À medida que o tamanho da barriga de uma pessoa aumenta, o centro de memória do seu cérebro encolhe e podem aparecer placas beta amilóide e tau - tudo isto ocorre já nos 40 e 50 anos de idade, muito antes de ser visível qualquer declínio cognitivo, de acordo com uma nova investigação.
Tanto as placas beta amilóides como os emaranhados de tau são sinais precoces da marcha do cérebro em direção a um possível diagnóstico da doença de Alzheimer. Normalmente, as placas amilóides aparecem primeiro e os emaranhados de tau aparecem mais tarde, à medida que a doença progride.
“Quanto mais amilóide ou tau houver no cérebro, mais doente se torna o cérebro”, explica o autor sénior do estudo, Cyrus Raji, professor associado de radiologia na Washington University School of Medicine em St. Louis.
“A forma como podemos detetar um cérebro com um aspeto mais doente é através da diminuição do fluxo sanguíneo”, continua Raji. “Também observámos atrofia cerebral, ou perda de massa cinzenta, numa parte do centro de memória do cérebro chamada hipocampo”.
Um menor fluxo sanguíneo no centro de memória do cérebro pode causar encolhimento, outro biomarcador chave para a doença de Alzheimer, refere o neurologista preventivo Richard Isaacson, diretor de investigação do Instituto de Doenças Neurodegenerativas na Florida, que não esteve envolvido na nova pesquisa.
“Uma vez que o estudo encontrou essas relações décadas antes do declínio cognitivo e de um diagnóstico esperado, ter um foco nítido na redução da gordura da barriga pode ser uma das nossas ferramentas mais poderosas para combater esta terrível doença”, revela Isaacson num e-mail.
A obesidade é uma epidemia mundial, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, que estima que mais de metade da população mundial terá excesso de peso ou será obesa dentro de 10 anos. Só nos Estados Unidos, estima-se que cerca de 260 milhões de americanos terão excesso de peso ou serão obesos até 2050, a menos que os responsáveis políticos tomem medidas imediatas. Em Portugal estima-se que cerca de 67% das pessoas tenham excesso de peso ou obesidade.
“Em termos conservadores, a obesidade como fator de risco para a demência afeta pelo menos 1% dos adultos americanos, o que significa que mais de dois milhões de indivíduos podem sofrer de demência por doença de Alzheimer atribuível à sua obesidade”, afirma Raji.
“É um grande problema de saúde pública”, garante Raji. “Estamos a tentar compreender como é que a obesidade na meia-idade, entre os 40 e os 50 anos, é um fator de risco para a doença de Alzheimer, que normalmente só se manifesta de forma sintomática aos 60, 70 ou 80 anos.”
A gordura visceral é a chave
Um estudo-piloto realizado por Raji e a sua equipa, publicado em novembro de 2023, revelou que um tipo de gordura abdominal profunda, denominada gordura visceral, estava associada à inflamação e à acumulação de amilóide no cérebro de 32 homens e mulheres na casa dos 40 e 50 anos. Nesta fase da investigação, a presença de tau não foi confirmada.
A gordura visceral envolve os principais órgãos do corpo e é completamente diferente da gordura subcutânea no resto do corpo - a gordura subcutânea representa normalmente 90% da gordura do corpo, de acordo com a Cleveland Clinic.
“A maior parte do índice de massa corporal (IMC) de uma pessoa reflete a gordura subcutânea, e não a gordura visceral”, lembra Raji. “Por isso, medimos a gordura visceral usando a ressonância magnética abdominal e temos um programa de computador especializado que pode medir o volume real do tecido adiposo visceral”.
O estudo também utilizou tomografia por emissão de positrões amilóide, ou PET, para verificar a presença de amilóide e tau nos cérebros dos participantes do estudo, e ressonância magnética, ou MRI, para medir os níveis de gordura visceral que ocorrem quando a cintura se expande.
