Alex Murdaugh. Uma família poderosa, crimes à sua volta e a América a querer saber como vai terminar a história

2 mar 2023, 08:00
Murdaugh. Foto: AP

Um ex-advogado está a ser julgado nos Estados Unidos, acusado de matar a mulher e o filho. A história de Alex e dos Murdaugh está mais perto de ter um fim, mas desde o princípio que podia dar um filme. E até já deu

Alex Murdaugh já não tinha muito a seu favor quando começou a falar em tribunal. E com menos ficou quando admitiu o que já várias testemunhas tinham relatado: era a sua voz que se ouvia num vídeo gravado por uma das vítimas e publicado no Snapchat pouco antes do duplo homicídio de que o ex-advogado é suspeito. “Anda cá, Bubba!” é tudo o que se ouve no pequeno clipe. Alex chamava um cão, enquanto Paul Murdaugh, o filho, filmava o canil da propriedade da família. Na cronologia da acusação, isto aconteceu minutos antes dos crimes.

O problema é que Alex tinha sempre garantido às autoridades que só chegou ao local - a casa da sua família em Islandton, naquela noite de 7 de junho de 2021 - depois destes acontecerem, tendo, na sua versão, encontrado a mulher e o filho já baleados. A chamada para o 911 (número de emergência nos EUA) foi, aliás, feita pelo próprio. Mas o que a acusação acredita é que a voz que pediu socorro pela família (a mesma voz que afinal estava com as vítimas pouco antes de tudo acontecer) tinha acabado de matar e nem sequer ia ficar por aqui.

Nas alegações finais do julgamento, esta quarta-feira, o procurador Creighton Waters chamou-lhe o momento que “mudou tudo”. Ou seja, quando os investigadores ouviram a voz de Alex no tal vídeo filmado por Paul Murdaugh, o filho assassinado ao lado da mãe, Maggie, perceberam que o pai tinha tido, pelo menos, a oportunidade de os matar.

“Ficaram expostas as mentiras do arguido sobre a coisa mais importante que ele podia ter dito às autoridades: ‘Quando é que foi a última vez que vi a minha mulher e o meu filho vivos?’ Porque raio é que um pai e marido inocente e razoável iria mentir sobre isto, e logo tão cedo? Ele não sabia que o vídeo existia”, argumentou o procurador, cuja teoria é que Alex Murdaugh matou a mulher e o filho por causa dos problemas financeiros e relacionados com a dependência de droga que tinha. Oportunidade e motivo: as duas bases da acusação.

O local dos crimes. Andrew J. Whitaker/The Post And Courier via AP

A resposta de Alex Murdaugh já tinha sido dada, dias antes, também no tribunal de Walterboro, na Carolina do Sul, onde está a decorrer o julgamento: “Eu menti. Não estava a pensar com clareza. Acho que não fui capaz de raciocinar e menti, e lamento por isso”. A culpa, alega, foi dos analgésicos em que estava viciado na altura, que o deixaram tão "paranoico" que não conseguiu dizer a verdade. “Eu nunca faria intencionalmente algo para os magoar. Nunca”. Mas desde aquele “sim” à pergunta “É o senhor naquele vídeo filmado no canil da propriedade, às 20h44 do dia 7 de junho de 2021, a noite em que Maggie e Paul foram assassinados?” que poucos terão acreditado nele.

O que se sabe sobre a noite do duplo homicídio

Poucas famílias têm o luxo de deter uma propriedade de caça, mas era o caso dos Murdaugh (e já lá vamos no porquê). Em Islandton, na Carolina do Sul, os corpos de Margaret, de 52 anos, e Paul, de 22, foram encontrados, junto aos cães, baleados por duas armas diferentes. 

Na versão agora assumida por Alex, ele teria ido ao canil à hora do vídeo e estado com a mulher e o filho brevemente, tendo regressado a casa e adormecido. Após supostamente ter acordado, o ex-advogado foi então a casa da mãe e duas testemunhas contaram o que sabiam sobre este momento em tribunal: uma disse que tinha pedido a Alex para ir ver a mãe porque estava “agitada”, outra admitiu que a hora a que ele apareceu não foi nada normal. Em tribunal, o ex-advogado relatou então o regresso à sua propriedade e o estado em que teria encontrado os corpos.  

Segundo o procurador Creighton Waters veio a referir em tribunal, as provas sustentam que ambas as armas utilizadas no duplo homicídio pertenciam à família. Pelo menos é no que acreditam os peritos que analisaram as munições no local do crime. Problema: as armas nunca apareceram. 

