"Pode dar perda de mandato": PSD apresenta denúncia criminal contra presidente da câmara de Vila Real de Santo António

Carlos Enes , notícia atualizada com a resposta da autarquia
3 dez 2024, 17:34

Grupos de munícipes também fizeram várias queixas ao Ministério Público

O PSD requereu ao Ministério Público a anulação das decisões da Câmara e da Assembleia Municipal relativas à isenção de taxas municipais ao empreendimento urbanístico em construção no antigo Cine Foz, no valor de 1,4 milhões de euros. Para além disso, denunciou uma série de ilegalidades no processo de licenciamento, com a intervenção direta do presidente de câmara, para as quais pede uma investigação e, “no caso de se verificar a concretização de qualquer crime, o competente procedimento criminal”.

Naquele terreno, existia até agora um parque de estacionamento gratuito, de 120 lugares, pago pela câmara. Álvaro Araújo entrou em negociações com um promotor privado, para que este construa ali dois blocos com 114 casas de habitação. A câmara deverá depois adquirir esses fogos, para os colocar no mercado com rendas de preço controlado.

O PSD acusa o autarca de ter atropelado os procedimentos legais de aprovação urbanística e de prejudicar o erário público. “Qual a base legal para a isenção de taxas a um promotor privado, quando o projeto não se encontra aprovado pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), nem estão alocados ao mesmo quaisquer fundos do PRR?”, pergunta a denúncia ao Ministério Público.

Construtor com capital de 100 euros

“Não estão em causa motivações políticas, mas a legalidade”, defende Joel Cruz advogado e vogal da comissão política concelhia do PSD. “Este processo foge ao que é normal numa divisão de urbanismo”, descreve. “Começa por ser estranho um empreendimento desta envergadura estar a ser desenvolvido por uma empresa cujo capital social é apenas de 100 euros”, espanta-se.

O empreendimento Cine Foz desencadeou grande polémica local. Vários grupos de munícipes apresentaram também denúncias ao Ministério Público. O presidente de câmara tem dado a cara pela defesa do projeto, no quadro da sua estratégia de apresentar Vila Real de Santo António como município “modelo” nas políticas de habitação social. Nos termos da participação criminal, Álvaro Araújo levou longe demais esse desígnio. Avocou o processo, isentou taxas e precipitou aprovações contra o parecer dos técnicos da câmara.

“No momento em que o senhor presidente da câmara avoca o processo, reescreve a história, alterando o sentido da decisão, é algo que noutros casos deu perda de mandato”, avisa Luís Salero, advogado com grande experiência em processos de urbanismo, que colabora com seis outras câmaras municipais do Algarve, do PS e PSD. “Ficou célebre a situação do engenheiro Macário e de outros autarcas que tiveram alguma dificuldade em explicar porque decidiram em sentido contrário das informações técnicas”, recorda este jurista.

Numa adenda à queixa-crime, o PSD denunciou o alegado início ilegal dos trabalhos de construção. “Considerando que não foi ainda emitida a licença da respetiva operação de loteamento, tais trabalhos não têm qualquer base legal para estarem a ser executados”, descreve esse segundo documento, que chama a atenção para o facto de os seguros não cobrirem qualquer acidente numa obra que possa ser considerada ilegal.

Álvaro Araújo, na quinta-feira passada, em reunião de câmara, surpreendeu os munícipes com o anúncio de uma vistoria à obra, por ter reunido “indícios de que estão a ser realizados trabalhos que não estão devidamente autorizados”. Daí para cá, os portões passaram a estar fechados e o número de operários foi aparentemente reduzido. Especula-se quanto à possibilidade de a obra ter sido, ou não, embargada.

Câmara envia "toda a documentação" ao Ministério Público

A CNN endereçou perguntas por escrito ao presidente de câmara, por sugestão do respetivo gabinete de imprensa, na véspera da emissão da reportagem. Na resposta, recebida 30 horas depois, Álvaro Araújo informa que, “por iniciativa própria, remeterá toda a documentação e os elementos do processo ao Ministério Público”. O seu propósito é “assegurar a máxima transparência e garantir que todas as questões sejam avaliadas com rigor e independência”.

O autarca rejeita que a sua intervenção direta no processo tenha sido determinada pela vontade de facilitar o licenciamento. “Devido aos prazos rigorosos associados ao PRR, o presidente da Câmara Municipal decidiu avocar a gestão do processo”, justifica Álvaro Araújo.  

O presidente de câmara assegura que a isenção de taxas, aprovada pela Assembleia Municipal, ainda poderá ser reversível. “Caso a candidatura ao PRR não seja aprovada, a isenção de taxas não produzirá efeitos. Nesse cenário, as taxas serão cobradas na totalidade, salvaguardando os interesses do Município e da população”, garante.

Confrontado com o capital social de 100 euros da empresa a quem a câmara pretende adquirir 114 casas de custos controlados, o autarca afasta suspeitas de idoneidade. “O promotor em questão tem em curso várias empreitadas de Habitação a Custos Controlados, financiadas por fundos comunitários, em vários municípios do país, entre os quais os algarvios de Loulé, Portimão e Faro, tendo esta última empreitada em Faro sido inaugurada na presença do Primeiro Ministro, Luís Montenegro”, escreve Álvaro Araújo.

A obra não foi embargada, mas apenas sujeita a medidas corretivas. “Após reclamações de moradores e a verificação de danos numa habitação contígua, o Município realizou, no dia 30 de novembro de 2024, uma vistoria técnica ordenada pelo Presidente da Câmara. Concluiu-se a existência de danos causados pelos trabalhos de contenção periférica, autorizados ao abrigo do artigo 81.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, bem como desconformidades que já foram comunicadas à empresa construtora para correção imediata”, descreve o autarca.

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