Das ajudas do Estado à gestão hídrica. É assim que Espanha enfrenta a seca extrema

ECO - Parceiro CNN Portugal , Joana Nabais Ferreira
16 mai 2023, 09:50
Seca nas barragens em Portugal (Photo by Omar Marques/Anadolu Agency via Getty Images)

A falta de precipitação e as altas temperaturas ameaçam a Península Ibérica. Perante o problema da seca, Espanha está a tomar medidas para apoiar os agricultores. Já se somam 2.190 milhões em ajudas

Portugal e Espanha atravessam uma situação de seca, que, em Portugal, já colocou 40% do território em seca severa e extrema. No país vizinho, a praticamente um mês do início de verão e com 75% do país em risco de desertificação, o Governo de Pedro Sánchez decidiu tomar medidas para fazer face à seca e ajudar os agricultores e criadores de gado. O pacote de medidas — que o Executivo considerou “urgente” num contexto “complexo” — inclui ajudas diretas do Estado no valor de mais de 636 milhões de euros e subsídio de 70% dos seguros de seca dos cultivos mais afetados pela falta de chuva. Estão também previstos apoios para a construção de centrais de dessalinização e centrais de reciclagem de água.

Com as novas medidas, anunciadas no último de Conselho de Ministros, o Governo espanhol sobe para mais de 2.190 milhões de euros as ajudas ao setor agrário, que já tinha sido apoiado com vários pacotes de medidas aprovadas desde 2022, no valor de mais de 1.400 milhões de euros.

“Estas medidas incluem ajudas de Estado diretas aos setores agrícola e pecuário, num montante superior a 636 milhões de euros, ou a subvenção de até 70% do custo das apólices de seguro contra a seca para as culturas mais afetadas pela falta de precipitação e pelas temperaturas elevadas”, pode ler-se no comunicado que resultou da reunião de Conselho de Ministros.

O resto dos fundos vai distribuir-se em ajudas diretas no valor de 355 milhões de euros ao setor da carne e da produção de leite, 276 milhões para a agricultura e cinco milhões para a apicultura. Além das ajudas diretas, o Governo aprovou ainda benefícios fiscais para os produtores que tiveram uma redução de 20% nos rendimentos.

Em Espanha, desde o início do ano hidrológico — que começou a 1 de outubro de 2022 — até à semana passada, o valor médio de precipitação era 27,5% inferior ao valor médio para este período. Dados do Ministério da Transição Ecológica indicam que os reservatórios do país — que armazenam a água da chuva para aproveitá-la nos meses mais secos — operam, neste momento, com 48,9% da sua capacidade.

Há barragens praticamente secas, especialmente na região da Catalunha. As autoridades espanholas avançam que o mês de abril foi o mais quente e seco em 60 anos. De acordo com a ONU, 75% do país corre risco de desertificação.

Se as consequência económicas e sociais da invasão da Ucrânia já tinham deixado o setor agrícola numa “situação complexa”, agora, as circunstâncias climáticas fazem com que seja “extraordinária e urgente” a necessidade de adotar medidas que “garantam a manutenção e a sustentabilidade das explorações agrícolas e pecuárias, reafirmem a segurança alimentar e permitam reforçar a trajetória de crescimento económico do país”.

Ajudas diretas do Estado

Do conjunto de medidas previstas, no que toca às ajudas diretas do Estado, foi destinado um total de 355 milhões de euros para os produtores de carne de bovino e caprino, e de leite, com o objetivo de compensá-los pelo aumento dos custos de produção. “A falta de precipitação reduziu a disponibilidade de pastagens e obrigou a encontrar alternativas mais caras para a alimentação dos animais, a um custo mais elevado”, sustenta o Governo espanhol.

O decreto estabelece, assim, quantias de ajuda unitárias de 100 euros por vaca e 15 euros por ovelha e cabra para a produção de carne; e de 40 euros por vaca e 10 por ovelha e cabra para o leite. A ajuda será abonada diretamente aos proprietários das explorações que sejam beneficiários de ajudas da Política Agrária Comum (PAC) através do Fundo Espanhol de Garantia Agrária (FEGA).

A estas ajudas somam-se cinco milhões de euros destinados ao setor apícola, uma medida anunciada pelo ministro da Agricultura, Pesca e Alimentação, Luis Planas, no final de março.

“Os setores agrícolas receberão uma ajuda de 276,7 milhões de euros. O Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação determinará as culturas, as zonas e os montantes a que corresponderá esta ajuda em função das mais afetadas pela situação de seca. Para tal, serão tidas em conta as informações sobre a evolução climática e hidrológica fornecidas pelo Ministério da Transição e do Desafio Demográfico e pelas comunidades autónomas.”

Seguros agrários

Outras das medidas que o país vizinho implementou tem a ver com os seguros agrários. O Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação voltou a reforçar em 40.485.800 euros o orçamento destinado a subsidiar a contratação de apólices de seguros agrícolas. Com esta extensão, a linha de apoio do ministério à contratação de seguros agrícolas ascenderá a mais de 358 milhões de euros este ano.

“Esta dotação permitirá subsidiar até 70% do custo das apólices já contratadas — o máximo permitido pela regulamentação europeia — que incluem a cobertura do risco de seca em culturas de sequeiro de herbáceas extensivas, olival, uva para vinho, amendoal, avelã, kiwi, abrunheiro, luzerna, beterraba sacarina e milho forrageiro”, lê-se no decreto.

