Há pressões e querelas internas no SPD sobre quem deve ser o candidato do partido às eleições federais antecipadas para fevereiro. Sondagens mostram que há mais eleitores favoráveis ao ministro da Defesa, Boris Pistorius, do que ao atual chanceler, Olaf Scholz, mas para já nada indica que o líder da coligação caída em desgraça vá abdicar do trono. Socialistas querem uma decisão antes da convenção nacional do partido, marcada para 11 de janeiro, cerca de um mês antes da ida às urnas
A menos de 100 dias das eleições federais na Alemanha, estão a aumentar os rumores de um possível “golpe” ao jeito daquele que os democratas norte-americanos levaram a cabo quando afastaram o presidente Joe Biden em detrimento da sua vice, Kamala Harris, que acabaria por perder as eleições para Donald Trump, no mesmo dia em que ruiu a chamada “coligação semáforo” da Alemanha, entre os socialistas do SPD, os liberais do FDP e Os Verdes.
Após o chanceler Olaf Scholz ter demitido o seu ministro das Finanças, do FDP, dentro de um mês a coligação alemã vai ser sujeita a uma moção de confiança no Parlamento, o que abrirá caminho a eleições antecipadas a 23 de fevereiro - e as pressões para que Scholz desista estão em crescendo, com notícias de encontros à porta fechada para preparar o terreno para o atual ministro da Defesa, Boris Pistorius, ser o cabeça de lista socialista nas eleições ao Bundestag.
Publicamente, vários membros do Partido Social-Democrata (SPD) já manifestaram o seu desagrado com a recandidatura de Scholz, numa altura em que as sondagens antecipam que o SPD pode ficar atrás da extrema-direita, em terceiro lugar. “O chanceler fez um bom trabalho numa situação muito difícil, mas agora que chegámos ao fim da coligação precisamos de um novo começo, e isso seria mais fácil com Boris Pistorius do que com Olaf Scholz”, diz o deputado Markus Töns, membro de longa data do SPD, citado pela revista Stern.
Conhecido pela sua franqueza, Sigmar Gabriel, ex-secretário-geral socialista que foi ministro dos Negócios Estrangeiros entre 2017 e 2018, vai ainda mais longe. “Na base do SPD, a resistência a ‘mais do mesmo’ com o chanceler Scholz está a aumentar a cada dia, [mas] a única reação da direção do SPD é apaziguar e proferir declarações de fidelidade”, escreveu na rede social X esta semana. “O que é necessário agora é uma liderança política corajosa. Quem deixar passar isto fará com que o SPD desça abaixo dos 15%!”
Na última semana, segundo vários media alemães, houve dois encontros quentes para debater se Pistorius deve tomar o lugar de Scholz, um deles envolvendo a ala mais conservadora do SPD, segundo a Der Spiegel, e outro do flanco socialista mais à esquerda, de acordo com o Politico - e em ambos, segundo fontes presentes nas discussões, uma parte significativa de legisladores favoreceram a candidatura de Pistorius em detrimento de Scholz.
Na terça-feira à noite, os principais líderes do SPD terão estado reunidos de emergência para discutir qual a melhor forma de evitar semanas de intensos debates internos que poderiam prejudicar ainda mais a performance do principal partido da coligação federal nas próximas eleições. Mas confrontado com as notícias, Dominik Dicken, porta-voz do partido, disse simplesmente ao jornal Bild: “As notícias são falsas.”
No mesmo dia, numa entrevista ao diário Die Welt, Scholz disse estar seguro da “lealdade” de Pistorius e do resto do partido, e acrescentou: “Também posso dizer muito claramente que o SPD e eu queremos ganhar as próximas eleições em conjunto.”
Tudo aponta para uma derrota estrondosa do SPD ao leme de Olaf Scholz. Num inquérito de opinião publicado no sábado, a CDU de Merz surge em primeiro lugar com quase 33% das intenções de voto, seguida da Alternativa para a Alemanha (AfD) com 18% e o SPD de Scholz com menos de 16%. Os números chocam com uma outra sondagem nacional do instituto Forsa divulgada há uma semana, em que uma maioria do eleitorado surge alinhada com os revoltosos do SPD.
Do total de inquiridos, 39% diz que gostava de ter Pistorius como próximo chanceler da Alemanha, contra 25% que apoiam Friedrich Merz, o líder da União Democrata-Cristã (CDU), e apenas 13% favoráveis a Scholz. Mesmo entre os apoiantes da coligação CDU-União Social-Cristã (CSU), 22% também expressam apoio a Pistorius - e entre os eleitores do SPD, 58% preferem o ministro da Defesa a chefiar o governo federal, contra 30% que apoiam o atual chanceler.
"Ministro-modelo da Europa"
Se, há alguns anos, a hipótese de um militarista de gema vir a ser uma das figuras mais populares da política alemã parecia remota, o cenário mudou de figura quando Scholz escolheu Pistorius para chefe da Defesa em janeiro de 2023, uma nomeação que apanhou muitos de surpresa. Sem presença no palco federal, até então o mais alto cargo que havia ocupado fora o de ministro do Interior e do Desporto no governo estatal da Baixa Saxónia.
