Teletrabalho, licença parental, baixas curtas, estágios: as principais mudanças da nova Lei do Trabalho que entra em vigor em maio

3 abr 2023, 16:47
Condutor de uma bicicleta Uber Eats na baixa de Lisboa (Horacio Villalobos/ Getty Images)

Alguns artigos, relativos aos travões à caducidade das convenções coletivas, vigoram já a partir da publicação da lei em Diário da República. Mas, no geral, nova lei entra em vigor a partir de maio

A nova Lei do Trabalho, que engloba as mudanças aprovadas pelo Parlamento no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, foi publicado esta segunda-feira em Diário da República. O diploma, que os patrões consideram ter normas feridas de inconstitucionalidade, “entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação”, ou seja, a 1 de maio. Mas algumas das medidas, relacionadas com os travões à caducidade das convenções coletivas, aplicam-se a partir desta terça-feira.

Despedir será mais caro, o valor do trabalho suplementar (que acresce ao salário) vai duplicar a partir das 100 horas anuais, o outsourcing será proibido após rescisão de contrato e o trabalho nas plataformas passa a ser regulado. Em matéria de teletrabalho e família, espera-se a isenção fiscal dos gastos com teletrabalho, o aumento da licença parental do pai e o alargamento do direito a teletrabalho a progenitores com filhos com deficiência, doença crónica ou oncológica são algumas das novas regras que passam a vigorar com a publicação do diploma.

O diploma entra em vigor em maio, contudo, algumas medidas, relacionadas com o travão da caducidade das convenções coletivas — artigos 500.º, 500.º-A, 501.º, 501.º-A, 502.º, 510.º, 511.º, 512.º e 513.º do Código do Trabalho – “entram em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.”

Com a entrada em vigor da nova Lei — prevista para maio — cessa igualmente as contribuições das empresas para o Fundo de Compensação, tal como referiu a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, à saída da última reunião da Concertação Social na semana passada. Governo e parceiros discutem agora de que modo o montante de mais de 600 milhões de euros será aplicado. Em cima da mesa está a utilização do mesmo para efeitos de pagamento de indemnizações, formação e habitação aos colaboradores.

O Governo quer ainda que os trabalhadores tenham uma palavra a dizer sobre a aplicação do mesmo, posição que não colhe junto aos representantes dos patrões. Aguarda-se até dia 14 de abril os contributos dos parceiros.

A nova lei e o que muda: algumas das mudanças

A nova Lei operou mudanças em mais de 150 artigos, procurando espelhar um conjunto de 70 medidas definidas no âmbito da Agenda do Trabalho Digno. Conheça algumas das mudanças que passam a regular o mundo do trabalho a partir de maio.

Compensação por despedimento coletivo aumenta

Em caso de despedimento coletivo, o empregador deve comunicar, por escrito, essa intenção a cada um dos trabalhadores que possam ser abrangidos. “Em caso de despedimento coletivo, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 14 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade”, pode ler-se na Lei. Um aumento de dois dias face à anterior Lei.

“O empregador é responsável pelo pagamento da totalidade da compensação, sem prejuízo do direito do trabalho a acionar o fundo de garantia de compensação do trabalho, nos termos previstos em legislação prevista”, refere o mesmo diploma.

Aumento da compensação por caducidade do contrato a termo certo

Em caso de caducidade de contrato de trabalho a termo certo por verificação do seu termo, “o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 24 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, calculada nos termos do artigo 366.º, salvo se a caducidade decorrer de declaração do trabalhador nos termos do número anterior”, refere o diploma.

O trabalhador tem igualmente direito a compensação “correspondente a 24 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade”, em caso de caducidade do contrato de trabalho a termo incerto.

Contratos de trabalho temporário com limite de quatro renovações

O diploma reduz para quatro o número máximo de renovações dos contratos de trabalho temporário, fixado atualmente em seis. “O contrato de trabalho temporário a termo certo não está sujeito ao limite de duração do n.º 2 do artigo 148.º e, enquanto se mantiver o motivo justificativo, pode ser renovado até quatro vezes”, determina o Código.

