O último inverno foi o quarto mais quente dos últimos 90 anos em Portugal. Esta é uma das consequências do aquecimento global

22 mai 2022, 15:00
Calor

A temperatura está a aumentar em todo o mundo e Portugal não é exceção. A tendência é para os invernos serem mais quentes e o período estival ser mais prolongado

O último inverno foi o quarto mais quente dos últimos 90 anos em Portugal. A média da temperatura máxima no inverno de 2021/22 foi de 16,1º celsius, o que é cerca de 2,4º  acima do que é normal, revela à CNN Portugal Vanda Pires, investigadora do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

O mês de dezembro do ano passado foi o quarto mais quente desde que se iniciou o registo de temperaturas no país e bateu-se o recorde da estação, com um extremo de 26,4°C de temperatura máxima na Zambujeira. 

"Este inverno foi mais ameno, o que é uma tendência que se tem vindo a acentuar", refere Vanda Pires.

O inverno anterior, de 2020/21, também já tinha sido bastante quente, com um valor médio da temperatura média foi de 11.º celsius, superior ao normal em mais 1,47 graus, segundo o IPMA. Na temperatura máxima tinha-se registado uma média para o inverno de 15,67º celsius, o valor mais alto desde 1931 e superior em 1,92º ao valor normal (1971-2000).

Além de quente, o último inverno foi também extraordinariamente seco - apenas março registou valores de pluviosidade adequados para a estação.

Os investigadores detetam ainda outra tendência: o alargamento do período estival. "O que verificamos é que, antes, só no final de maio e início de junho é que começávamos a ter consistentemente temperaturas elevadas. E, agora, a tendência é que as temperaturas elevadas comecem mais cedo e se prolonguem até outubro", afirma Vanda Pires.

O melhor exemplo disso está a ser este mês de maio. Esta semana os termómetros chegaram aos 34º em vários locais. Na próxima semana, as temperaturas irão manter-se acima da média para a época. "Está a ser, de facto, um mês muito quente. Ainda não temos o mês fechado por isso não é possível tirar conclusões definitivas, penso que não terá sido batido nenhum recorde para este mês mas tivemos sequências de vários dias com temperaturas consistentemente altas."

Esta subida de temperatura é causada pela circulação de ar quente e seco que vem desde o Norte de África até à Península Ibérica. Isso fará também com que haja um novo fenómeno de poeiras do Sara em suspensão, ainda que previsivelmente seja menos intenso do que o que foi sentido em março, e que fez com que o céu ficasse com uma cor diferente do habitual. 

O clima não está louco mas está a alterar-se

Isso não significa, de todo, que as quatro estações do ano, tal como as conhecemos, estejam em vias de extinção. "Vamos continuar a ter primavera e outono", garante Vanda Pires. No clima português, que é mediterrânico, as duas estações de transição são habitualmente marcadas por "uma enorme variabilidade climática", explica a climatóloga. "É normal termos um dia de calor e depois um dia de chuva, esta instabilidade é muito típica de março e abril."

No entanto, explica, a primavera não está imune às alterações climáticas, por isso é provável que não só as temperaturas sejam mais elevadas nesta altura do ano como as variações tendam a ser "cada vez mais extremas" e que tenhamos variações bruscas de temperatura. 

Pedro Miranda, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, explica à CNN Portugal que a existência de estações do ano tem a ver, primeiro, com o número de horas de luz por dia e, depois, com a circulação do ar. É o vento que, em última análise, determina não só a temperatura do ar como outros fenómenos climatológicos. No verão, se o vento vier do interior da Península Ibérica teremos uma onda de calor. No inverno, o vento que vem do Atlântico norte provoca uma onda de frio. 

"Mas com o aumento global da temperatura todas estas dinâmicas da circulação do ar são afetadas", explica.  "Os fenómenos do clima são globais, nunca podem ser analisados localmente."

É o que acontece, por exemplo, com a pluviosidade. Ao contrário dos países do norte da Europa, em Portugal só chove significativamente no inverno. A chuva depende da passagem da frente fria, mas como as alterações na circulação a frente fria está a deslocar-se para norte, o que faz com que tenhamos menos chuvadas mas mais intensas. 

Outro exemplo pode ser o das ondas frio registadas na Flórida, nos EUA. Muitas pessoas pensaram que essas ondas de frio eram uma prova de que o aquecimento global é um mito, mas é exatamente o contrário, explica Pedro Miranda: "Trata-se de um efeito da instabilidade do vórtice polar". O vórtice polar tem como função manter o ar frio no Polo Norte. Em circunstâncias habituais, o vento circula no sentido dos ponteiros do relógio, mantendo o ar frio enclausurado no Polo Norte. O ar frio costuma estar circunscrito, mas quando ocorre um desequilíbrio, o sentido dos ventos inverte-se, levando o ar frio a descer de latitude e o ar quente a subir até aos pólos.

Aumento da temperatura é global

A tendência para o aumento das temperaturas é global e, por isso, não surpreende os climatólogos portugueses. O ano de 2021 foi um dos sete mais quentes de sempre e o verão europeu passado foi o mais quente já registado, divulgou esta segunda-feira o sistema de observação climática por satélite Copérnico.

Nos seus dados anuais, o Copérnico também refere que continuaram a aumentar as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono e metano - gases responsáveis pelo efeito de estufa e aquecimento global.

Apesar de relativamente menos quente em relação aos anteriores, 2021 insere-se num ciclo de sete anos consecutivos de temperaturas recordes, "os mais quentes já registados por uma margem clara", refere o serviço climático Copérnico.

Esta quarta-feira, a Organização das Nações Unidas (ONU) revelou que quatro marcadores-chave das alterações climáticas bateram novos recordes em 2021: as concentrações de gases com efeito de estufa, o aumento do nível do mar, a temperatura e a acidificação dos oceanos atingiram novos recordes no ano passado, segundo refere a Organização Meteorológica Mundial (OMM) no relatório "Estado do Clima Global em 2021".

O Acordo Climático de Paris de 2015 visava limitar o aquecimento global a +1,5°C em comparação com a era pré-industrial. Em 2021 a temperatura média global rondou os 1,11 graus celsius acima dos níveis pré-industriais.

“Estamos a aproximar-nos significativamente do momento em que atingiremos temporariamente o limite inferior do Acordo de Paris. O valor de 1,5°C não é uma estatística escolhida aleatoriamente. Indica o ponto a partir do qual os efeitos do clima serão cada vez mais prejudiciais para as pessoas e para todo o planeta”, frisou o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas.

“O nosso clima está a mudar diante de nossos olhos”, disse. "O calor retido pelos gases com efeito de estufa produzidos pelo homem aquecerá o planeta por muitas gerações”.

"Neste momento parece-me muito difícil que não se atinja o aumento de 1,5º", comenta Pedro Miranda. "Acredito que ainda pudéssemos evitar chegar a um aumento de 2º mas para isso teríamos que parar imediatamente a emissão de gases de efeito de estufa. Teria de haver uma grande vontade política e global."

Segundo o boletim de previsões climáticas anuais e para a década à escala global, elaborado pelo United Kingdom Met Office (Met Office), que é o principal centro da OMM para este tipo de previsões, é muito provável (93%) que pelo menos um dos anos entre 2022 e 2026 se torne o mais quente já registado.

Também é 93% provável que a temperatura média para o período 2022-2026 seja superior à dos últimos cinco anos (2017-2021).

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