Tem “eco-ansiedade”? Descubra aqui

CNN , Jessica DuLong
31 dez 2022, 17:00
Incêndio na Serra da Estrela (Nuno André Ferreira/Lusa)

Entrevista com Bonnie Schneider, autora de livros e antiga meteorologista da CNN

Sabemos que as mudanças no clima e nas estações do ano podem afetar o humor, causando tristezas em dias chuvosos e sazonais desordens afetivas. Mas, é também importante reconhecer os efeitos nocivos para a saúde física e mental das alterações climáticas a longo prazo.

No seu livro "Taking the Heat: How Climate Change Is Affecting Your Mind, Body, and Spirit and What You Can Do About It" [à letra, “Enfrentar o Calor: Como as Alterações Climáticas estão a Afetar a sua Mente, Corpo e Espírito e o que Pode Fazer Sobre Isso”], a escritora e antiga meteorologista da CNN Bonnie Schneider documenta estes desafios e partilha os conselhos de especialistas sobre como lidar com eles.

Em entrevista, ela partilha conhecimentos sobre o impacto do clima na saúde.

Esta conversa foi editada e condensada para maior clareza.

CNN: Como podem as alterações climáticas levar a problemas de saúde?
Bonnie Schneider:
O nosso ambiente afeta os principais índices de saúde. Alterações de temperatura, da qualidade do ar e da água, segurança e disponibilidade alimentar, e mesmo o nosso bem-estar emocional estão ligados ao nosso ambiente natural. As alterações a estas variáveis podem ter impacto tanto nas pessoas saudáveis como naquelas com condições preexistentes.

Olhe para a temperatura, por exemplo. Já tentou dormir num quarto quente sem ar condicionado? O aumento da temperatura pode perturbar o sono e diminuir a clareza mental e a memória, como tem demonstrado a investigação.

Um estudo com jovens estudantes universitários saudáveis mostrou que aqueles que dormiram sem ar condicionado durante uma onda de calor tiveram piores avaliações nos testes cognitivos no dia seguinte do que aqueles em quartos com arrefecimento artificial.

As alterações climáticas foram ligadas a certos tipos de acontecimentos climáticos extremos, incluindo cheias intensas, incêndios florestais, tempestades e furacões severos, que duram mais tempo e produzem mais chuva. Em 2021, vinte eventos e desastres climáticos nos EUA resultaram em perdas superiores a mil milhões de dólares – cada um.

Em geral, as catástrofes naturais ocorrem agora com mais frequência, afetando mais pessoas.

Elas podem causar queimaduras e inalação de fumo devido a incêndios, ferimentos causados pela queda de destroços e outros tipos de danos. A saúde mental também é afetada, seja como consequência de traumatismos, perda da comunidade ou de se ser deslocado. A investigação mostra que estas consequências psicológicas podem durar anos ou mesmo décadas.

Também é importante mencionar que os desastres naturais podem afetar a saúde mental, mesmo entre aqueles que não foram diretamente afetados. A agitação na própria comunidade pode, evidentemente, causar angústia. Mas apenas ver imagens na televisão de destruição causada pelo tempo pode desencadear ansiedade. É esse o caso, mesmo que o evento meteorológico específico não esteja de facto ligado às alterações climáticas.

O que é a "eco-ansiedade" e em que medida é omnipresente?
A eco-ansiedade refere-se à ansiedade e ao medo que as pessoas têm das alterações climáticas e do futuro do planeta.

Entre as pessoas com idades compreendidas entre os 16 e os 25 anos, 84% expressaram pelo menos uma preocupação moderada com as alterações climáticas em 2021, num inquérito global de 10.000 pessoas. Mais de 56% acreditavam que "a humanidade está condenada", e mais de 45% disseram que os seus sentimentos sobre as alterações climáticas afetavam negativamente a sua vida quotidiana e o seu funcionamento.

Especialistas da Climate Psychiatry Alliance e da Climate Psychology Alliance [dos EUA] confirmam as lutas genuínas com que os indivíduos, especialmente os jovens, estão a lidar com este tipo de ansiedade. Ela pode causar graves perturbações na vida quotidiana, intrometer-se nos pensamentos das pessoas e interferir com o sono saudável.

Será que certas condições médicas tornam as pessoas mais vulneráveis às mudanças ambientais?
Sim. A maioria dos especialistas médicos diz que os fenómenos climáticos extremos de qualquer tipo podem stressar o corpo. Com as alterações climáticas, estamos a ficar com dias mais quentes durante um período mais longo de tempo. Isto pode levar a problemas em pessoas com certas doenças auto-imunes, que se manifestam sob condições ambientais particulares. O lúpus, por exemplo, pode ser desencadeado pela luz solar brilhante devido à exposição aos raios UV, de acordo com os peritos médicos que entrevistei.

Algumas evidências sugerem relações entre dor e humidade relativa, pressão e velocidade do vento. Para aqueles que sofrem de artrite, tempestades poderosas mais frequentes podem significar mais potencial de dor. No entanto, outros dados negam estas descobertas, tais como o estudo que não encontrou qualquer relação entre chuva e visitas ambulatórias para dores nas articulações ou nas costas. Ainda assim, mesmo estes investigadores admitem que a correlação tempo-dor pode existir, e apelam a estudos adicionais.

O que é que as alterações climáticas têm que ver com doenças infeciosas?
A perda da biodiversidade tornou-se um enorme problema. Mesmo pequenas e subtis alterações e ruturas dos habitats naturais da vida selvagem afetam os seres humanos. Somos todos parte do ecossistema.

