Um buraco negro no sistema MAXI J1820+070 acaba de provar que Einstein estava certo

CNN , Jacopo Prisco
30 mai 2024, 12:00
Buraco negro

“Nesta altura, é difícil apostar contra Einstein”

Albert Einstein tinha razão: há uma zona no limite dos buracos negros onde a matéria já não consegue manter-se em órbita e, em vez disso, cai, tal como previsto pela sua teoria da gravidade.

Utilizando telescópios capazes de detetar raios X, uma equipa de astrónomos observou pela primeira vez esta zona - chamada “região de mergulho” - num buraco negro a cerca de 10.000 anos-luz da Terra. “Temos ignorado esta região porque não dispúnhamos de dados”, diz o investigador Andrew Mummery, autor principal do estudo, publicado recentemente na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. “Mas agora que temos, não conseguimos explicar de outra forma.”

Não é a primeira vez que os buracos negros ajudam a confirmar a grande teoria de Einstein, também conhecida como relatividade geral. A primeira foto de um buraco negro, capturada em 2019, já havia reforçado a suposição central do físico revolucionário de que a gravidade é apenas matéria que dobra o tecido do espaço-tempo.

Muitas das outras previsões de Einstein revelaram-se corretas ao longo dos anos, entre elas as ondas gravitacionais e o limite de velocidade universal. “Nesta altura, é difícil apostar contra ele”, diz Mummery, bolseiro Leverhulme-Peierls do departamento de física da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

“Fomos à procura deste especificamente - foi sempre esse o plano. Discutimos durante muito tempo se seríamos capazes de o encontrar", conta Mummery. “As pessoas diziam que seria impossível, por isso confirmar que está lá é realmente emocionante.”

Na ilustração de um artista, um buraco negro puxa material de uma estrela companheira, formando um disco que gira em torno do buraco negro antes de cair nele foto NASA/CXC/M. Weiss

"Como a borda de uma cascata"

O buraco negro observado encontra-se num sistema chamado MAXI J1820+070, que é constituído por uma estrela mais pequena do que o Sol e pelo próprio buraco negro, estimado em sete a oito massas solares. Os astrónomos utilizaram os telescópios espaciais NuSTAR e NICER da NASA para recolher dados e compreender como o gás quente, chamado plasma, da estrela é sugado para o buraco negro.

NuSTAR é a abreviatura de Nuclear Spectroscopic Telescope Array, que orbita a Terra, e NICER, formalmente conhecido como Neutron Star Interior Composition Explorer, está localizado na Estação Espacial Internacional.

O telescópio espacial NuSTAR da NASA, visto aqui numa conceção artística, foi utilizado pela primeira vez para detetar a “região de mergulho” em torno de um buraco negro foto NASA/JPL-Caltech

“À volta destes buracos negros existem grandes discos de material em órbita de estrelas próximas”, diz Mummery. “A maior parte é estável, o que significa que pode fluir alegremente. É como um rio, ao passo que a região de mergulho é como a borda de uma cascata - todo o seu apoio desapareceu e está a cair de cabeça. A maior parte do que se pode ver é o rio, mas há uma pequena região no fim, que é basicamente o que encontrámos", acrescenta, referindo que, embora o ‘rio’ tenha sido amplamente observado, esta é a primeira prova da ‘cascata’.

Ao contrário do horizonte de eventos, que está mais próximo do centro do buraco negro e não deixa escapar nada, incluindo luz e radiação, na “região de mergulho” a luz ainda pode escapar mas a matéria está condenada pela poderosa atração gravitacional, explica Mummery.

As conclusões do estudo podem ajudar os astrónomos a compreender melhor a formação e a evolução dos buracos negros. “Podemos realmente aprender sobre eles estudando esta região porque está mesmo no limite, pelo que nos dá o máximo de informação”, afirma Mummery.

Uma coisa que falta no estudo é uma imagem real do buraco negro - porque é demasiado pequeno e está muito longe. Mas outra equipa de investigadores de Oxford está a trabalhar em algo ainda melhor do que uma imagem: o primeiro filme de um buraco negro. Para o conseguir, a equipa tem de construir um novo observatório, o Telescópio Milimétrico de África, na Namíbia, que Mummery espera que esteja operacional dentro de uma década. O telescópio, que se vai juntar à colaboração internacional Event Horizon Telescope, vai permitir aos cientistas observar e filmar grandes buracos negros no centro da galáxia Via Láctea e mais além.

Uma ligação ao passado

De acordo com Christopher Reynolds, professor de astronomia na Universidade de Maryland, College Park, a descoberta de provas reais da “região de mergulho” é um passo importante que permite aos cientistas aperfeiçoar significativamente os modelos de como a matéria se comporta em torno de um buraco negro. “Por exemplo, pode ser usada para medir a taxa de rotação do buraco negro”, refere Reynolds, que não esteve envolvido no estudo.

Dan Wilkins, investigador da Universidade de Stanford, na Califórnia, considera que se trata de um desenvolvimento empolgante e salienta que em 2018 registou-se uma explosão de luz extremamente brilhante num dos buracos negros da nossa galáxia, associada a um excesso de raios X de alta energia.

"Na altura tínhamos colocado a hipótese de que este excesso era proveniente do material quente na região de mergulho, mas não tínhamos uma previsão teórica completa do aspeto dessa emissão", diz Wilkins, que também não esteve envolvido no novo estudo.

Este estudo efetua esse cálculo, acrescenta, utilizando a teoria da gravidade de Einstein para prever o aspeto dos raios X emitidos pelo material na “região de mergulho” em torno de um buraco negro - e compara-o com os dados dessa explosão brilhante em 2018.

“Este será o principal espaço de descoberta durante a próxima década”, sublinha Wilkins, “à medida que olhamos para a próxima geração de telescópios de raios X - que nos vão dar medições mais detalhadas das regiões mais internas fora dos horizontes de eventos dos buracos negros”.

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