Parou numa operação STOP, sabe quais são os seus direitos? Há diferenças entre uma fiscalização e uma condenação

17 abr, 17:00

 

 

Relatório Anual de Segurança Interna dá conta de uma diminuição de 23,1% no número de crimes de condução de veículo com taxa de álcool igual ou superior a 1,2 g/l, mas continua a ser o terceiro crime mais participado em Portugal. No entanto, há uma máxima que deve ter em mente: "Não é por estar num momento de fiscalização que é imediatamente condenado"

Novo período festivo, o mesmo aviso: “Não adote comportamentos que possam diminuir as suas capacidades, designadamente condução em excesso de velocidade ou sob o efeito do álcool”. Apesar dos alertas tanto da PSP como da GNR, a 3 de janeiro, o balanço das operações de Natal e Ano Novo dava conta que 980 detenções por condução com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.

"Impõe-se reforçar a consciência cívica dos condutores e, sobretudo, o conhecimento dos seus direitos perante as autoridades", alerta o advogado especialista em Direito Rodoviário José Godinho Rocha à CNN Portugal, destacando, no entanto, que continuam a permanecer várias dúvidas entre os condutores na altura de soprar no balão e que há um ponto "muito importante" sobre o qual a generalidade dos condutores "não tem noção".

Para José Godinho Rocha há uma máxima que nunca deve ser esquecida tanto pelos condutores como pelos agentes da autoridade em causa: "Não é por uma pessoa estar num momento de fiscalização que é imediatamente condenada". "É por isso que há um procedimento, que há uma lei e que há a Constituição da República Portuguesa, designadamente o artigo 32.º, que é o princípio do contraditório, porque todos temos direitos, sejamos ou não infratores, e isto é realmente importante", destaca, revelando que em vários casos o "procedimento" é desrespeitado.

"Há uma série de questões que têm de ser cumpridas e que muitas vezes não são, assim os condutores acabam por assinar documentos sem saber o que é que assinaram, dando o consentimento legal em como aceitaram tudo de forma correta, o que não é verdade. Muitas vezes são condenados - mesmo em casos em que efetivamente ingeriram álcool - mas de forma errada, porque se não for cumprido esse expediente corretamente, a prova é nula. É isso que dita a jurisprudência e a lei", explica.

Godinho Rocha realça que "se alguém for apanhado numa fiscalização com álcool no sangue e assinar os documentos que lhe são apresentados pelas autoridades sem saber o que são, o pressuposto expediente não foi cumprido e o visado acaba por ser praticamente sempre condenado".

O advogado deixa três conselhos para quem se encontrar numa destas situações:

  • Se não perceber o que consta nos papéis que lhe são entregues, nunca assine - ou lê ou pede para que lhe seja explicado todo o conteúdo do documento, só depois, em consciência, deve assinar.
  • Ligar a um advogado se for possível.
  • Ter em conta que pode estar meia-hora até fazer a contraprova - faz o teste de despiste no alcoolímetro e pode esperar 30 minutos até fazer a contraprova noutro alcoolímetro ou através de análise de sangue numa unidade de saúde (sendo que o transporte deve ser garantido pela autoridade fiscalizadora)
Fonte: Lusa

Pode recusar-se a fazer o teste do balão?

A resposta é simples: não. Contra o que aparenta ser uma perceção social generalizada, José Godinho Rocha lembra que, quer em caso de operações STOP quer de acidentes rodoviários, "a lei obriga todos os condutores (e peões envolvidos em sinistros) a realizar testes de alcoolémia ou de deteção de substâncias psicotrópicas", sendo que "a recusa constitui crime de desobediência, punível com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias, conforme o artigo 348.º do Código Penal. O especialista destaca que só há uma exceção: "Se for provado que o estado de saúde não permite a realização do teste".

"Aqui há algo que é muito importante e que os condutores tendem a não ter noção: o crime de desobediência também retira a carta como se fosse um crime de condução em estado de embriaguez. Ou seja, o que é que o nosso legislador fez? Pensou 'a pessoa quer contornar a lei ao recusar o teste de álcool' e então fez com que a consequência fosse a mesma - perda da carta de condução durante um período mínimo de três meses", explica Godinho Rocha.

