Alergia a um alimento, intolerância ou mera indisposição? Saiba a diferença e os sintomas mais comuns

12 jun 2022, 12:00
Dor de barriga (Pexels)

As alergias e intolerâncias alimentares têm um grande impacto na qualidade de vida e no próprio regime alimentar da pessoa, mas e se for apenas uma mera indisposição? Uma nutricionista e uma imunoalergologista explicam as diferenças e o que deve fazer

Há quem retire o glúten da alimentação por se sentir inchado depois de comer pão de trigo mesmo sem ter a doença celíaca, assim como há quem fique indisposto após beber leite sem ter intolerância à lactose. 

Os alimentos conseguem interferir diretamente com o sistema imunitário, podendo causar uma reação alérgica, mas podem também ficar reféns da escassez de enzimas e fazer com que o organismo seja incapaz de os digerir. Noutros casos, podem simplesmente não cair bem e causar algum desconforto.

No caso das alergias, a reação mais grave e que pode ser fatal tem verificado um aumento nos últimos anos. A Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC) reconhece que atualmente há mais casos de alergias e a alimentar teve uma variação de 50% (de 4 a 5% para 6 a 7,5%). Estima-se que, em todo o mundo, pelo menos 240 milhões de pessoas possam sofrer de alergia alimentar.

Para tirar todas as dúvidas e evitar que desnecessariamente sejam excluídos alimentos do regime alimentar - que, quando mal planeado ou feito de forma exagerada, pode levar a carências nutricionais -, duas especialistas explicam o que diferencia alergia, intolerância e indisposição e dizem a que alimentos deve prestar atenção - e quais os sintomas mais comuns.

Alergia Alimentar

O que é?

Trata-se de uma reação exagerada do sistema imunitário contra proteínas que estão presentes nos alimentos. Essa reação, começa por explicar Ana Castro Neves, imunoalergologista nas clínicas Lusíadas em Almada e Oriente, pode ser mediada pelo anticorpo Imunoglobulina E (IgE) ou não, dando-se assim dois tipos de alergia alimentar. 

“Numa reação mediada pela IgE, geralmente existe um contacto prévio com o alimento, ocorrendo uma sensibilização. A reexposição ao alimento, ou seja, o contacto posterior com mesmo (não necessariamente a sua ingestão, pode ser através da inalação de vapores de cozedura de alimentos) leva à produção de anticorpos IgE com ativação de várias células do sistema imunitário que libertam mediadores responsáveis pela reação”, continua a especialista. Nestes casos, diz, a reação é imediata - ocorre no máximo até duas horas após a exposição.

Já numa reação imunológica não mediada pelo anticorpo IgE “estão envolvidas outras células e outros anticorpos”. E, nestes casos, “os sintomas são tardios, surgindo após as duas horas de ingestão do alimento”. 

“Apesar da maioria das reações ser ligeira, pode ocorrer uma reação intensa e mais grave e que pode colocar em risco a vida do indivíduo, caso não seja tratada rapidamente e de forma adequada (anafilaxia)”, esclarece Rita Ribeiro, nutricionista na Fisiogaspar.

Quando pode surgir a alergia a um alimento?

Em qualquer fase da vida. “Embora seja mais frequente na infância, a alergia alimentar pode surgir em qualquer idade, desde o recém-nascido até o idoso”, destaca Ana Castro Neves.  

 O que causa uma alergia alimentar?

São muitos os fatores em jogo, mas a imunoalergologista começa por apontar “os fatores genéticos e ambientais e o padrão alimentar, especialmente na infância”.

Pode ser ainda “a introdução de alimentos industrialmente processados ou diferentes do habitual e a existência de familiares com alergia alimentar em cerca de 50% dos doentes”.

Há também que avaliar “as infeções ou alterações do sistema imunitário que podem contribuir para uma fragilidade do intestino, levando a que ocorra uma maior permeabilidade de proteínas estranhas, facilitando a ocorrência de reação contra os alimentos e a existência de alimentos mais alergénicos, ou seja, alimentos com maior facilidade de provocarem alergia”, frisa a especialista.