“A duração de contratos de trabalho temporário sucessivos em diferentes utilizadores, celebrados com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, não pode ser superior a quatro anos”, diz ainda a nova Lei. “Converte-se em contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária o contrato de trabalho temporário que exceda o limite referido no número anterior.”

Empresas proibidas de recorrer a outsourcing durante um ano após o despedimento

Esta é, possivelmente, a norma que mais críticas tem gerado junto do patronato. A nova Lei, no artigo 338ªA, determina que “não é permitido recorrer à aquisição de serviços externos a entidade terceira para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho.”

Contratação coletiva trará mais benefícios para as empresas

“O Estado enquadra os incentivos à contratação coletiva no âmbito das suas políticas específicas, nomeadamente através de medidas que privilegiem as empresas outorgantes de convenção coletiva recentemente celebrada ou revista, no quadro do acesso a apoios ou financiamentos públicos, incluindo fundos europeus, dos procedimentos de contratação pública e de incentivos de natureza fiscal”, pode ler-se no diploma (Artigo 485.º). Abrangidos por estes benefícios estão as convenções revistas ou celebradas “no período até três anos”.

Na última reunião da Concertação Social, Ana Mendes Godinho referiu que em fevereiro o número de trabalhadores abrangidos por acordos de contratação coletiva tinha atingido um número recorde, de 192 mil, o maior desde 2008, um crescimento de 122%.

Valor das horas extra aumenta a partir das 100 horas anuais

O trabalho suplementar superior a 100 horas anuais passa a ser pago com os seguintes acréscimos: “50% pela primeira hora ou fração desta e 75% por hora ou fração subsequente, em dia útil” e “100% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado”, refere a Lei. Até aqui, o valor das horas extra estava fixado em 25%, 37,5% e 50%, respetivamente.

Renúncia a créditos pelo trabalhador

Em caso de fim de contrato ou despedimento, os trabalhadores não vão poder abdicar dos créditos devidos pelo empregador, como subsídios de férias e/ou natal e de formação e horas suplementares. O crédito de trabalhador “não é suscetível de extinção por meio de remissão abdicativa, salvo através de transação judicial”. Ou seja, não pode ser apenas um acordo entre trabalhador e empresa, sem mediação do tribunal.

Novo contrato de trabalho com estudantes em período de férias

O novo diploma prevê um novo tipo de contrato de trabalho destinado a estudantes em período de férias escolares ou em interrupção letiva (Artigo 89.º-A) , o mesmo não depende da condição de trabalhador-estudante” e “não está sujeito a forma escrita”.

Contudo, “o empregador deve comunicar a celebração do contrato ao serviço competente da Segurança Social, mediante formulário eletrónico que deve satisfazer todas as exigências de comunicação previstas noutras disposições legais, assegurando aquele serviço a interconexão de dados com outros serviços que se mostre necessária”.

Estágios aumentam valor de remuneração

Durante o decurso do período de estágio, a entidade promotora paga ao “estagiário um subsídio mensal de estágio, cujo montante não pode ser inferior ao previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 275.º do Código do Trabalho”. Ou seja, os estágios profissionais passam a ser remunerados no mínimo por 80% do Salário Mínimo Nacional (este ano fixado nos 7460 euros), e as bolsas de estágio IEFP para licenciados são aumentadas para 960 euros.

“A entidade promotora do estágio deve ainda contratar um seguro de acidentes de trabalho”, refere ainda a Lei.

Plataformas digitais

O Artigo 12.º-A foi um dos mais controversos de toda a negociação e mexe com as relações laborais entre plataformas digitais, como a Uber ou a Glovo, e os entregadores/estafetas, com as plataformas a considerar que a lei iria rapidamente ser obsoleta, na medida em que é esperada a aplicação nos Estados-membros da diretiva comunitária que vai regular as plataformas digitais.

O diploma define “algumas” das condições que podem levar a que um tribunal determine quem deve ser considerado o patrão de um motorista ou estafeta.

Por exemplo, nos casos em que é a própria plataforma que fixa a retribuição pelo trabalho efetuado ou define limites máximos e mínimos à mesma; quando “exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade”; tem “poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta” ou “os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por estes explorados através de contrato de locação”.

