Umas megacheias desastrosas estão a chegar à Califórnia, dizem especialistas. Poderá ser a catástrofe natural mais cara da história

CNN , Payton Major, Judson Jones e Brandon Miller
14 ago 2022, 14:02
Los Angeles, Califórnia, nos Estados Unidos Mario Tama GettyImages

Alterações climáticas aumentam probabilidade de catástrofe no estado norte-americano da Califórnia. Não é “se”, é “quando”, dizem os investigadores.

Muitos californianos, nos Estados Unidos, temem o “Big One”, mas esse "grande desastre" pode não ser o que se pensa. Não é um terramoto. E não é a mega-seca. Na verdade, é exatamente o oposto.

Umas megacheias.

Um novo estudo da Science Advances mostra que as alterações climáticas já fizeram duplicar as probabilidades da ocorrência de um “dilúvio” desastroso na Califórnia nas próximas quatro décadas. E os especialistas dizem que será diferente de tudo o que alguém hoje vivo já conheceu.

Daniel Swain, um cientista climático da UCLA e investigador envolvido no estudo, descreve umas megacheias como sendo "um evento de inundação muito grave numa vasta região, com potencial para criar impactos catastróficos à sociedade nas áreas afetadas". Segundo disse, umas megacheias são semelhantes aos eventos de uma inundação instantânea de 1.000 anos como o que ocorreu este Verão na área de St. Louis e Kentucky, mas numa área muito mais vasta, tal como todo o estado da Califórnia.

Estas cheias maciças, que os especialistas dizem que transformariam as terras baixas da Califórnia num “vasto mar interior”, podem já ter acontecido anteriormente uma vez na vida do estado da Califórnia. Mas os peritos dizem que as alterações climáticas estão a aumentar as probabilidades destes desastres catastróficos, fazendo com que ocorram mais vezes, como a cada 25 a 50 anos.

As alterações climáticas sobrecarregam os eventos de chuva intensa, fazendo com que cheias repentinas ocorram com mais regularidade, como já foi observado várias vezes este Verão no Kentucky Oriental, em St. Louis, e mesmo no Parque Nacional do Vale da Morte [Death Valley] da Califórnia.

A Califórnia é por natureza propensa a estas cheias de rios atmosféricos, e já antes ocorreram cheias de grandes proporções -, mas as alterações climáticas estão a subir a fasquia, e milhões de pessoas poderão ser afetadas.

O estudo afirma que os rios atmosféricos poderão tornar-se consecutivos durante semanas a fio. Xingying Huang, um dos autores do estudo, fez um vídeo, num loop [em baixo] que ilustra o transporte de vapor de água e a potencial acumulação de precipitação em fatias de tempo selecionadas durante um cenário de 30 dias.

A área com maior destruição seria o Vale Central ["Central Valley"] da Califórnia, incluindo Sacramento, Fresno e Bakersfield, projetam os autores do estudo. O Vale Central, aproximadamente do tamanho de Vermont e Massachusetts juntos [e do tamanho aproximado de metade de Portugal], produz um quarto da oferta alimentar do país, de acordo com a US Geological Survey.

Umas cheias com dimensão para encher este vale têm o potencial de se tornarem no desastre geofísico mais caro até à data, custando mais de um bilião de dólares [970 milhões de milhões de euros] em perdas e devastando as áreas baixas do estado, incluindo os condados de Los Angeles e Orange, de acordo com o estudo.

Isso seria mais cinco vezes o custo do Furacão Katrina, o desastre mais dispendioso da história dos Estados Unidos.

"Uma tal inundação na Califórnia moderna excederia provavelmente os danos de um terramoto de grande magnitude por uma margem considerável", mostrou o estudo.

Nesta foto de 8 de agosto, fornecida pelo Serviço Nacional de Parques dos EUA, a estrada de Mud Canyon está fechada devido a inundações repentinas no Death Valley [Vale da Morte], na Califórnia, EUA.

Este estudo é a primeira fase de uma série em três partes que investiga os efeitos de um futuro evento de megacheias na Califórnia. Espera-se que as próximas duas fases sejam lançadas dentro de dois a três anos.

"Em última análise, um dos nossos objetivos é não apenas o de compreender cientificamente estes eventos, mas é também ajudar a Califórnia a preparar-se para eles", disse Swain. "É uma questão de quando e não de se [as megacheias] ocorrem".

Já aconteceu antes. Acontecerá novamente, mas será pior, advertem os cientistas

Há mais de 150 anos, uma forte série de rios atmosféricos inundou o chamado “Estado Dourado”, causando uma das cheias mais excepionais da história, após um período de seca que tinha deixado o oeste dos EUA ressequido durante décadas.

As comunidades foram demolidas em minutos.

Esta fotografia de 1861 mostra as inundações em Sacramento.