Medidas fiscais

Em matéria fiscal, ficam isentos do pagamento do imposto sobre imóveis — o Impuesto de Bienes Inmuebles (IBI) — os imóveis dos proprietários de explorações agrícolas ou pecuárias que tenham sofrido, no exercício de 2023, uma redução do rendimento líquido da atividade agrícola de, pelo menos, 20% nas zonas com limitações naturais, de acordo com a regulamentação da União Europeia, ou de 30% nas restantes zonas.

Neste domínio, já o despacho do Ministério das Finanças e da Função Pública, publicado no passado 25 de abril, contemplava uma redução fiscal para o setor agrícola, que baixava 25% aos rendimentos tributáveis em sede de Imposto sobre o Rendimento. Uma medida que abrange 800 mil agricultores e criadores de gado.

Apoio ao financiamento

O decreto prevê ainda um novo aumento de 20 milhões de euros na dotação para bonificações de crédito ao abrigo da linha de crédito ICO-MAPA-SAECA, que pode atingir 15% do montante principal do empréstimo. Esta ajuda já tinha sido disponibilizada no decreto sobre a seca aprovado em março de 2022 com uma dotação de dez milhões de euros e foi, posteriormente, aumentada para 20 milhões de euros no segundo decreto sobre medidas urgentes para fazer face às consequências da guerra na Ucrânia, aprovado em junho de 2022.

Ficou ainda decidido ampliar em três milhões de euros a linha de financiamento das garantias da Sociedad Anónima Estatal de Caución Agraria (SAECA), necessárias para a obtenção destes créditos. No anterior decreto de seca, esta linha estava dotada de 2,7 milhões de euros, tendo sido posteriormente aumentada em mais dois milhões.

Medidas hidráulicas

Entre as medidas aprovadas, a ministra da Transição Ecológica em Espanha, Teresa Ribera, anunciou que o Governo vai apoiar os governos regionais na construção de centrais de dessalinização em Almeria, Málaga (Andaluzia) e Tordera (Catalunha), para as quais serão atribuídos 420 milhões de euros, e 224 milhões de euros para centrais de reciclagem de água em Alicante (Valência). De acordo com a ministra, estas obras não estarão prontas antes do verão de 2023, avança o Cinco Días (acesso livre, conteúdo em espanhol).

Da mesma forma, Ribera garantiu que o Ministério dedicará 35,5 milhões de euros a construções hidráulicas “express”; e aplicará isenções aos agricultores titulares de direitos de irrigação que tenham sofrido redução do abastecimento de água. Em concreto, o programa será dotado de 57 milhões de euros e reduzirá a tarifa entre 50% e 100%, em função da redução do abastecimento de água. Os beneficiários indiretos das obras de regulação na bacia do Guadalquivir, por seu lado, terão uma redução de 50% na taxa.

Até agora, 2023 é o quinto ano com menos água armazenada nos reservatórios desde que há registos. Em termos de precipitação, e desde 1961, que os primeiros quatro meses do ano não eram tão secos como estes, o que aumenta a situação de seca meteorológica de longo prazo em que o país está imerso desde o final de 2022.

Medidas laborais

Já em matéria laboral, o Governo espanhol vai adiar o pagamento das contribuições para a Segurança Social para 0,5%. De acordo com o Executivo, este valor será “oito vezes inferior ao estabelecido este ano” e será aplicado durante cinco meses — de maio a setembro — a mais de 730 mil trabalhadores. Também será prorrogada até 31 de setembro de 2023 a redução do número de trabalhadores agrícolas necessários para aceder ao subsídio de desemprego agrícola, de modo a que este possa ser pago com apenas dez trabalhadores.

Existe ainda uma medida que tem como objetivo limitar os trabalhos ao ar livre sempre que existam alertas laranja e vermelhos devido a altas temperaturas. O Governo esclarece que, sempre que a Agência Estatal de Meteorologia (AEMET) emita esses alertas, “será obrigatória a adaptação das condições de trabalho, incluindo a redução ou modificação das horas diárias previstas”.

Portugal. 40% do país está em seca severa e extrema

Em Portugal, cerca de 40% do país já se encontra em situação de seca severa e extrema, e já se fazem ouvir as preocupações da parte dos agricultores. O próprio Ministério da Agricultura já reconheceu que a situação de seca não mostra sinais de abrandamento, e que, infelizmente, a expectativa é mesmo que agrave significativamente. De tal forma, que se espera um “forte” impacto no setor agrícola e no rendimento dos agricultores.

Beja, Évora, Faro, Portalegre, Santarém e Setúbal são os distritos mais afetados e onde se encontram os concelhos mais vulneráveis, segundo os dados do índice Palmer Drought Severity Index (PDSI), indicador que serve para monitorizar eventos de seca. Atualmente, cerca de 40 municípios encontram-se em situação de seca severa e 27 em seca extrema, “uma superfície equivalente a cerca de 40% do território”.

Uma das principais perdas de rendimento será proveniente das pastagens e do gado, tendo já levado a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) a alertar que o abate de animais para evitar o encerramento das explorações “poderá tornar-se inevitável”.

Confrontada pelos jornalistas com o caso de Espanha, a ministra da Agricultura e Alimentação, Maria do Céu Antunes defendeu que o país vizinho “tem uma situação já muito mais grave que Portugal e teve condições para acionar essa declaração mais cedo”.

“As regras são as mesmas e aplicam-se nos dois países de igual maneira. Não é uma regra nacional e nós só podemos acionar estas medidas junto da Comissão Europeia a partir do momento em que cumpramos este requisito”, acrescentou, no final de uma reunião do Conselho para o Acompanhamento do Regadio (CAR) do Alqueva, em Beja.

Além da Península Ibérica, o problema da seca é comum a todo o sul da Europa e em França. No sul de França há zonas onde já passou a ser proibido lavar o carro, regar o jardim ou encher a piscina.

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