Cinco conclusões preocupantes do relatório da ONU sobre a crise climática, as soluções (e um senão)

5 abr 2022, 10:15
Alterações climáticas

As emissões de gases com efeito de estufa estão no nível mais alto de sempre e, a continuarem assim, encaminham o planeta para um aquecimento global que pode ser catastrófico. O relatório da ONU sobre crise climática confirma, contudo, que o mundo já tem soluções - mas a política está a atrapalhar

O relatório anual do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas das Nações Unidas (IPCC) foi divulgado esta segunda-feira. É o mais atual ponto de situação sobre o estado do planeta e constata que as emissões continuam a aumentar, encaminhando-nos para o risco de alterações climáticas irreversíveis. Há, contudo, uma boa notícia: é que já temos as soluções - a única coisa que nos impede de tirar proveito delas é a vontade política.

Mas vamos primeiro aos alertas. As emissões de gases com efeito de estufa continuam a atingir recordes, tornando cada vez mais difícil atingir as metas necessárias para mitigar o aquecimento global. Ainda assim, há alguns sinais de progresso, mas que podem comprometer o crescimento económico global -  eis as principais conclusões do relatório:

Aumento das emissões

As emissões de gases com efeito de estufa estão no nível mais alto de sempre, mas o seu crescimento tem vindo a abrandar desde o início do século, segundo a avaliação dos cientistas da ONU, que indicam que as cerca de 59 gigatoneladas de emissões provocadas pela atividade humana em 2019 são 20 por cento superiores às de 2010 e 54% superiores às de 1990.

E os aumentos vieram de todas as indústrias, incluindo a energia, transporte e agricultura. O uso de energias renováveis, bem como as melhorias na eficiência energética, não foram suficientes para neutralizar as emissões da crescente atividade industrial e do crescimento populacional em todo o mundo, diz o relatório.

A caminho de um "planeta estufa"

Apenas uma ação climática imediata e ambiciosa poderá impedir que as temperaturas globais subam 1,5ºC acima da média pré-industrial, diz o relatório. Atingindo esse limite, o mundo aproxima-se de alterações climáticas extremas, com impactos severos sobre as pessoas, a vida selvagem e os ecossistemas, alertam os cientistas. Ora, as trajetórias atuais de emissões, permanecendo inalteradas, colocam o planeta no caminho de um aquecimento de cerca de 3,2ºC. Isto quer dizer que mesmo que os atuais compromissos climáticos sejam promulgados, ainda não conseguiriam limitar o aquecimento a 1,5ºC, colocando assim o mundo no caminho para pelo menos 2,2ºC, se não mais.

Para termos noção do real desafio, manter o aquecimento nos 1,5ºC implica reduzir as emissões de gases de efeito estufa em cerca de metade até 2030 e atingir as metas de neutralidade carbónica em 2050. O que significa isto? Que teríamos de usar menos cerca de 95% carvão, diminuir em 60% o uso de petróleo e cortar 45% no gás até 2050.

Crescimento económico limitado 

Conter o aquecimento a 2ºC exigiria ações que limitassem o crescimento económico global de 1,3% a 2,7% até 2050, diz o relatório. No entanto, essa perda seria provavelmente compensada pelo benefício económico geral de limitar o aquecimento. Os governos também precisariam de aprovar políticas para mudar o estilo de vida e o comportamento das pessoas, como incentivar o teletrabalho para reduzir as viagens, reduzir o uso do carro em favor do ciclismo e da caminhada, ou promover dietas baseadas em vegetais, em vez do consumo de carne.

Tal custaria a alguns setores, mas impulsionaria outros, ao mesmo tempo que evitaria perdas em áreas como a saúde pública. Mas estes esforços de "mitigação do lado da procura" podem reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa em alguns setores em até 70% até 2050, diz o relatório.

Sinais de progresso

O relatório destaca também alguns pontos positivos, incluindo a crescente acessibilidade de tecnologias amigas do ambiente. Uma unidade de energia solar em média custa, agora, menos 85% do que em 2010, enquanto a energia eólica é agora 55% mais barata.

O custo das baterias usadas em veículos elétricos também caiu drasticamente. Em alguns países, estas políticas levaram ao aumento do uso de energias renováveis e de veículos elétricos, ou reduziram a taxa de desflorestação.

Os desafios que permanecem

O relatório avalia como o mercado e as medidas de regulação podem ajudar a estimular a inovação e a competição tecnológica, duas estratégias para aumentar os incentivos para reduzir as emissões. Por exemplo, remover os subsídios aos combustíveis fósseis e introduzir a fixação do preço do carbono direcionaria mais investimentos para soluções renováveis.

No setor agrícola, o cultivo dentro das florestas e a gestão do gado de forma mais sustentável ajudariam a melhorar a produtividade da terra e a resiliência aos impactos climáticos, como calor ou seca.

Algumas opções favoráveis ao clima enfrentam obstáculos significativos, como a resistência do público à energia nuclear ou às dispendiosas tecnologias de remoção de carbono. Ainda assim, o financiamento global para tecnologia e soluções climáticas está muito aquém do necessário para reduzir as emissões o suficiente para limitar o aquecimento a 1,5°C.

Um problema político

O relatório do IPCC mostra como as fontes de energia renováveis, como a eólica e a solar, são agora economicamente viáveis e tornam-se mais baratas a cada dia. Mas, embora este foco nas soluções dê ao relatório um tom otimista, também serve como um lembrete de como as políticas estão muito atrás da ciência, tecnologia e até da economia.

Os enormes custos iniciais para a instalação aumentam as desigualdades da transição energética, aponta o relatório. Por essa razão, muitos países em desenvolvimento – particularmente no hemisfério sul – ficam para trás. Nas deliberações sobre o relatório, alguns países em desenvolvimento pediram que as nações ricas transferissem mais dinheiro para ajudá-los a pagarem esta transição, revela a CNN, argumentando que as nações ricas eram historicamente mais responsáveis pelas alterações climáticas e deveriam arcar mais com o ónus financeiro.

A taxa de financiamento climático - dinheiro que os países ricos prometeram fornecer aos países em desenvolvimento para enfrentar a crise - desacelerou, enquanto o financiamento de combustíveis fósseis continua alto. Embora as políticas de financiamento climático tenham aumentado nos últimos anos, o relatório conclui que as nações ricas devem aumentar o fluxo de dinheiro além dos atuais 100 mil milhões de euros por ano, prometidos nos acordos climáticos internacionais.

Este relatório foi publicado após uma maratona de conversas entre representantes globais, durante a qual as nações produtoras de combustíveis fósseis se opuseram a um apelo para acabar com o uso de carvão, petróleo e gás num futuro próximo, disse uma fonte familiarizada com as negociações à CNN.

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