Nas eleições em Brandemburgo, Scholz respirou de alívio, mas a extrema-direita não saiu derrotada

23 set, 22:00
"AfD é tão 1933", cartaz campanha eleições estatais Brandemburgo Alemanha (Markus Schreiber/AP)

O chanceler Olaf Scholz ganha algum fôlego após a vitória do SPD nas eleições estatais de Brandemburgo, a última ida às urnas na Alemanha antes das eleições federais dentro de um ano. Mas antecipam-se "escolhas difíceis" para o partido de centro-esquerda no Estado do leste, e o facto de a AfD ter falhado o primeiro lugar não quer dizer que a extrema-direita tenha saído derrotada

Depois das vitórias retumbantes nas eleições estatais da Turíngia e da Saxónia no início de setembro, sucessivas sondagens antecipavam que o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) ia conseguir destronar o Partido Social Democrata (SPD) em Brandemburgo pela primeira vez em décadas. Isso acabou por não acontecer na ida às urnas de domingo, no Estado do leste alemão – mas tal não significa que a AfD tenha saído a perder.

“Tal como o SPD, a AfD também registou um forte aumento em relação às sondagens anteriores”, indica à CNN Portugal Etienne Hanelt, do Verfassungsblog. Depois de, ao longo do verão, as sondagens terem apontado para uma percentagem de 23% a 24% para os populistas de extrema-direita, “nas últimas semanas o principal tema político na Alemanha foi as migrações, um facto que mudou o foco do eleitorado para um campo que a AfD ocupa – e sem surpresa, a AfD ganhou com este foco no seu tema central”.

Quando faltava uma semana para as eleições estatais de Brandemburgo – o último plebiscito no país antes de todos os alemães serem chamados às urnas para as eleições federais, marcadas para 28 de setembro de 2025 – a chancelaria de Olaf Scholz, que integra o seu SPD de centro-esquerda em coligação com Os Verdes e os liberais do FDP, anunciou a reposição de controlos nas fronteiras da Alemanha com os nove países que a rodeiam, na prática pondo em causa a livre circulação no Espaço Schengen.

Na base dessa decisão esteve o que a chancelaria Scholz classificou de “ameaça séria” representada pela imigração clandestina, na sequência de dois atentados a terem lugar no país no espaço de poucos meses. Na altura, o analista Alberto Alemanno já tinha referido à CNN Portugal que “casos anteriores em que os partidos tradicionais tentaram imitar os seus adversários à direita ensinaram-nos que o original tende a ser preferido à cópia” – a mesma ideia que Etienne Hanelt ressalta agora no rescaldo das eleições em Brandemburgo. 

“Com a imigração a ser apontada como o principal problema, mais eleitores basearam a sua escolha apenas neste tópico, preferindo o ‘original’ de um partido anti-imigração aos adversários que adotaram algumas das suas políticas”, refere o analista político alemão. “O foco nas migrações prejudicou os partidos democráticos, enquanto os populistas ganharam.”

Os colíderes da AfD Tino Chrupalla e Alice Weidel têm motivos para celebrar em Brandemburgo, apesar de terem ficado aquém do primeiro lugar Foto: Liesa Johannssen/Pool via AP

Polarização muito elevada

Os resultados em Brandemburgo mostram isso mesmo. Apesar de o SPD ter conseguido manter o governo estatal, conquistando 30,9% dos votos, a AfD ficou relativamente próxima do centro-esquerda, com 29,2% de votos, e um outro partido populista, de extrema-esquerda, conseguiu alcançar o terceiro lugar.

Falamos da Aliança Sahra Wagenknecht - Pela Razão e Justiça (BSW), batizado com o nome da sua fundadora, uma ex-comunista autoproclamada “conservadora de esquerda”, que desertou do Die Linke (A Esquerda) para formar um novo partido no início do ano. O partido populista é descrito pelo Deutsche Welle como uma combinação “de políticas económicas de esquerda com iniciativas conservadoras em matéria de migrações e de política externa pró-russa”.

