Miller tinha anteriormente contestado o protocolo de hipóxia de azoto do Estado num processo federal, onde alegava que poderia causar-lhe sofrimento, violando assim as proteções da Oitava Emenda contra castigos cruéis e invulgares
Alan Eugene Miller foi executado na quinta-feira à noite no Alabama, segundo as autoridades estatais, tornando-se o segundo recluso conhecido a morrer por hipoxia de azoto, um método controverso que os críticos dizem ser equivalente a tortura.
Miller, 59 anos, que foi condenado à morte em 2000 pelos assassínios de três homens em 1999, foi declarado morto às 18:38 na prisão de Atmore, informou o comissário do Departamento de Correções do Alabama, John Hamm, numa conferência de imprensa.
Miller agitou-se e tremeu numa maca durante cerca de dois minutos, sendo por vezes o seu corpo puxado contra as amarras, de acordo com a The Associated Press, que teve um repórter a testemunhar o procedimento. O tremor e a agitação foram seguidos por cerca de seis minutos de respirações periódicas e ofegantes antes que ficasse imóvel, informou a AP.
“Não fiz nada para estar aqui”, disse nas suas últimas palavras, que por vezes foram abafadas por uma máscara que lhe cobria o rosto da testa ao queixo, segundo a mesma fonte.
O autor dos três crimes foi equipado com a máscara durante o procedimento, ao mesmo tempo que o gás nitrogénio fluía durante cerca de 15 minutos, conta Hamm. Em resposta à pergunta de um repórter, o comissário confirmou os dois minutos de tremores, que, segundo o próprio, eram de se esperar.
“Haverá movimentos involuntários à medida que o corpo fica sem oxigénio. Não era nada que não esperássemos”, disse Hamm na conferência de imprensa.
“Tudo correu como planeado e de acordo com o nosso protocolo, por isso correu como tínhamos planeado”, respondeu ainda.
A certa altura, um agente responsável na sala, teve de ajustar a máscara de Miller, confirmou Hamm a um pergunta feita um repórter. “Isso é apenas para garantir que a máscara está ajustada”.
“Esta noite, foi finalmente feita justiça para estas três vítimas através do método de execução escolhido pelo recluso”, afirmou a governadora do Alabama, Kay Ivey, através de um comunicado. “Os seus atos não foram de insanidade, mas de pura maldade. Três famílias foram transformadas para sempre por estes crimes hediondos, rezo para que possam encontrar conforto todos estes anos depois.”
A execução de Miller ocorreu depois de uma cadeia de acontecimentos que durou anos e que envolveu a forma como seria condenado à morte: primeiro solicitou a morte por hipóxia de nitrogénio, mas o estado disse que não estava preparado para usar o método, então tentou executá-lo por injeção letal em setembro de 2022. Essa tentativa, no entanto, foi cancelada, com funcionários do estado a dizer que não podiam alcançar as veias de Miller antes que o mandado de execução expirasse.
Posteriormente, o estado concordou em não executar Miller por outro método que não a hipóxia de azoto. Mas, no início deste ano, o Alabama executou Kenneth Smith por hipoxia de azoto, no que se acredita que seja a primeira execução por esse método. Testemunhas disseram que Smith agitou-se e contorceu-se na maca durante minutos antes de morrer.
Miller contestou então o protocolo de hipóxia de azoto do Estado num processo federal, alegando que poderia causar-lhe sofrimento indevido, violando assim as proteções da Oitava Emenda contra castigos cruéis e invulgares. O processo, no entanto, foi resolvido no mês passado.
Os termos do acordo foram confidenciais, embora o procurador-geral do estado, Steve Marshall, o tenha considerado uma prova de que o método de execução com gás nitrogénio do Alabama é constitucional.
“A resolução deste caso confirma que o sistema de hipóxia de azoto do Alabama é fiável e humano”, afirmou Marshall em agosto.
Os defensores do método de execução por hipóxia de azoto, que substitui o oxigénio respirado por um recluso por 100% de azoto, afirmam que é provável que uma pessoa perca a consciência pouco depois do procedimento, o que o torna mais humano do que outros métodos de execução. No entanto, os médicos afirmaram que não conseguiam determinar se ou quando uma pessoa perderia a consciência quando exposta a elevadas concentrações de gás nitrogénio.
A CNN contactou repetidamente os advogados de defesa para obter comentários sobre a sua ação judicial e a execução.
Na quinta-feira, nas horas que antecederam a execução, Miller recebeu nove visitas e teve uma última refeição de hambúrguer com batata cozida e batatas fritas, informou o Departamento de Correções do Alabama.
O crime de 1999
Há mais de duas décadas que Miller está a encarar o fim da sua vida. Foi condenado à morte em 2000 pelos assassínios de Lee Holdbrooks, Scott Yancy e Terry Lee Jarvis, em 1999.
Miller tinha trabalhado com cada uma das vítimas e ficou perturbado quando acreditou que os três “espalharam rumores sobre ele”, de acordo com um comunicado do gabinete do procurador-geral do Alabama.