Estávamos no Inverno de 1861-1862 e umas megacheias históricas transformaram os vales de San Joaquin e Sacramento num “mar interior temporário mas vasto”, de acordo com o estudo. Algumas áreas tiveram até 10 metros de água durante semanas, destruindo infraestruturas, terras agrícolas e cidades.

Sacramento, a nova capital do estado da Califórnia na altura, esteve debaixo de três metros de água cheia de detritos durante meses.

A catástrofe começou em dezembro de 1861, quando quase cinco metros de neve caíram na Sierra Nevada. Sucessivos rios atmosféricos fizeram cair chuva quente durante 43 dias, despejando água pelas encostas montanhosas e pelos vales.

Quatro mil pessoas perderam a vida, um terço da propriedade do estado foi destruída, um quarto da população de gado da Califórnia afogou-se ou passou fome, e uma em cada oito casas foi completamente perdida devido às cheias.

Além disso, um quarto da economia da Califórnia foi obliterada, provocando uma bancarrota em todo o estado.

Swain adverte que umas megacheias como estas irão acontecer novamente, mas serão piores - e mais frequentes.

A baixa da cidade de Sacramento hoje em dia. Ela foi levantada 3 a 5 metros após as cheias históricas.

"Verificamos que as alterações climáticas já aumentaram o risco de um cenário de megacheias (como as de 1862) na Califórnia, mas que o aquecimento climático futuro provavelmente provocará aumentos ainda mais acentuados do risco", adverte o estudo.

Muitas das grandes cidades atuais com milhões de habitantes estão construídas diretamente sobre os antigos depósitos de cheias, acrescentou Swain, pondo muito mais pessoas em perigo.

Viviam cerca de 500 mil pessoas na Califórnia em 1862. Atualmente, a população do estado é superior a 39 milhões.

"Quando isto (as cheias) ocorrer novamente, as consequências serão muito diferentes do que foram na década de 1860", contextualizou Swain.

Ar quente contém mais água

Para cada grau Celsius que a atmosfera pode conter 7% mais vapor de água, que pode cair como chuva. Por exemplo, os cientistas dizem que as alterações climáticas podem agravar os furacões, aumentando as taxas de pluviosidade e a quantidade de precipitação que uma tempestade poderia produzir. Fonte: Environmental Research Letters Gráfismo: Curt Merrill, CNN

As alterações climáticas aumentam a quantidade de chuva que a atmosfera pode reter e fazem cair mais água no ar na forma de chuva, o que pode levar a cheias imediatas. Ambos os fenómenos estão e continuarão a ocorrer na Califórnia.

O novo estudo mostra um rápido crescimento das probabilidades de haver rios atmosféricos de uma semana, recorrentes e fortes-a-extremos, durante a estação fria. Um rio atmosférico é uma região comprida e estreita de forte humidade na atmosfera, que pode transportar humidade a milhares de quilómetros, como uma mangueira de incêndio no céu. Geralmente, trazem precipitações benéficas para regiões propensas à seca, como a Califórnia, mas podem tornar-se rapidamente perigosas com um clima quente.

Historicamente, estes rios atmosféricos de inverno despejam metros de neve na Sierra Nevada, mas à medida que o clima aquece, mais neve cairá sob a forma de chuva. Em vez de derreter lentamente com o tempo, tudo escapa, amontoa-se e inunda imediatamente.

Um campo agrícola é regado na Califórnia. O Central Valley [Vale Central], que produz um quarto dos alimentos da nação, será devastado por megacheias.

Tendo um vizinho como o Oceano Pacífico, a Califórnia tem “um reservatório infinito de vapor de água ao largo”, acrescentou Swain.

O terreno montanhoso da Califórnia e o risco de incêndios florestais tornam-na especialmente vulnerável a cheias. As cicatrizes de fogos dos incêndios podem criar uma superfície íngreme e escorregadia para que a água e os detritos fluam de inicialmente onde estão. Com os incêndios a tornarem-se maiores e a queimarem áreas maiores graças às alterações climáticas, mais áreas estão suscetíveis a estes fluxos de detritos.

Embora os modelos mostrem que estas megacheias sejam inevitáveis, os especialistas dizem que existem formas de mitigar perdas excessivas.

"Penso que a extensão das perdas (das megacheias) pode ser significativamente reduzida fazendo certos tipos de coisas para renovar a nossa gestão de cheias e os nossos sistemas de gestão de água e a nossa preparação para catástrofes", recomendou Swain.

Huang, um cientista do Centro Nacional de Investigação Atmosférica e investigador envolvido no estudo, disse que todos podem fazer um pequeno esforço no combate às alterações climáticas.

"Se trabalharmos em conjunto para diminuir as emissões futuras”, disse, “podemos também reduzir o risco de acontecimentos extremos".

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