Depois de ter conseguido roubar votos a vários partidos tradicionais na Turíngia e na Saxónia, a BSW conquistou 13,5% de votos em Brandemburgo, à frente d’Os Verdes e d’A Esquerda, que não conseguiram eleger um único deputado estatal, à semelhança do FDP, o outro partido da coligação federal que apenas conquistou 4,1% dos votos, abaixo do mínimo requerido para entrar no parlamento estatal. A CDU de centro-direita conseguiu ficar em quarto lugar, com 12,1% dos votos, menos 3,5% do que nas eleições anteriores.

“Tal como aconteceu na Turíngia e na Saxónia, esta eleição apresentou um nível de polarização mais elevado”, aponta Etienne Hanelt. “Mais uma vez, os populistas da AfD, que conseguiram mais 5,7 pontos percentuais, e do BSW, que conquistou 13,5%, obtiveram ganhos significativos.”

Ao contrário dos outros dois Estados do leste que foram a votos este mês, Brandemburgo tem um contexto particular. Desde 1990, com a queda do Muro de Berlim e a reunificação da Alemanha, o SPD esteve sempre ao leme dos sucessivos governos no Estado e esta vez não foi exceção, no que pode ser considerada uma espécie de vitória para Scholz.

"SPD terá de fazer escolhas difíceis"

Uma derrota do SPD em Brandemburgo teria representado um revés significativo para o chanceler depois das duras derrotas na Turíngia e na Saxónia, numa altura em que a sua coligação está cada vez mais tremida. Também por isso, estas eleições foram seguidas pelos media alemães como uma espécie de prenúncio sobre o futuro político de Olaf Scholz, que já sinalizou que pretende ser o candidato do SPD nas eleições do próximo ano ao Bundestag.

"O estado de Brandenbumrgo é muito rural e não representa a totalidade da Alemanha", refere Etienne Hanelt, que ressalta que a AfD tem mais força em estados do leste como este em comparação com o oeste. "A Alemanha de Leste também é relativamente pequena em termos de população, ao todo tem 16 milhões de habitantes, e Brandemburgo só corresponde a 3% da população total - e 70% dos eleitores rejeitaram a mensagem da AfD."

Ainda assim, e apesar de, "para já, [a extrema-direita] só afetar a política federal na medida em que os outros partidos assim o deixarem", os partidos ditos tradicionais devem estar atentos. "Os partidos democráticos devem parar de copiar a retórica e as políticas anti-imigração da AfD, porque isso só serve os populistas", defende Hanelt.

Brandemburgo tem um contexto particular e a vitória do SPD deve-se, sobretudo, à popularidade do governador candidato à recondução, Dietmar Woidke Foto: Markus Schreiber/AP

Contabilizados os resultados, Scholz pode respirar de alívio, mas deve lembrar-se que a vitória do seu partido se deveu sobretudo ao atual governador estatal, Dietmar Woidke. Como destaca o especialista do Verfassungsblog, em julho, dois meses antes da ida às urnas, o SPD registava 19% das intenções de votos e o que terá contribuído para a sua vitória foi o facto de o atual líder de Brandemburgo se ter distanciado da chancelaria federal.

“Woidke é popular no Estado, tem elevados ratings de aprovação, e durante a campanha traçou uma ligação direta entre o seu próprio futuro político e a vitória do seu partido contra a AfD, deixando muito clara a sua intenção de se demitir se a AfD ganhasse”, indica Hanelt. “Ao mesmo tempo, manteve distância em relação ao governo federal e ao SPD federal, não procurando o apoio do chanceler Olaf Scholz para centrar a campanha em temas estatais. Essa jogada deu frutos – e a vitória do SPD teve um custo elevado para os outros partidos.”

Após o fecho das urnas, no domingo à noite, Woidke congratulou-se com as projeções de vitória. “É uma vitória importante para mim, uma vitória importante para o meu partido, e uma vitória importante para o Estado de Brandemburgo”, declarou na sede de campanha. Mas o futuro próximo não é totalmente brilhante, destaca Etienne Hanelt. “O SPD ganhou as eleições, mas terá de fazer escolhas difíceis para formar uma coligação. Uma coligação SPD-CDU tem um voto a menos, pelo que, mais uma vez, a única opção viável será alguma forma de cooperação com a BSW.”

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