Como os cientistas sul-africanos descobriram a Ómicron e desencadearam uma reação em cadeia global

CNN , Tim Lister e David McKenzie
3 dez 2021, 17:00
Nova variante na África do Sul. Foto: AP

Nos primeiros dias de novembro, técnicos dos laboratórios Lancet Laboratories em Pretória, na África do Sul, detetaram características suspeitas em amostras do coronavírus que estavam a examinar.

Essencialmente, faltava um gene no que seria um perfil de genoma normal do vírus. Os testes PCR não detetavam um dos alvos esperado, um sinal de que algo no vírus tinha mudado.

Uns dias depois, o mesmo fenómeno foi detetado no Departamento de Patologia Molecular em Joanesburgo.

Allison Glass, patologista no Lancet, declarou que a descoberta coincidia com um aumento de casos de covid-19 em algumas regiões da África do Sul.

Na província de Gauteng, que engloba Joanesburgo, menos de 1% das pessoas testaram positivo no início de novembro, mas o número aumentou para os 6% em duas semanas e para 16% na quarta-feira.

A descoberta "criou preocupação de poder estar-se a assistir a uma nova vaga," declarou Glass à CNN. "O nosso primeiro pensamento foi: lá se vai o mês de dezembro tranquilo e as férias de Natal."

Três semanas depois, aquilo com que os cientistas sul-africanos se depararam seria conhecido em todo o mundo por variante Ómicron do coronavírus.

O aumento de casos de Gauteng não passou despercebido na Rede de Vigilância Genómica na África do Sul (NGS-SA). O seu diretor, Tulio de Oliveira, convocou uma reunião para 23 de novembro. Declarou à New Yorker: "Soubemos por um membro da nossa rede que um laboratório privado, o Lancet Laboratories, tinha enviado seis genomas de um vírus com muitas mutações. E, quando examinámos os genomas, ficámos bastante preocupados, porque descobriram uma falha numa das amostras no teste PCR."

O CERI rapidamente aumentou a testagem de amostras em Gauteng e descobriu que a variante aparecia com grande frequência. Tulio observou posteriormente no Twitter que, em menos de duas semanas, a nova variante "domina todas as infeções, depois de uma devastadora onda da variante Delta na África do Sul."

A origem é um mistério

Continua a desconhecer-se onde e quando a Ómicron surgiu. Não há um "paciente zero" identificável, a primeira pessoa conhecida a ter sido infetada com esta variante.

Como o diretor do Centro de Controlo de Doenças e Prevenção da África do Sul, John Nkengasong, declarou à CNN a 30 de novembro: "Não conseguimos detetar onde surgiu."

"Os primeiros casos foram reconhecidos e identificados no Botswana e posteriormente na África do Sul", declarou Nkengasong. Mas salientou: "Identificar um vírus, uma nova estirpe ou uma nova variante não significa que a sua origem seja o local da identificação."

"Pode bem ser uma consequência de um surto, provavelmente nalgumas regiões da África Subsariana, onde não há grande vigilância genómica e as taxas de vacinação são baixas", declarou em entrevista telefónica Michael Head, investigador sénior em saúde global na Universidade de Southampton.

Tentar localizar a origem da Ómicron pode ser inútil, se já está em circulação há algum tempo.

Trevor Bedford, do Departamento de Epidemiologia da Universidade de Washington, declarou no Twitter que, com base na análise genómica do Botswana e da África do Sul, "a variante Ómicron deve ter surgido muito antes de ter sido detetada, provavelmente no início de outubro."

Kristian G. Andersen, virologista no Andersen Lab na Califórnia, tem a mesma opinião, tendo tweetado: "Podemos calcular que, com base na diversidade dos genomas com amostras, a maior parte das estimativas aponta para meio de outubro (com grande incerteza), por isso acreditamos que seja relativamente novo."

Também foi detetado grande aumento da carga viral nas águas residuais da região de Pretória no fim de outubro e no início de novembro.

Em declarações a Becky Anderson da CNN na quarta-feira, Michelle Groome, do Instituto de Doenças Transmissíveis da África do Sul, disse: "A vigilância das águas residuais alertou-nos relativamente cedo para estes casos na região de Pretória."

Mas os virologistas reconhecem que, neste momento, estão a lidar com informação muito preliminar sobre a evolução e características da Ómicron.

Transmissão através de viagens

O aumento de infeções no início de novembro pode ter definido o cenário dos muitos casos agora identificados noutras regiões. A maioria dos casos internacionais localizados pela CNN no fim de novembro envolvia pessoas que viajaram da ou pela África do Sul ou de Moçambique, do Malawi, do Botswana e da Namíbia.

