"Temos de colocar a água no centro da discussão política e económica", afirma o engenheiro e investigador Rodrigo Proença de Oliveira, que não defende o fim dos campos de golfe nem do cultivo dos abacates, mas considera que algumas utilizações deveriam pagar mais por um bem que é escasso: "O preço da água não pode incentivar ao desperdício"
Em Portugal não temos falta de água, mas isso não quer dizer que não tenhamos de refletir sobre o modo como usamos a água que temos. "A falta de água não é, para já, um problema dramático, mas temos de ter consciência que este é um recurso que pode não conseguir satisfazer todas as nossas pretensões. O que é um drama é ignorar esse facto", diz à CNN Portugal Rodrigo Proença de Oliveira, professor e investigador no Instituto Superior Técnico que, há mais de 30 anos, presta consultoria na área da hidrologia e dos recursos hídricos.
"Temos de colocar a água no centro da discussão política e económica. E temos uma discussão para fazer, uma vez que temos pretensões de usos de água crescentes, e temos de decidir quais as que vamos satisfazer e quais as que não vamos satisfazer. Para isso é preciso considerar os custos sociais, económicos e ambientais e tomar decisões", avisa o especialista.
Em termos médios, em Portugal, "até temos bastante água". "Não somos dos países com menos água na Europa. As nossas disponibilidades hídricas per capita são superiores, por exemplo, às de Inglaterra", explica Rodrigo Proença de Oliveira. "O que temos é bastante assimetrias na distribuição da água, quer no espaço quer no tempo, ou seja, temos mais água no Norte do que no Sul e no nosso país chove menos na primavera e no verão, e mais no outono e no inverno. Temos anos húmidos e secos. É muito variável. O que a Inglaterra tem é uma uniformidade no tempo e no espaço. E nós podemos ter situações, em determinados momentos e em determinados locais, que podem ser mais gravosas. É para essas situações que temos de trabalhar."
Com os efeitos das alterações climáticas, o território português está numa trajetória de aquecimento e de redução da precipitação. Todas as projeções apontam para perdas de precipitação substanciais, principalmente no sul do país.
"A seca é um período curto no tempo, temporariamente ficamos com água inferior à necessária. Escassez de água é quando as situações de seca são recorrentes e, portanto, a nossa procura de água aproxima-se da disponibilidade de água." A disponibilidade de água depende, por um lado, das atividades para as quais a água é usada e, por outro lado, das infraestruturas existentes no país.
Em Portugal, 80% da água que gastamos é usada na agricultura, cerca de 10% na indústria e 10% para consumo pessoal e urbano. 195 litros é o consumo médio diário de água por habitante em Portugal, segundo dados da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR).
Ora, se temos pretensões para novas utilizações de água, o que podemos fazer?
- Construir novas infraestruturas
"Em Portugal, construímos barragens e criámos albufeiras que nos permitem ter mais água. As grandes barragens foram construídas dos anos 50 até aos anos 70, nos melhores locais. Os bons locais para construir barragens começam a escassear e, por outro lado, também já temos mais consciência dos impactos ambientais e ponderamos mais a sua construção", considera Rodrigo Proença de Oliveira.
Também podemos usar aquíferos - formações geológicas que proporcionam reservas de água - como já se faz, por exemplo, nas regiões do Tejo e do Sado, também em Coimbra, Aveiro e no Algarve. "É necessário fazer furos, temos que bombar água e isso tem custos energéticos, mas é uma opção", diz o especialista.
"Devemos usar as águas subterrâneas e superficiais de forma integrada", diz. "São decisões que têm de ser tomadas. Esta não é uma discussão técnica, mas política."
- Reutilizar
As águas residuais depois de tratadas podem ter outro usos. Isso acontece, por exemplo, em Singapura e na Namíbia, onde as águas residuais são novamente injetadas na rede e são potáveis.
Em Portugal a água reciclada é usada sobretudo para limpar ruas e na rega de jardins (por exemplo, no Parque das Nações, em Lisboa, mas também em campos de golfe) e, segundo Rodrigo Proença de Oliveira, "há muitos projetos para promover mais a reutilização de água". Um dos exemplos é a ETAR de Frielas que fornece água para a agricultura. "Depende do tipo de cultura, mas se forem cereais, por exemplo, não levanta nenhum problema", explica. Neste momento, no nosso país, as águas recicladas ainda não são potáveis. "É um processo mais exigente e com mais gasto energético."
