Jörg Dornau, reeleito para o parlamento estatal da Saxónia no início do mês, fechou acordo com uma empresa da Bielorrússia para pôr prisioneiros do regime de Lukashenko a trabalhar por 4 libras ao dia na sua plantação de cebolas
Nikolai (nome fictício) será apenas um de vários presos políticos bielorrussos usados como mão de obra barata numa plantação de cebolas detida por um político alemão do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), Jörg Dornau, que no início do ano já tinha sido multado em quase 21 mil euros por não declarar todos os rendimentos que aufere para além do seu salário como deputado do parlamento da Saxónia.
Eleito pela primeira vez para o parlamento do estado do leste da Alemanha em 2019, e reeleito nas eleições estatais do início do mês, Dornau, 54 anos, enfrenta acusações de usar mão de obra barata no negócio agrícola que detém em Lida, uma cidade do oeste da Bielorrússia.
"Apesar das óbvias questões morais relacionadas com a colaboração [de Dornau] com uma ditadura, o assunto poderia ter ido pouco além da questão da coima, não fossem as novas alegações que surgiram, segundo as quais empregou conscientemente presos políticos no país", noticia o Guardian.
As informações foram reveladas pela primeira vez na semana passada pelo jornal independente bielorrusso Reform.news.
Dornau foi contactado pelo Observer, detido pelo Guardian, para comentar as questões legais e éticas em torno destas alegações mas escusou-se a responder.
Segundo Nikolai, cerca de 30 presos bielorrussos, na sua maioria opositores ao regime de Aleksander Lukashenko como ele, trabalhavam na quinta de cebolas de Dornau em fevereiro deste ano, quando o deputado da AfD fez uma visita ao local. Ganhavam cerca de 4 libras por dia para apanhar e selecionar cebolas.
Nikolai começou a trabalhar na quinta semanas depois de ter sido detido pelos serviços de segurança da Bielorrússia por ter feito "like" numa publicação de 2021 nas redes sociais, tendo sido condenado a 15 dias de prisão - um caso que se repete há décadas com milhares de pessoas que se atrevem a criticar o regime de Lukashenko.
Em agosto de 2020, perante o que a oposição diz ter sido a reeleição "fraudulenta" de Lukashenko para um sexto mandato consecutivo, a Bielorrússia foi palco de enormes protestos em massa que levaram à detenção de mais de 35 mil pessoas, muitas delas sujeitas a tortura na prisão ou exiladas desde então noutros países.
Foi dois meses depois disso, em outubro de 2020, que Dornau terá firmado um acordo com a Zybulka-Bel Ltd, a empresa responsável pela exploração da quinta do alemão em Lida, para explorar presos políticos como mão de obra barata.
O regime de Lukashenko, apoiado pela Rússia de Vladimir Putin, tem estado desde 2020 a intensificar a repressão de opositores e dissidentes, sob acusações de "extremismo" e "terrorismo" por atos tão pequenos como tecer críticas em publicações das redes sociais ou seguir canais de Telegram considerados "extremistas".
Grupos de defesa dos direitos humanos como o Viasna calculam que haverá neste momento mais de 1.400 presos políticos no país, incluindo o fundador do Viasna, Ales Bialiatski, que foi laureado com o Nobel da Paz em 2022.
Na quinta do deputado alemão da AfD, Nikolai diz que a vida dos presos políticos era difícil, com longas jornadas de trabalho no frio mês de fevereiro que lá passou. "Tomávamos o pequeno-almoço às 7h da manhã e trabalhávamos até à noite, com poucas pausas", relata ao Observer do Guardian. Ainda assim, diz que preferia aquilo a estar na prisão. "Ia trabalhar com um sorriso, sentia total liberdade em comparação com estar preso. E as cebolas sabiam bem."
O Observer diz que não conseguiu ainda verificar o testemunho de Nikolai de forma independente, mas um grupo que monitoriza a situação dos presos políticos na Bielorrússia diz que tem havido presos a trabalhar na quinta de Dornau pelo menos desde o início deste ano.
"Cerca de 30 pessoas foram trazidas de uma só vez para trabalhar, quer do centro de detenção quer das instalações de detenção pré-julgamento", diz o grupo. "E cerca de 20 recebiam um salário."
Após ter sido libertado da prisão, Nikolai, que já tinha sido preso duas vezes antes desta e que agora enfrentava uma pena mais longa pela sua atividade nas redes sociais, decidiu fugir do país.
Confrontados com as informações sobre o seu deputado, um porta-voz da AfD na Saxónia disse que, "por uma questão de princípio, o nosso grupo não comenta alegações anónimas".
Com as revelações a porem sob escrutínio as ligações da extrema-direita alemã ao regime de Putin e seus aliados, outros deputados do partido no parlamento da Saxónia em Dresden também rejeitaram comentar a notícia.
A única reação do partido até agora, indica o Guardian, veio de um elemento da ala mais radical da AfD, à qual Dornau também pertence, com Hans-Thomas Tillschneider a pedir aos apoiantes que "demonstrem solidariedade" para com Dornau.
Conhecido aliado de Putin que continua a defender a invasão em larga escala da Ucrânia, Tillschneider disse na rede social X: "Se o sistema penal bielorrusso permite a possibilidade de os presos serem postos a trabalhar, tal como na Alemanha, e se tal aconteceu nos campos do meu colega Dornau, então não há nada de errado com isso. Que campanha de difamação!"
"Se as provas do jornal bielorrusso se confirmarem, isto é claramente um caso de exploração de pessoas em difíceis circunstâncias", escreveu também na X um advogado ligado ao partido Os Verdes, que diz já ter apresentado uma queixa criminal contra Dornau . Para além de continuar em silêncio, o deputado de extrema-direita continua a operar a sua empresa na Bielorrússia, sendo proprietário de produções agrícolas de cebolas, de outros vegetais e de alguns frutos, como melões.