Por exemplo, a 11 de novembro, quatro estrangeiros que saíram do Botswana testaram positivo para o coronavírus em testes que posteriormente (a 24 de novembro, segundo o Ministro da Saúde do Botswana) revelaram ter a variante Ómicron.

Também a 11 de novembro, um homem de 36 anos de Hong Kong chegou a casa após uma viagem de 20 dias à África do Sul, vindo via Qatar. Dois dias depois, durante a quarentena, testou positivo. A sequenciação genómica confirmou que se tratava da Ómicron.

Várias pessoas que regressaram a casa infetaram familiares próximos, incluindo na Alemanha e em Itália.

Uma análise da CNN dos dados publicamente disponíveis revela que cerca de 90% das infeções por Ómicron registadas até agora na Europa envolviam indivíduos que tinham viajado por ou da África Austral.

No entanto, a sequenciação é muito limitada nalguns países. Só uma ínfima percentagem de testes covid é submetida a sequenciação, que demora mais do que um simples teste. É quase certo que os dados subestimem a disseminação da variante.

Nem todos os caminhos vão dar à África Austral

Apesar de alguns viajantes da África Austral terem certamente a variante, há outras circunstâncias intrigantes. Uma delas envolve uma mulher belga que tinha viajado para o Egito via Turquia. Chegou a casa a 11 de novembro, e testou positivo para a variante dez dias depois.

Vários casos confirmados no Canadá estão relacionados com viajantes da Nigéria. O caso identificado na Arábia Saudita a 1 de dezembro de um viajante do Norte de África, e o de um médico israelita que testou positivo quando chegou a casa vindo de uma conferência em Londres. Não esteve na África do Sul.

Nenhum dos nove casos declarados na Escócia a partir de 30 de novembro tinha viajado, e todos tinham ido ao mesmo evento a 20 de novembro. A primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, declarou que "a falta de ligação a viagens ou a relações ultramarinas nestes casos sugere que há transmissão comunitária da Ómicron na Escócia."

Declarou também que era improvável que os casos resultassem da Cimeira do Clima COP26, que teve lugar em Glasgow de 31 de outubro a 12 de novembro.

Começa a tornar-se claro que, seja como for que chegou à Europa, a Ómicron estava continente na maior parte do mês de novembro. Nos Países Baixos, o Instituto de Saúde RIVM declarou que encontrou a Ómicron em amostras com data de 19 e 23 de novembro, sendo as primeiras mais de uma semana antes de os passageiros de um voo da KLM que chegou de Joanesburgo terem sido identificados como os primeiros casos de Ómicron no país.

"Ainda não é claro se as pessoas relevantes [nos casos anteriores] também estiveram na África do Sul," declarou o RIVM na terça-feira.

Ainda há tanto por descobrir sobre a nova variante do coronavírus: o quão rapidamente se espalha, se pode iludir ou atacar as vacinas existentes, se resulta apenas em sintomas ligeiros na maioria das pessoas infetadas.

Por agora, a variante Delta continua a ser a estirpe dominante, respondendo por 99,8% das sequências registadas na base de dados GISAID, segundo o mais recente boletim da OMS.

Mas esse boletim também refere que "a África do Sul, onde a Ómicron foi detetada primeiro, tem tido grande aumento do número de casos em várias províncias, coincidindo com a deteção da variante Ómicron."

Na última quinzena, a África do Sul passou de uma média semanal de 290 casos por dia para quase 3800 cases diários. Na quarta-feira, a autoridades declaram 8561 novos casos a nível nacional. As autoridades declararam que três quatros dos casos positivos sequenciados na província de Gauteng eram da Ómicron.

"Os nossos casos estão a aumentar muito rapidamente, penso que provavelmente a um ritmo mais rápido do que vimos desde o início da pandemia, mas não é claro se isto se deve a uma maior transmissibilidade da variante Ómicron ou se é devido a permear o sistema imunitário," declarou à CNN Michelle Groome.

O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, declarou esta semana que "ainda temos mais perguntas do que respostas sobre o efeito da Ómicron na transmissão, gravidade da doença, e na eficácia da testagem, terapêuticas e vacinas," acrescentou.

Mas as provas emergentes, apesar de preliminares, indicam que a Ómicron está em vantagem. O mundo ainda está a tentar perceber uma nova variante do coronavírus que já se espalhou para quase trinta países em quatro continentes.

Covid-19

Mais Covid-19

Patrocinados