Quais os sintomas?

Podem ser muitos e variam de pessoa para pessoa. A imunoalergologista Ana Castro Neves aponta os mais comuns, tendo em conta as partes do corpo que podem ser afetadas:

  • Pele e mucosas: prurido (comichão) palmar e/ou plantar, dos lábios, língua ou ouvido; eritema (vermelhidão), pápulas/urticária (babas ou borbulhagem), edema (inchaço) das pálpebras, lábios ou língua; 

  • Olhos: prurido, lacrimejo, eritema conjuntival; 

  • Nariz e boca: espirros, corrimento nasal, obstrução nasal, edema da língua; dificuldade em engolir; 

  • Pulmões e garganta: prurido no palato ou garganta, dificuldade em respirar, tosse seca, opressão no tórax, pieira, alterações da voz como rouquidão e sensação de engasgamento, dificuldade em engolir ou asfixia, cianose (lábios azulados e palidez perioral); 

  • Coração e aparelho circulatório: tonturas, fraqueza, diminuição súbita da pressão arterial, ritmo cardíaco irregular; palpitações, perda de consciência, paragem cardíaca;

  • Sistema digestivo: náuseas, vómitos, diarreia e dor abdominal; 

  • Sistema nervoso: ansiedade, agitação, confusão, visão em túnel, desmaio, sensação de morte iminente; 

  • Outras: Sabor metálico, perda de controlo dos esfíncteres.

No caso das reações alérgicas tardias, os sintomas podem passar por “vómitos, diarreia com muco ou sangue nas fezes ou atraso no crescimento nos primeiros meses/anos de vida, e agravamento do eczema”, conclui a especialista.

Como saber se sou alérgico a um alimento?

Em primeiro lugar, há que atentar aos sintomas descritos acima. Depois, e após uma consulta com um médico, pode ser necessário realizar um teste, sendo o chamado ‘prick-prick’ (teste da picada) o mais comum. Este teste é feito com duas picadas: uma no alimento e outra na pele da pessoa, de modo a avaliar se há reação ou não.

Na avaliação de uma potencial alergia, segundo a SPAIC - Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica , serão investigados ainda fatores, tais como “o estado em que o alimento é ingerido, a ingestão concomitante de outros produtos e a existência de cofatores que podem potenciar a ocorrência de reação alérgica alimentar, tais como a realização de exercício físico, imediatamente antes ou após a refeição, a toma concomitante de certos medicamentos como aspirina e outros anti-inflamatórios não esteroides, bloqueadores beta e outros anti-hipertensores como inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA)”.

Quais os alimentos mais propensos a causar alergia?

“Qualquer alimento pode causar uma alergia alimentar”, diz Ana Castro Neves. Contudo, destaca a médica, na infância “determinados alimentos tais como o leite de vaca, ovo, trigo e peixes são implicados mais frequentemente”. A alergia “aos mariscos, peixe e frutos secos manifesta-se com maior frequência na idade adulta”. 

Embora seja associado ao trigo, o glúten - cuja alergia causa a doença celíaca - está também no centeio, no malte e na cevada e pode estar ainda presente de forma cruzada na aveia e em vários outros alimentos, por via de contaminação.

Em 2019, a SPAIC lançou um livro onde aponta os alimentos e nutrientes que mais comummente dão azo a uma alergia. Além dos já mencionados acima, acrescenta ainda as sementes, os cereais (com destaque para o glúten), as leguminosas (com destaque para ervilha, grão-de-bico e lentilhas, assim como amendoim, a soja e o tremoço), as carnes, os condimentos e as especiarias e ainda os aditivos.

Intolerância Alimentar

O que é?

Segundo Ana Castro Neves, “a intolerância resulta habitualmente da incapacidade de digerir ou transformar os alimentos no organismo”. Tal como a alergia, pode acontecer em qualquer fase da vida, mas, ao contrário da alergia, pode ser momentânea e autolimitada.

O que difere uma intolerância de uma alergia alimentar?