Num artigo de setembro de 2020 escrito pelo Dr. Anthony Fauci e pelo Dr. David Morens, os dois especialistas em doenças infeciosas advertem que as pandemias estão a ocorrer com mais frequência. Chamam à pandemia da covid-19 "mais um lembrete de que as atividades humanas representam interações agressivas, prejudiciais e desequilibradas com a vida selvagem, e provocarão cada vez mais novas emergências de doenças".

As alterações ambientais alteram muitos tipos de doenças transmitidas por vetores - a Lyme, por exemplo. Quando as temperaturas sobem, as carraças tornam-se mais um problema nas latitudes do norte, o que significa que podemos começar a ver a doença de Lyme em locais onde as pessoas não a esperam. Isto poderia causar dificuldades, dado o quão desafiante pode ser o diagnóstico da doença de Lyme.

Os mosquitos trazem preocupações adicionais. Mais inundações aumentam a sua prevalência e o risco de transmitirem doenças.

Depois há as bactérias que se alimentam de carne e são transportadas pela água.

Acredita-se que o aumento da temperatura da água tenha trazido bactérias mortais a águas anteriormente não afetadas. A espécie Vibrio, por exemplo, pode invadir o corpo através de qualquer pequena abertura na pele, causando rapidamente doenças graves e até mesmo a morte.

Em junho, cientistas da NOAA na Virgínia e Maryland previram que "à medida que as águas da Baía de Chesapeake aquecem, os agentes patogénicos Vibrio vulnificus tornam-se mais prevalecentes". [NOAA é a National Oceanic and Atmospheric Administration, uma agência do Departamento de Comércio dos EUA].

Desde 5 de agosto, 23 casos de infeção por Vibrio vulnificus foram notificados apenas na Florida - quatro deles mortais.

Agora, precisamos de acrescentar outro tipo de bactérias à nossa lista de preocupações.

Em 2020 e 2022, dois indivíduos não relacionados na Costa do Golfo no Mississippi adoeceram com melioidose. Esta doença infeciosa rara e grave é causada pelo contacto direto com o solo e a água contaminados com a bactéria Burkholderia pseudomallei. O CDC (Centro de Prevenção e Controlo de Doenças dos Estados Unidos) alerta agora as pessoas na região que têm condições de saúde que podem colocá-las em maior risco - tais como diabetes, doença renal crónica, doença pulmonar crónica ou uso excessivo de álcool - para evitar o contacto com o solo ou água lamacenta, particularmente após fortes chuvas.

Que impacto tem o aquecimento global sobre as alergias?
A época das alergias tornou-se mais longa. Dias mais livres de geadas significam mais pólenes potencialmente irritantes. Há também um debate entre os cientistas sobre se o aumento do dióxido de carbono na atmosfera tornou o pólen mais intenso.

Os bolores são outros alergénicos afetados pelo tempo, exacerbados por tempestades mais frequentes, inundações intensas e dias húmidos.

Muitos ataques de asma são também desencadeados, em primeiro lugar, por alergias. A asma pode ser espoletada por trovoadas e fumo de incêndios florestais. Está tudo ligado.

Não admira que as pessoas estejam a sentir ansiedade climática. O que as ajuda a lidar com isso?
Psicólogos e psiquiatras com quem falei enfatizaram que não podemos gozar com a eco-ansiedade. Está enraizada em preocupações válidas, e as pessoas estão genuinamente perturbadas.

Especialistas recomendam encontrar uma comunidade de pessoas com os mesmos sentimentos, juntando-se a grupos como os "Climate Cafes", organizados pela Climate Psychology Alliance, onde se pode falar de sentimentos difíceis num espaço seguro mantido por moderadores treinados. As organizações específicas de jovens oferecem outras oportunidades de ligação. Para aconselhamento individual, a Climate Psychiatry Alliance tem um diretório que lista os terapeutas "conscientes do clima".

A tomada de medidas, grandes e pequenas, também ajuda. Especialistas aconselham o envolvimento no ativismo da justiça climática através da participação em eventos como a Climate Week NYC, um encontro global em setembro com mais de 500 eventos em todo o mundo. Mesmo a participação em algo local como uma limpeza de praia pode aliviar as preocupações.

A meditação atenta e a gratidão são outras ferramentas para abordar a eco-ansiedade. No meu sítio na web, dou instruções para práticas curtas e simples de atenção.

Quando se trata de ansiedade, a natureza tem efeitos terapêuticos tanto para adultos como para crianças. Fazer jardinagem ou algo construtivo ao ar livre - mesmo durante o tempo frio - pode transformar um sentimento de impotência em acão. No livro "Taking the Heat", esboço estratégias específicas, baseadas na idade, para crianças e conselhos para adultos.

Passar tempo na natureza até cura, o que é interessante, para aqueles que sofreram traumas relacionados com os elementos da natureza. Os investigadores descobriram que os seres humanos têm um desejo intrínseco de se ligarem ao ar livre após uma catástrofe natural. Faz parte do processo de lidar.

Para qualquer um de nós, apenas 20 ou 30 minutos a pé ou sentados num local que nos ligue à natureza pode baixar os níveis da hormona do stress cortisol.

Essa diminuição é boa tanto para a mente como para o corpo.

Jessica DuLong é uma jornalista de Brooklyn, com base em Nova Iorque, colaboradora de livros, professora de escrita e autora de "Saved at the Seawall": Stories From the September 11 Boat Lift" e "My River Chronicles".

* artigo originalmente publicado a 14 de agosto de 2022

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