Ainda assim, os avisos constantes e a consciencialização dos condutores parecem estar a começar a ter resultados práticos. Em 2024, houve "uma significativa diminuição de 23,1%" no número de crimes , de acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI).

A primeira referência a esta temática continua a estar destacada logo no sumário do balanço anual da Administração Interna, mais precisamente na quinta página, onde se pode ler que "a condução de veículo com taxa de álcool igual ou superior a 1,2g/L continua a ser o terceiro crime mais participado". O RASI aponta ainda que, na tipologia de crimes contra a vida em sociedade, 76,9% das ocorrências foram crimes de condução após a ingestão de bebidas alcoólicas.

O condutor tem sempre direito a fazer a contraprova?

Depois do teste no alcoolímetro, o condutor deve ser informado pelo agente fiscalizador do resultado, das sanções previstas e do direito a realizar a contraprova, explica o especialista. O segundo exame à taxa de álcool no sangue pode ser feito novamente através da análise ao ar expirado pelo condutor ou por análise ao sangue numa unidade de saúde, sendo que "o resultado da contraprova prevalece sobre o do primeiro teste", destaca o advogado, lembrando que "se esta contraprova confirmar o resultado inicial, o condutor suporta os respetivos custos" inerentes à realização e transporte para o exame.

"O condutor que testa positivo ou que recuse fazer o teste fica imediatamente proibido de conduzir por um período de 12 horas", lembra José Godinho Rocha, sendo que "o incumprimento dessa inibição constitui crime de desobediência qualificada é ainda punível com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias".

Fonte: Getty

Há, no entanto, uma outra exceção: "Se entre o momento da condução e a recusa do teste decorrer um intervalo significativo". Ou seja, imaginemos que conduziu, chegou a casa e, largos minutos depois, é interpelado por agente da autoridade, neste caso "poderá não haver lugar a sanção, conforme já reconhecido em jurisprudência", explica José Godinho Rocha.

As coimas, o pagamento e o problema do expediente 

As coimas para esta contraordenação variam consoante o grau de gravidade que está correlacionado com as gramas de álcool por litro de sangue: entre 250€ e os 1.250€ para uma contraordenação grave - 0,5 g/l a 0,8 g/l de álcool no sangue - e de 500€ a 2.500€ para uma contraordenação muito grave - 0,8 g/l a 1,2 g/l. Para casos crime, acima de 1,2 g/l, a multa acabará por ser decidida por um juiz, em regra-geral tendo em conta o estado socioeconómico do infrator, que arrisca ainda uma pena de prisão de um mês a um ano.

Mas devo pagar as coimas? O advogado explica que "depende", definindo dois cenários distintos entre casos crime, acima de 1,2 g/l de álcool no sangue, e as contraordenações rodoviárias. Isto, porque no processo de crime todas as decisões sobre a pena ficarão a cargo de um juiz, mas, até 1,19 g/l, o especialista em Direito Rodoviário considera que a predisposição para pagar a coima desde logo "pode ajudar depois numa defesa" a ser feita à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) com vista a minimizar as sanções acessórias.

De qualquer modo, o condutor deve ter em conta que não é obrigado a pagar a multa no imediato. "Normalmente, o que acontece é que a polícia diz ao infrator que o pagamento é obrigatório, mas não é", explica o advogado, detalhando que "o que acontece é que ficam sem a carta de condução, recebem uma guia e até fazerem o pagamento ou contestarem podem circular com essa guia até ao fim do processo".

Advogado especialista em Direito Rodoviário José Godinho Rocha (DR)

E o que acontece ao carro?

A lei também prevê o que acontece ao veículo que estava a ser conduzido pelo infrator: ou é imobilizado no local ou é entregue a uma outra pessoa devidamente habilitada. 

Os agentes de autoridade também não estão acima da lei em todo este processo. José Godinho Rocha lembra que qualquer condutor ou peão que "entenda que os seus direitos foram violados durante uma operação STOP pode apresentar queixa às entidades competentes".

"Os condutores devem ter tudo isto em mente para garantir que os seus direitos não são violados", culmina o especialista em Direito Rodoviário José Godinho Rocha, deixando, um último conselho: "Esta informação não substitui o aconselhamento jurídico para situações concretas, consulte um profissional habilitado".

Relacionados

Crime e Justiça

Mais Crime e Justiça
IOL Footer MIN