- Dessalinização
Com 900 quilómetros de costa, transformar a água do mar em potável pode ser uma das soluções para mitigar a escassez de água em Portugal. A primeira central de dessalinização foi construída em Porto Santo, na Madeira, em 1980. A segunda, no Algarve, só deverá começar a funcionar no próximo ano. E há outros projetos em estudo.
Além do investimento necessário para a construção de uma central, "o custo da dessalinização ainda é elevado para certas atividades agrícolas, até porque os campos agrícolas muitas vezes estão longe da costa. A água é pesada e o seu transporte tem elevados custos energéticos", explica Rodrigo Proença de Oliveira.
- Usar a água de forma mais eficiente
"Precisamos de poupar água, evitar o desperdício, isso é óbvio", diz o professor universitário. E, para isso, não bastam as campanhas de sensibilização. Um dos problemas, na sua opinião, é que "o preço da água não pode incentivar ao desperdício e a atividades que precisem de muita água". Se o preço for muito baixo, as pessoas não lhe dão o devido valor. "É preciso ter consciência que a água é um bem escasso e tem que ser valorizado." Além disso, algumas utilizações deveriam pagar mais do que outras, defende. Na agricultura, sabemos que, por exemplo, o arroz e milho precisam de grande quantidade de água, mas também as novas culturas, como os frutos vermelhos e os abacates. Ao contrário de outros, Rodrigo Proença de Oliveira não defende que se proíbam estas culturas mais exigentes do ponto de vista da água. "Mas o negócio é tão rentável que os agricultores pagam a água a 5 cêntimos e isso não é um problema, se calhar poderiam pagar mais", diz.
"Quando existe uma oportunidade de negócio, com ambiente apropriado, deve-se aproveitar." No caso dos frutos vermelhos, em Odemira, por exemplo, esta é uma região que é um pouco mais fresca do que o Algarve e mais quente do norte da Europa e, por isso, permite abastecer o norte da Europa dois meses mais cedo, portanto há claramente aqui uma oportunidade de negócio. A mesma questão se coloca em relação ao cultivo de abacates no Algarve. "A laranja também precisa de muita água, mas é mais resiliente aos períodos de seca. Quando tem menos água a produção é menor ou em menos quantidade, mas resiste. Já o abacate precisa sempre de água, se não morre, e o investimento é muito grande, por isso não se pode correr esse risco", explica.
"O problema não são as culturas nem o negócio. O que temos de perguntar é: vamos fornecer essa água? Como? A que preço? Temos de perceber as implicações ambientais e económicas e tomar decisões."
Cerca de 30% de toda a água captada em Portugal é perdida na distribuição, o que significa que precisamos de sistemas mais eficientes de captação, armazenamento e distribuição. Além de aumentar o preço da água, o Estado pode ajudar na divulgação de técnicas de rega mais eficiente e apoiar a reconversão dos sistemas para reduzir as perdas na rede, defende. Existem sistemas cada vez mais modernos, como por exemplo sistemas gota a gota subterrâneos (que não tem perdas por evaporação) e sistemas que usam a transpiração das plantas nas estufas para produzir água para a rega.
"O que é preciso é sempre medir os custos e os benefícios", defende o especialista. A construção do Alqueva teve custos sociais e ambientais, mas permitiu desenvolver a agricultura, aumentar as exportações, estimular o turismo. Por exemplo, no Algarve o turismo tem um uso de água importante mas esta é também a principal atividade económica da região, que cria empregos e gera riqueza, portanto, não podemos dizer que é um uso de água menos relevante do que se fosse para a agricultura.
Todas as utilizações de água têm "custos sociais, económicos, ambientais". "Quando decidimos qual é o modelo económico para o nosso país temos em conta os vários fatores, e um dos que também deve condicionar as nossas decisões é a água. Não pode ficar esquecida, isso é que é essencial", afirma Rodrigo Proença de Oliveira.