financeira mais grave, complexa e organizada, ligada aos grandes casos de corrupção, branqueamento de capitais e outros crimes de colarinho branco.
Mas Amadeu Guerra foi ainda nomeado para o cargo de Procurador Regional de Lisboa pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), eleito pelos seus pares, em 2018. E é neste momento que Lucília Gago perde para o seu sucessor. Amadeu Guerra foi o escolhido para Lisboa contra outro nome desejado por Lucília Gago, que não queria Amadeu Guerra nessa cadeira. No entanto, devido a problemas de saúde, acabaria por ocupar o cargo por pouco tempo.
A sua escolha para o DCIAP aconteceu durante o mandato de Joana Marques Vidal como PGR, tendo este departamento, sob a sua direção, investigado alguns processos mediáticos. Além da Operação Marquês, foi também pelas suas mãos que Orlando Figueira, um ex-procurador do Ministério Público, acabou condenado em dezembro de 2018 pelos crimes de corrupção, branqueamento de capitais, violação do segredo de justiça e falsificação de documento.
Amadeu Guerra tem também o seu nome ligado a Rui Pinto e ao Football Leaks, acabando por se tornar um alvo por ser adepto do Benfica. O hacker português confessou em tribunal e explicou que acedeu à sua caixa de correio, garantindo que "o interesse que tinha era no DCIAP”.
Mas há mais notoriedade na carreira do novo PGR. Foi durante o mandato de Amadeu Guerra que eclodiu um dos maiores escândalos financeiros em Portugal: o caso BES e a queda do "dono disto tudo" Ricardo Salgado. Sem esquecer ainda os Vistos Gold por suspeitas de crimes de prevaricação e tráfico de influências ou o desaparecimento das armas em Tancos.