Na manhã de 5 de agosto de 1999, Miller disparou sobre dois dos três homens na Ferguson Enterprises, em Pelham, Alabama, segundo os documentos do tribunal.
“Estou farto de que as pessoas comecem a espalhar boatos sobre mim”, disse, armado com uma pistola, enquanto saía do escritório do seu patrão, dizem os documentos do tribunal.
Yancy foi alvejado três vezes e ficou incapaz de se mexer depois de o primeiro tiro ter “atravessado a virilha e entrado na coluna vertebral, paralisando-o”.
Holdbrooks foi baleado seis vezes e tentou rastejar por um corredor para fugir antes de Miller lhe dar um tiro na cabeça, “fazendo-o morrer numa poça de sangue”, informam os documentos.
Depois de matar Holdbrooks e Yancy, Miller dirigiu-se ao seu anterior empregador, Post Airgas, onde Jarvis trabalhava.
Miller entrou e disse: “Olá, ouvi dizer que andas a espalhar boatos sobre mim.”
Jarvis respondeu que não o teria feito mas, momentos depois, Miller disparou sobre contra si “uma série de vezes”.
O suspeito foi mais tarde capturado na autoestrada, segundo os documentos do tribunal, com “uma pistola Glock com uma bala na câmara e 11 balas no carregador”.
Um psiquiatra forense que testemunhou a favor da defesa de Miller determinou que este era doente mental e sofria de uma perturbação delirante, o que o levou a acreditar que as vítimas estavam a espalhar boatos. O psiquiatra concluiu, no entanto, que a doença mental de Miller não satisfazia os critérios para uma defesa por insanidade no Alabama.
“Sinto que demorou demasiado tempo a chegar aqui”, disse Tara Barnes, a viúva de Holdbrooks, à CNN na terça-feira.
A CNN tentou contactar os familiares de Yancy e Jarvis.
O que é a hipóxia de azoto?
Em setembro de 2022, as autoridades do Alabama tentaram executar Miller por injeção letal, mas falharam por não terem conseguido aceder às suas veias dentro do prazo exigido.
A execução por injeção letal estava prevista depois de uma decisão do Supremo Tribunal dos EUA ter anulado uma providência cautelar de um tribunal de primeira instância numa longa disputa sobre se o homem morreria por esse método ou por hipóxia de azoto.
Antes dessa primeira tentativa, Miller e os seus advogados tinham lutado para garantir que seria executado por gás nitrogénio, um método que o próprio tinha escolhido anteriormente mas que o Estado não estava preparado para utilizar.
Após a tentativa falhada, foi enviado de novo para o corredor da morte.
Miller e os seus advogados entraram com uma ação para contestar o protocolo de hipóxia de nitrogénio do estado, depois de ter sido usado pela primeira vez na execução de Smith.
Smith foi condenado à morte pelo seu papel num homicídio por encomenda em 1988 e, tal como Miller, tinha anteriormente sobrevivido a uma tentativa falhada de execução por injeção letal em 2022.
O processo de morte por nitrogénio envolve forçar um recluso a inalar 100% de gás nitrogénio, privando-o do oxigénio necessário para sobreviver. Mas a morte por este gás tem vindo a ser criticada, uma vez que os especialistas afirmam que pode provocar dor excessiva ou mesmo tortura.
Durante a execução, no início deste ano, Smith permaneceu consciente durante “vários minutos” e, durante breves momentos depois disso, “tremeu e contorceu-se numa maca”, segundo o relatório de uma testemunha.
Seguiram-se vários minutos de respiração profunda antes de começar a abrandar “até deixar de ser percetível para as testemunhas dos meios de comunicação social”, diz o documento das testemunhas.
“Claramente não foi a morte instantânea e indolor que eles prometeram”, defendeu o Dr. Jonathan Groner, professor na Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Ohio, à CNN na semana passada. “Há muitas sugestões de que não foi bom, não foi agradável”.
Os peritos das Nações Unidas condenaram “inequivocamente” a execução de Smith e a utilização da inalação de nitrogénio, afirmando numa declaração que “não foi nada menos do que tortura sancionada pelo Estado”.
“A utilização, pela primeira vez em seres humanos e a título experimental, de um método de execução que demonstrou causar sofrimento em animais é simplesmente escandalosa”, dizem os peritos da ONU.
“A teoria é que se nos livrarmos de todo o oxigénio, respirando apenas nitrogénio puro, não iremos sentir aquela pressão intensa, como se estivéssemos a suster a respiração, certo? Não é bem assim que funciona”, respondeu Groner, que estuda a pena capital há mais de duas décadas.
Embora o Alabama seja o único estado que testou esse método de execução, não é o único que o adotou. Louisiana, Oklahoma e Mississippi também autorizaram a morte por hipóxia de nitrogénio, de acordo com o Centro de Informação sobre a Pena de Morte.