O procurador Creighton Waters questiona uma testemunha sobre o tipo de armas que a família Murdaugh tinha. Joshua Boucher/The State via AP

Quem matou Maggie e Paul teve tempo de as fazer desaparecer. Alex, o único suspeito, está presente no tal vídeo às 20h44 e volta a aparecer na fita dos crimes às 22h07, quando liga para o 911. Confrontado agora em tribunal com os dados de GPS do seu automóvel, que revelam uma paragem suspeita entre o trajeto da sua propriedade à casa da mãe, Alex Murdaugh negou ter sido o breve momento em que se teria livrado das armas.

Já a chamada para o número de emergência foi passada em tribunal, mas tinha sido também divulgada na comunicação social e num documentário da Netflix. Nela, Murdaugh repete a morada às autoridades. Está nervoso, diz que a mulher e o filho foram baleados e que não estão a respirar. E diz logo que acabou de chegar ali.

Quando a polícia chegou ao local, manteve e estendeu a mentira: só tinha ido a Islandton pouco antes da chamada para o número de emergência, pois tinha ido visitar a mãe, e encontrou os corpos da família. E deu logo aos investigadores um motivo para o crime: alguém ainda estava chateado com o que tinha acontecido dois anos antes.

A jovem que morreu num acidente de barco

A tal série da Netflix – “As Mortes dos Murdaugh: Crimes Numa Família Sulista” – começa por contar esta história. A 24 de fevereiro de 2019, o jovem Paul foi sair à noite com os amigos. Mas, como em quase tudo nos Murdaugh, foi sair à grande. Levou o barco da família, comprou bebidas e transportou os amigos até uma festa. Eram três casais supostamente a divertir-se, mas os habituais excessos de Paul desta vez tiveram consequências.

No regresso, visivelmente embriagado nas imagens de videovigilância que o documentário mostra, os amigos contam como Paul insistiu em conduzir o barco e fazer manobras perigosas. O barco acabou por colidir contra uma ponte, alguns jovens caíram à água e Mallory Beach, de 19 anos, morreu assim.

Os sobreviventes e as suas famílias relatam que, desde o minuto em que chegaram ao local, o pai e o avô de Paul tentaram controlar tudo: quem dizia o quê, que versão contar às autoridades e o que fazer a seguir. Era assim que os Murdaugh, uma poderosa família de advogados da Carolina do Sul, atuava. Habituados a controlar a polícia, e sobretudo os vários intervenientes da justiça, conseguiram criar alguns bloqueios, mas não conseguiram evitar que Paul fosse acusado. O caso nunca chegou a julgamento. Estava uma audiência marcada para dia 10 de junho de 2021, mas, três dias antes, Alex terá assassinado o filho.

Os outros crimes ligados à família

Mas Mallory Beach não terá sido a única vítima de alguma forma ligada à família Murdaugh, com várias gerações de advogados e grande proximidade com o poder local. Já em 2015, um jovem foi encontrado morto numa estrada, em Hampton County, e as suspeitas recaíram sobre o filho mais velho de Alex, conhecido como Buster. A vítima, Stephen Smith, era seu colega de escola e assumidamente homossexual. Como em todas as localidades pequenas, os rumores foram crescendo: Buster teria uma relação com Stephen e, numa família homofóbica e conservadora, isto não se podia saber.

O adolescente pode ter sido atropelado ou espancado, mas na altura a investigação não foi grande coisa. Porquê? Dizem os testemunhos ouvidos no documentário que já seria a família Murdaugh a controlar tudo. Por isto mesmo, na sequência das mortes de Maggie e Paul, em 2021, este caso foi reaberto (e até ao momento não tem acusações).

Buster Murdaugh foi uma das testemunhas no julgamento e disse em tribunal que o pai ficou "destruído" com as mortes de Maggie e Paul. Grace Beahm Alford/The Post And Courier via AP

Cerca de três anos depois da misteriosa morte de Stephen Smith, Gloria Satterfield também morreu em circunstâncias no mínimo curiosas. Tratava-se de uma empregada que trabalhava para os Murdaugh há muitos anos, foi a ama de Paul inclusivamente, e caiu nas escadas da casa de Alex e Maggie, tendo vindo a morrer depois no hospital. O casal contou às autoridades que Gloria escorregou nos cães e caiu de forma aparatosa.

