A "coligação semáforo" foi oficialmente desligada na Alemanha, um mês e meio depois de o chanceler Olaf Scholz ter despedido o seu ministro das Finanças, abrindo caminho ao colapso do governo
Olaf Scholz tornou-se esta segunda-feira o primeiro chanceler alemão em quase 20 anos a cair na sequência de uma moção de confiança parlamentar. O colapso da “coligação semáforo”, entre o SPD de Scholz, os liberais do FDP e Os Verdes, era esperado desde o início de novembro, quando o chanceler demitiu o seu ministro das Finanças, o liberal Christian Lindner, por impedir o aumento do teto à dívida pública para aprovar um Orçamento federal para 2025 que preveja, entre outros, mais apoio de Berlim à Ucrânia.
A possibilidade de um Governo alemão ser sujeito a uma moção de confiança foi introduzida na legislação do país após a II Guerra Mundial e apenas quatro outros chanceleres caíram na sequência de votos desta natureza – Willy Brandt, Helmut Schmidt, Helmut Kohl e Gerhard Schröder, com a queda deste último, em 2005, a abrir caminho à primeira eleição da chanceler Angela Merkel.
Sem o apoio dos liberais, a coligação perdeu a maioria parlamentar que detinha, o que significa que era altamente improvável Scholz sobreviver a esta moção. Neste momento, o SPD detém 207 assentos no Bundestag, a par de 117 para Os Verdes, seu derradeiro parceiro político, abaixo dos 367 assentos necessários para sobreviver à moção, de um total de 733.
Após três horas de debate e chumbada a coligação, Scholz deverá propor ainda hoje ao Presidente, Frank-Walter Steinmeier, que o Parlamento federal seja dissolvido, abrindo caminho a eleições antecipadas. Segundo os media alemães, ainda não é certo quando Steinmeier vai tomar esta decisão - de acordo com a Constituição, tem 21 dias para o fazer a contar da data em que a moção é debatida e votada. Depois disso, e como estipulado no artigo 39.º, novas eleições têm de ser convocadas no prazo de 60 dias.
Debate da moção lança campanha eleitoral
Num discurso perante os deputados federais, Scholz, que foi ministro das Finanças da Alemanha na última coligação de Merkel, até 2021, apresentou a ida às urnas antecipada para fevereiro como uma oportunidade para os eleitores definirem uma nova rota para o país, defendendo que as eleições representam uma escolha entre um futuro de mais investimentos ou um futuro de austeridade que os conservadores da CDU estão empenhados em aplicar, disse.
O chanceler acusou a oposição de impedir esses investimentos necessário para a Alemanha ultrapassar a maior crise económica numa geração e sublinhou que "a falta de visão pode poupar dinheiro a curto prazo, mas a hipoteca do nosso futuro é incomportável". Também justificou a decisão de despedir Lindner pela "desunião" intolerável criada pelo FDP, destacando que a política alemã precisa de sittliche Reife, uma expressão antiga que significa, numa tradução livre, "maturidade moral".
No seu discurso, Scholz também pediu reformas ao mecanismo constitucional conhecido como travão à dívida, que impede o Governo de se endividar acima dos 0,35% do PIB. "Se há um país no mundo que pode investir no futuro somos nós", defendeu o chanceler, hasteando bandeiras de campanha como o aumento do salário mínimo para 15 euros/hora e a redução do IVA sobre os alimentos de 7% para 5%. Quanto aos apoios de Berlim a Kiev, Scholz disse ser contra a entrega de mísseis-cruzeiro às forças ucranianas, algo proposto pelo seu principal rival, Friedrich Merz, da CDU.
Já Robert Habeck, atual ministro da Economia e cabeça-de-lista d'Os Verdes, assumiu que a coligação semáforo foi desligada porque os parceiros de coligação "estavam todos irritados uns com os outros" durante as negociações orçamentais e até antes delas. Christian Lindner, cabeça-de-lista dos liberais, voltou a apontar o dedo a Scholz: "Mostrou novamente aqui hoje que não tem força para mudanças fundamentais, as suas respostas não abordam de forma alguma os problemas profundos de inadequação à competitividade económica."
Também em modo de campanha, o líder da CDU, provável vencedor das próximas eleições, culpou o chanceler Scholz por não ter sido capaz de liderar a coligação com sucesso, dizendo que o seu mandato manchou a imagem da Alemanha no contexto europeu. "É embaraçoso a forma como agiu na União Europeia", disse Friedrich Merz e os partidos da coligação "deixam o país numa das maiores crises económicas da história do pós-guerra". Merz também destacou que o SPD integrou governos federais em 22 dos últimos 26 anos, questionando Scholz sobre os porquês de não ter implementado antes as promessas hoje feitas.