“As reações de intolerância alimentar podem manifestar-se da mesma forma que uma alergia alimentar, contudo não envolve o sistema imunitário”, refere Ana Castro Neves, que destaca também que os sintomas dependem da quantidade ingerida e que a intolerância “habitualmente é menos grave” do que uma alergia.

Quais as causas?

“Embora não seja totalmente claro”, destaca a nutricionista Rita Ribeiro, “na maioria dos casos, o défice de enzimas é apontado como um dos motivos que podem estar na origem de uma reação de intolerância alimentar”. E dá como exemplo a intolerância à lactose, uma das mais comuns e que é desencadeada “pela falta, ou insuficiência, da enzima lactase, que permite a digestão da lacotse”.

Ana Castro Neves acrescenta ainda que a intolerância pode ser “resultado de mecanismos farmacológicos” e da própria “composição química do alimento, ou seja, os aditivos alimentares como os corantes, conservantes e aditivos podem causar intolerância”.

A que sintomas de intolerância deve estar atento?

“A maioria dos sintomas envolvidos num episódio de intolerância alimentar envolvem, maioritariamente, manifestações gastrointestinais”, destaca a nutricionista, que se adianta a explicar que podem existir outras manifestações, dependendo de pessoa para pessoa. 

Entre os sintomas mais comuns estão:

  • Azia;

  • Diarreia;

  • Distensão abdominal;

  • Enfartamento;

  • Fadiga;

  • Flatulência;

  • Mal-estar generalizado;

  • Vómitos.

A que alimentos uma pessoa pode ser intolerante?

Na prática, a qualquer alimento que possa causar uma reação, sendo os diários alimentares uma boa forma de perceber qual o denominador comum dos sintomas. Há a possibilidade de realizar testes de intolerância alimentar em clínicas e centros privados, mas a própria SPAIC alerta para os riscos e falta de fundamento científico para este tipo de diagnóstico. Descartar uma alergia e monitorizar os sintomas, retirando momentaneamente o alimento, sempre com aconselhamento e acompanhamento médico, é a forma mais eficaz de perceber se é ou não uma intolerância.

Segundo o site da CUF, os sulfitos (presente no vinho, alimentos de conserva e refrigerantes), a frutose e alguns hidratos de carbono que atraem água para o intestino durante a digestão (como oligossacáridos fermentáveis, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis) podem ser também causadores de intolerância.

Indisposição

Como saber se é apenas uma indisposição?

Quando já foi descartada a possibilidade de alergia e também de intolerância, o desconforto sentido após a ingestão de um determinado alimento pode ser resultado de uma mera indisposição. “Em algumas pessoas mais sensíveis, a ingestão, mesmo de pequenas quantidades, de alimentos ricos em aminas (exemplo: enlatados, enchidos, morangos, citrinos) ou salicilatos (ex: citrinos, tomate, frutos vermelhos) podem provocar o aparecimento de queixas semelhantes à intolerância e até mesmo o aparecimento de rubor e comichão na pele”, diz a imunoalergologista, explicando que “alguns medicamentos interferem com a produção de algumas enzimas o que pode contribuir para as queixas em algumas pessoas”.

O que fazer em caso de indisposição?

Quando recorrente e associada ao mesmo alimento, o tratamento é idêntico ao de uma intolerância e “consiste na evicção ou diminuição da ingestão”, diz Ana Castro Neves. 

Não será uma intoxicação alimentar?

Perante mal-estar e desconforto gastrointestinal, sobretudo duradouro, pode-se dar também o caso de ser uma intoxicação alimentar, que resulta da ingestão de “alimentos ou bebidas contaminados com bactérias, parasitas e/ou vírus”, diz Ana Castro Neves. 

A intoxicação “manifesta-se de forma semelhante às alergias e intolerâncias alimentares”, mas os sintomas podem aparecer entre horas ou dias e prolongar-se por uma semana, dependendo do agente que causa a intoxicação (que pode ser salmonella ou e.Coli, por exemplo, cujos sintomas podem ocorrer seis horas a seis dias após a ingestão e três a cinco dias após o consumo do alimento e bebida contaminado, respetivamente). 

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