“Quanto mais gordura visceral se tem, mais inflamação ocorre no corpo e é muito pior, na verdade, do que a inflamação que ocorre com a gordura subcutânea”, sublinha Raji.
A gordura visceral recebe mais fluxo sanguíneo devido à sua localização perto dos órgãos e é mais ativa do ponto de vista hormonal do que a gordura subcutânea, acrescenta o especialista.
“Analisámos a resistência à insulina através dos níveis de insulina plasmática em jejum e dos testes de tolerância à glicose e descobrimos que a insulina mais anormalmente elevada foi observada em pessoas com maiores quantidades de gordura visceral”, afirma Raji. “A gordura visceral é a gordura metabolicamente mais anormal e indutora de diabetes”.
Esse estudo também encontrou uma relação entre a gordura profunda da barriga e a atrofia cerebral, ou um desperdício de matéria cinzenta, numa parte do centro de memória do cérebro chamada hipocampo. A atrofia cerebral é outro biomarcador da doença de Alzheimer.
Emaranhados de Tau identificados pela primeira vez
O estudo continuou, acrescentando mais 48 participantes, perfazendo um total de 80. A idade média dos participantes no estudo era de 49 anos e o IMC médio de 32. Um IMC superior a 30 é considerado obeso pela comunidade médica.
As atualizações sobre os resultados obtidos até agora foram apresentadas em resumos na conferência 2024 da Sociedade de Radiologia da América do Norte, na segunda-feira.
“A novidade é que demonstrámos, pela primeira vez, que quantidades mais elevadas de gordura visceral ou escondida estão relacionadas com proteínas tau anormalmente elevadas em pessoas até 20 anos antes de poderem desenvolver os primeiros sintomas da doença de Alzheimer”, nota Raji. “Anteriormente, só tínhamos mostrado uma ligação entre a gordura visceral e a amilóide”.
Os exames PET mostraram que, à medida que os níveis de gordura visceral aumentavam, o mesmo acontecia com os níveis de amilóide e tau, de acordo com a nova investigação.
“Este trabalho tem um grande impacto e é clinicamente relevante para os 47 milhões de americanos, e para centenas de milhões de pessoas a nível mundial, que têm sinais precoces de Alzheimer a começar silenciosamente nos seus cérebros, mas que ainda não desenvolveram sintomas”, afirma Isaacson.
Formas de combater a gordura visceral
Existem formas inteligentes de reduzir a gordura da barriga que podem inverter estas tendências, afirma Isaacson. Primeiro, não se concentre apenas no peso corporal, mas também na composição corporal.
“Isto pode ser feito facilmente em casa através de uma balança biométrica ou pode ser monitorizado através de um exame DEXA anual encomendado por um profissional de saúde. Este exame também é normalmente utilizado para monitorizar a densidade óssea à medida que envelhecemos”, acrescenta.
O exercício é fundamental, continua Isaacson, mas deve ser feito de forma “mais inteligente - não mais difícil”.
Para entrar mais eficazmente no modo de “queima de gorduras” e perder gordura corporal ao longo do tempo, sugiro uma caminhada rápida, a um ritmo constante, até pelo menos 45 a 60 minutos, duas a três vezes por semana”, indica o especialista.
Deve seguir o que os especialistas chamam de “treino da Zona 2”, que pode ser monitorizado através de um método simples - ser capaz de manter uma conversa enquanto se exercita, mas por pouco, diz Isaacson.
“Caminhar rapidamente numa passadeira com uma ligeira inclinação, ou caminhar com um colete com pesos, são formas de entrar na zona de queima de gordura de forma mais rápida e eficiente”. “Acompanhar e construir massa muscular também é fundamental - quanto mais músculo uma pessoa tiver, maior será o seu metabolismo e melhor poderá queimar gordura ao longo do dia", reitera.
Se a sua massa muscular for baixa, experimente fazer treino de força durante pelo menos 30 minutos, duas vezes por semana ou mais, e certifique-se de que ingere quantidades adequadas de proteínas ao longo do dia.