Durante essas décadas, apontou o líder conservador, Scholz foi "secretário-geral do SPD, ministro do Trabalho do SPD, ministro das Finanças do SPD e chanceler federal do SPD -- esteve a viajar por outro planeta?"
Alice Weidel, colíder da Alternativa para a Alemanha (AfD, extrema-direita), acusou a coligação pelo que classifica de políticas migratórias falhadas, exigindo que todos os refugiados sírios atualmente no país sejam enviados para o país-natal, e acusou todos os partidos de fazerem da Alemanha um potencial "alvo" de um ataque nuclear da Rússia por fornecerem armas e apoio logístico à Ucrânia.
Logo a seguir, Timo Chrupalla, outro colíder da AfD, também tomou o pódio para acusar a CDU de "copiar" as propostas políticas migratórias da extrema-direita, numa altura em que o líder dos conservadores tem assumido uma postura mais dura de controlos fronteiriços e deportações em comparação com Merkel, a anterior líder da união democrata-cristã. "Com quem querem implementar as propostas?", perguntou Chrupalla diretamente a Merz, em referência à sua recusa em coligar-se com a AfD.
Na reta final do debate, uma ex-comunista que fundou este ano um novo partido de extrema-esquerda populista com o seu nome, a Aliança Sahra Wagenknecht (BSW), juntou-se ao coro de críticas ao governo Scholz, que acusa de tornar "as vidas dos cidadãos palpavelmente piores" desde o início do seu mandato. "Três anos de declínio e pede-nos uma extensão de quatro anos – é a isso que eu chamo ter lata.”
O que acontece agora?
A demissão de Lindner que abriu caminho à moção hoje votada teve lugar horas depois de o republicano Donald Trump ter derrotado a democrata Kamala Harris do outro lado do Atlântico. A queda da chancelaria alemã tem lugar a um mês da tomada de posse de Trump, numa altura em que se mantém latente a sua ameaça de uma guerra comercial com os parceiros europeus, quando os Estados Unidos são o maior mercado de destino das exportações alemãs, das quais a maior economia europeia é largamente dependente.
A data para as eleições federais antecipadas, originalmente previstas para o final de setembro, está definida há várias semanas – 23 de fevereiro de 2025 – sendo que, para cumprir com os prazos definidos, Steinmeier tem de dissolver formalmente o Bundestag antes das férias de Natal, ou seja, até 27 de dezembro. Na sequência da demissão de Lindner, o chefe de Estado já tinha ressaltado há um mês que "o país precisa de maiorias estáveis e de um governo com capacidade de ação".
Com eleições no horizonte, as campanhas dos partidos já estão oficiosamente em curso. Muitos já divulgaram parte dos seus programas eleitorais, esperando-se que SPD, FDP e CDU/CSU, este último o provável vencedor das eleições de fevereiro, publiquem as versões finais desses programas amanhã.
No sábado, o líder dos democratas-cristãos, Friedrich Merz, antecipou "uma das mais duras campanhas eleitorais" da história moderna da Alemanha, na qual os sociais-democratas "estão encostados à parede" e quando a economia estagnada precisa de se tornar mais competitiva, porque "a competitividade da nossa economia é a pré-condição para tudo o resto".
Neste momento, os inquéritos de opinião indicam que os conservadores da CDU ao leme de Merz deverão conquistar cerca de 32% dos votos, seguidos da Alternativa para a Alemanha (AfD, extrema-direita), com 18%, dos sociais-democratas ao leme de Scholz (centro-esquerda), com 16% e d’Os Verdes, com 13%. Os grandes derrotados desta moção de confiança à coligação são os liberais do FDP, vistos como os principais responsáveis pela crise política instalada na maior economia europeia.
“Foi uma total irresponsabilidade política, os liberais bloquearam tudo, rejeitaram qualquer compromisso, e agora as sondagens põem-nos abaixo do limiar mínimo de 5% de votos” para elegerem deputados ao Bundestag, apontava em novembro à CNN Sophie Pornschlegel, do Instituto Jacques Delors.
“Há a perceção generalizada entre o eleitorado de que o FDP foi o grande bloqueador na atual coligação, sobretudo ao impedir mudanças no travão à dívida, que pode ser alterado em circunstâncias especiais – e diria que estas são circunstâncias muito especiais”, adianta Patrick Schröder, analista alemão da Chatham House.
Friedrich Merz, o provável próximo chanceler da Alemanha, já excluiu totalmente a hipótese de se coligar com a AfD, pelo que terá de optar por uma de três alternativas: coligar-se com o SPD, coligar-se com Os Verdes ou coligar-se com ambos, isto a julgar pelas sondagens à data, que ainda podem mudar até ao final de fevereiro.
Os analistas antecipam que a campanha eleitoral deverá ser dominada pela crise económica e financeira que a Alemanha atravessa, bem como pela guerra na Ucrânia e pela questão das migrações que mais tem alimentado a subida da extrema-direita no país.