Não houve autópsia e o certificado de óbito até lhe chamou uma “morte natural”. Mas Alex tinha feito recentemente um seguro que viria a garantir à família de Gloria uma indemnização milionária. Sabe-se agora que o ex-advogado montou um esquema para ficar ele com o dinheiro. Este caso de 2018 também já foi reaberto e o corpo da empregada da família será exumado. Os filhos de Gloria vão receber parte do dinheiro.

O que trouxe Alex até aqui

Com Maggie e Paul mortos, e todas as circunstâncias suspeitas à volta, nem a força dos Murdaugh foi capaz de travar a investigação a Alex. Com o cerco a apertar, quase três meses após o duplo homicídio, o advogado teve de demitir-se da firma Peters Murdaugh Parker Eltzroth & Detrick. Mas depressa engendrou um plano.

No dia seguinte à demissão, a 4 de setembro de 2021, foi encontrado ferido na já aqui referida estrada de Hampton County, não muito longe de onde Stephen Smith morreu em 2015. Tinha sido baleado “superficialmente”. Descobriu-se depois que tinha pago a Curtis Edward Smith, um dos seus fornecedores de oxicodona, para o matar. O objetivo era que Buster, o filho que lhe restava, recebesse os cerca de 10 milhões de dólares do seguro de vida.

Como não morreu, o plano mudou. Assumiu o vício em opioides e entrou para a reabilitação. Só que, entretanto, o escritório de advogados onde tinha trabalhado revelou que a demissão se devia à descoberta de que Alex Murdaugh teria desviado milhões de dólares. E que teria sido na manhã do duplo homicídio que foi confrontado pela primeira vez com essa suspeita. 

Poucos dias depois, Alex foi detido e o que se seguiu foi uma série de acusações até à final, de duplo homicídio. O ex-advogado está ainda acusado de 99 crimes financeiros devido aos esquemas que terá montado ao longo dos anos para se apropriar de milhões de dólares dos clientes, do escritório e até do Estado.

A “tempestade" que se “aproximava”

A teoria da acusação é, então, que Alex matou a mulher e o filho porque “a tempestade se aproximava”. Segundo o procurador Creighton Waters já tinha afirmado no início do julgamento, o ex-advogado não terá aguentado a humilhação dos seus crimes serem expostos.

As nuvens começaram a formar-se desde o acidente de barco em que o filho Paul esteve envolvido, alega a acusação, quando Alex sentiu “a ameaça da exposição” de “quem ele realmente era”. O medo de perder a licença para exercer advocacia, a carreira e o legado da família foram crescendo. Os vícios não ajudaram. E os esquemas financeiros só avolumaram o problema.

“A pressão sobre este homem era insuportável e estava a chegar a um crescendo no dia em que ele assassinou a mulher e o filho”, afirmou Creighton Waters.

No entanto, até ao momento, e depois de terem sido ouvidas dezenas de testemunhas, Alex Murdaugh continua a declarar-se inocente do duplo homicídio que pode condená-lo a prisão perpétua. O objetivo do acusado parece ser mesmo só evitar esta condenação, uma vez que já admitiu os crimes financeiros: “Tirei dinheiro que não era meu e não devia tê-lo feito. Detesto esse facto. Tenho vergonha disso. Tenho vergonha pelo meu filho, pela minha família, e não contesto que fiz isso”. 

A melhor "arma" da defesa

A estratégia da defesa também tem passado por sublinhar em tribunal a falta de provas em relação ao duplo homicídio. É que, tirando o vídeo que o coloca no local dos crimes naquela noite, têm faltado outros trunfos concretos à acusação. 

A questão das duas armas diferentes é mesmo o principal foco da defesa de Alex, que chamou um especialista para garantir que há indícios que apontam para dois atiradores. A defesa sublinhou ainda o que considera ter sido um mau trabalho dos investigadores, referindo em tribunal que estes deixaram o local do crime com restos mortais de Paul, para a família limpar.

Esta quinta-feira será a vez dos advogados de defesa de Alex Murdaugh fazerem as suas alegações finais, depois da acusação ter terminado. As últimas palavras do procurador para tentar convencer o júri da culpa do ex-advogado e pai das vítimas foram estas: “Só há uma pessoa que tinha o motivo, os meios e a oportunidade para cometer estes crimes, e também cuja conduta depois destes crimes o traiu. Este arguido estava a viver uma mentira, tinha uma tempestade a aproximar-se e que ia ter consequências para a Maggie e para o Paul."

E.U.A.

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