A escolha, contudo, surgiu num contexto específico: depois de décadas marcadas pelo desarmamento da Alemanha no pós-Guerra Fria, a invasão total da Ucrânia pela Rússia veio reconfigurar as prioridades do eleitorado alemão, hoje muito mais favorável ao reforço do investimento nas Bundeswehr, as forças armadas do país.
Desde que chegou ao poder, Pistorius fez sua bandeira tornar as tropas alemãs “aptas para a guerra”, liderou um esforço de recrutamento na base do voluntariado para reforçar as fileiras militares depauperadas do país e, este ano, assinou um decreto para reestruturar o exército, com um novo foco na defesa territorial em detrimento de ocasionais incursões no estrangeiro. Enquanto defensor acérrimo do aumento da despesa no setor, acima dos 2% do PIB exigido aos Estados-membros da NATO, também foi angariando fãs entre os aliados ocidentais que anseiam que Berlim tome as rédeas da Europa.
Embora mantenha o seu apoio a Scholz para já, há quem diga que Pistorius já está a apontar a mira a uma potencial candidatura eleitoral. Em plena pré-campanha, anunciou há poucos dias que vai apresentar, até ao final do ano, uma nova estratégia para desenvolver a indústria da Defesa alemã. E na semana passada, face a mais uma escalada na guerra da Rússia contra a Ucrânia, fez um aviso sério ao Ocidente e à NATO, sobre Moscovo ter produzido mais armas em três meses do que toda a Europa num ano - o que, nas suas palavras, mostra que, após décadas de “negligência”, os europeus têm de fazer “significativamente mais” na área da Defesa.
“A nova administração Trump vai significar mais protecionismo e novas relações com áreas diferentes do mundo para lá da Europa”, acrescentou citado pela Reuters, e a Europa tem de “fazer o trabalho de casa” e investir mais na sua própria segurança - o tema abordado por Pistorius num encontro com o homólogo francês, Sébastien Lecornu, em Paris, logo após as presidenciais americanas de 5 de novembro.
Ao longo do seu mandato, o ministro da Defesa também viajou frequentemente até à Lituânia para negociar os termos de um acordo para instalar no país do Báltico, até ao final da década, uma base permanente com 5 mil tropas estacionadas. Será o primeiro destacamento permanente da Alemanha no estrangeiro desde o final da II Guerra Mundial, numa decisão que já lhe granjeou elogios de vários países aliados, incluindo o Reino Unido, cujo secretário da Defesa, John Healey, veio definir Pistorius como o “ministro-modelo da Defesa para a Europa”.
"Na política, nada está excluído à partida"
Para já, nada indica que o SPD vá abdicar de Scholz a favor de Pistorius, com a liderança do partido a manifestar claramente que continua a apoiar o atual chanceler, temendo que uma mudança de candidato seja uma jogada demasiado arriscada a três meses das eleições. “Queremos entrar nesta campanha eleitoral com Olaf Scholz”, disse Lars Klingbei, co-líder dos socialistas alemães, no domingo passado, na televisão pública. “Todos os responsáveis máximos do SPD já deixaram isso bem claro.”
“Olaf Scholz é o nosso chanceler federal e conduziu a Alemanha com muito sucesso no contexto de crises sem precedentes”, acrescentou Bernd Westphal, porta-voz de política económica do SPD no Bundestag, ao jornal Star. “Aconselho o meu partido a estar unido e a concentrar-se claramente na campanha eleitoral, com o nosso candidato a chanceler Olaf Scholz”, adiantou, pedindo ao partido que tome uma decisão ainda “este ano”, para “esclarecer” os eleitores.
Para já, está tudo em aberto. Scholz, que ainda não é o candidato oficial do partido, tinha pedido que a moção de confiança à sua coligação fosse a votos a 15 de janeiro, mas o líder da CDU rejeitou a proposta, com o voto apontado a 16 de dezembro. Essa será a data em que o governo vai oficialmente cair, agora que a coligação liderada pelos socialistas perdeu o apoio do FDP. E com base nas aparentes movimentações internas do SPD, é possível que o partido defina quem vai ser o seu candidato nas próximas semanas, para evitar que a decisão seja adiada até à convenção nacional de 11 de janeiro, cerca de um mês antes da ida às urnas.
Mesmo que Scholz continue a dar a cara pelos socialistas, e a julgar pelas sondagens mais recentes, a vitória da CDU de Merz virá sem maioria qualificada, o que significa que precisará de pelo menos um outro partido para formar coligação, e esse será provavelmente o SPD. Isto significa que Pistorius pode voltar a ser nomeado ministro da Defesa do próximo governo, colocando-o em posição de vir a ser o candidato do SPD a chanceler nas próximas eleições federais.
Questionado sobre a possibilidade de vir a substituir o seu líder, Boris Pistorius disse numa entrevista à televisão pública alemã que, para ele, “a questão nem sequer se coloca”, porque o SPD “já tem um candidato a chanceler, o atual chanceler” e que “tudo se resume a isso” - “estou muito feliz com o meu emprego, gosto de ser ministro da Defesa”, adiantou. Mas numa visita recente à Baviera, pareceu deixar tudo em aberto. “Na política, nunca se deve excluir nenhuma hipótese, independentemente de qual seja”, disse aos jornalistas. “A única coisa que posso excluir em definitivo é vir a ser Papa.”