Essa presunção de ligação laboral pode ser ilidida “se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata” ou “invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.”

As plataformas passam ainda a ter o “dever de informação e transparência sobre o uso de algoritmos e mecanismos de Inteligência Artificial na seleção e dispensa dos trabalhadores”, destaca o Ministério do Trabalho.

Teletrabalho: alargamento de abrangência e despesas

O direito ao teletrabalho sem necessidade de acordo é alargado. “O trabalhador com filho com idade até três anos ou, independentemente da idade, com deficiência, doença crónica ou doença oncológica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação, tem direito a exercer a atividade em regime de teletrabalho, quando este seja compatível com a atividade desempenhada e o empregador disponha de recursos e meios para o efeito”, determina o diploma no Artigo 166.º-A.

“O contrato individual de trabalho e o contrato coletivo de trabalho devem fixar na celebração do acordo para prestação de teletrabalho o valor da compensação devida ao trabalhador pelas despesas adicionais“, refere ainda a Lei. Na ausência de acordo entre as partes sobre um valor fixo, “consideram-se despesas adicionais as correspondentes à aquisição de bens e ou serviços de que o trabalhador não dispunha antes da celebração do acordo a que se refere o artigo 166.º, assim como as determinadas por comparação com as despesas homólogas do trabalhador no último mês de trabalho em regime presencial”.

Essa compensação é, para efeitos fiscais, “custo para o empregador e não constitui rendimento do trabalhador até ao limite do valor definido por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas dos assuntos fiscais e segurança social.”

Alargamento da licença parental do pai

A licença parental obrigatória do pai será aumentada dos atuais 20 dias úteis para 28. “É obrigatório o gozo pelo pai de uma licença parental de 28 dias, seguidos ou em períodos interpolados de no mínimo 7 dias, nos 42 dias seguintes ao nascimento da criança, 7 dos quais gozados de modo consecutivo imediatamente a seguir a este”.

O pai tem ainda direito “a sete dias de licença, seguidos ou interpolados, desde que gozados em simultâneo com o gozo da licença parental inicial por parte da mãe.” Em caso de internamento hospitalar da criança durante o período após o parto, a licença “suspende-se, a pedido do pai, pelo tempo de duração do internamento.”

Alargamento da dispensa devido a processos de adoção e acolhimento

Os candidatos a adotante terão direito a “dispensas de trabalho para realização de avaliação ou para cumprimento das obrigações e procedimentos previstos na lei para os respetivos processos” sem limite. Continua a ser necessária a apresentação de justificação ao empregador.

Têm ainda direito a “trabalho a tempo parcial durante três meses, com um período normal de trabalho igual a metade do tempo completo, desde que a licença seja exercida na totalidade por cada um dos progenitores”.

Podem ainda “gozar até 30 dias da licença parental inicial no período de transição e acompanhamento” e têm também direito a licenças para assistência ao filho.

Licença por luto gestacional

Vai ser atribuído três dias consecutivos de luto pela perda de um filho ainda em fase de gestação (Artigo 38.º-A). Ambos os pais terão direito a essa licença por luto gestacional, não existindo perda de qualquer direito ou corte salarial. Os pais terão de apresentar ao empregador uma prova da morte do filho durante a gestação (através de uma declaração do hospital ou centro de saúde, ou ainda atestado médico).

Licença por falecimento alargada

Com a nova legislação definiu-se um alargamento do dia de faltas pelo falecimento do cônjuge, filho e enteado de cinco para 20 dias consecutivos. No caso do falecimento de outros parentes ou afins no 1.º grau na linha reta, licença aumenta para até cinco dias consecutivos.

SNS24 vai passar baixas até três dias

As baixas por doença podem agora ser passadas pelo serviço digital do Serviço Nacional de Saúde (o SNS24), “mediante autodeclaração de doença, sob compromisso de honra, que apenas pode ser emitida quando a situação de doença do trabalhador não exceder os três dias consecutivos, até ao limite de duas vezes por ano.“

Relacionados

Governo

Mais Governo

Patrocinados