De que se queixam os advogados? “Do mesmo que o cidadão comum”

25 abr 2023, 16:00
Justiça (iStockphoto)

O Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados lançou um canal onde os advogados se podem queixar dos serviços públicos e dos problemas que enfrentam. Em pouco tempo recebeu dezenas de queixas

Em pouco tempo de existência, o “POD Protestar” - canal criado pelo Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados onde podem ser comunicadas as dificuldades que os advogados encontram todos os dias no acesso a entidades e serviços públicos - já recebeu mais de 50 denúncias. Finanças, SEF, Conservatórias, há de tudo um pouco. Mais do que isso, acaba por ser um espelho da realidade que qualquer cidadão enfrenta diariamente. Até porque, em muitas destas situações, os advogados atuam mandatados por clientes. “O que recebemos é um retrato do mau funcionamento dos serviços públicos”, afirma à CNN Portugal João Massano, presidente do Conselho Regional de Lisboa.

“O CRLisboa já tinha um serviço de denúncia que funcionava (desde 2020) através de email. O canal POD Protestar é, assim, uma evolução desse primeiro serviço, que passa agora a estar totalmente digitalizado e muito mais ágil”, explica João Massano. “Estamos a falar, por exemplo, de recusa de atendimento sem marcação em serviços da administração pública (como a Autoridade Tributária, Segurança Social), a não aceitação da validade da procuração de um cliente para que o seu advogado trate de assuntos em seu lugar (por exemplo no IGCP - Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública), entre muitas outras dificuldades com que se defrontam”, exemplifica.

E de que se queixam os advogados em relação aos serviços públicos? “Do mesmo que o cidadão comum”, garante. Através do canal, o Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, pretende agregar informação sobre as situações que acontecem, para depois procurar agir junto dessas entidades, alertando para o que se passa e procurando uma solução.

“Esse esclarecimento e articulação com os Serviços Públicos pode, inclusive, passar pela promoção de ações de formação conjuntas assim evitando que as situações se repitam por desconhecimento de normas/direitos por parte de funcionários e colaboradores”, esclarece João Massano.

Algo que, recorda, já aconteceu no passado, como o "protocolo assinado no ano passado com o IRN – Instituto dos Registos e do Notariado, para a criação de um canal de comunicação direto, consistindo na criação de uma caixa de correio eletrónico (duvidas.irn@crlisboa.org) que os advogados podem utilizar para colocar dúvidas e questões sobre os serviços daquele Instituto, nomeadamente o funcionamento específico de conservatórias e questões relacionadas com a aplicação da lei ou a sua interpretação”.

“Um verdadeiro absurdo”

Não só enquanto advogado, mas também como cidadão, o presidente do Conselho Regional de Lisboa, recorda um episódio que se passou consigo: “Um dia dirigi-me a um serviço do IRN para renovar o cartão de cidadão, sem agendamento. Entrei numa sala vazia com dois funcionários. Perguntei se poderia renovar o cartão de cidadão e perguntaram-me se tinha agendamento, ao que respondi negativamente. Questionei se poderia fazer a renovação uma vez que a sala estava vazia, disseram-me que não, porque não tinha agendamento. Perante a minha insistência disseram que iriam colocar-me na vaga de alguém que tinha faltado. Acho isto um verdadeiro absurdo.”

Parece haver falta de orientação dos serviços e João Massano dá outro exemplo. “Os serviços da AT/Finanças estão um caos, temos serviços que continuam a funcionar exclusivamente por agendamento e outros que funcionam, simultaneamente, por agendamento e atendimento presencial”, observa.

De que serviços se queixam? De conservatórias a tribunais

A CNN Portugal teve acesso a algumas das queixas recebidas nos últimos tempos e estas podiam ser de qualquer cidadão. Na Conservatória de Registo Comercial de Braga, um advogado denuncia um “atraso superior a um mês no registo/criação de empresa”. “O prazo de cinco dias para criação de uma empresa no portal Empresa Online é largamente incumprido, demorando mais de 1 mês para constituição da empresa. É impossível o contacto telefónico com a Conservatória e por email foi rececionada a seguinte resposta: ‘Informamos que devido à escassez de recursos humanos existentes nesta conservatória, e ao volume de serviço apresentado, estamos a elaborar os registos apresentados no dia 17/02/2023, pedindo desde já desculpa pelos possíveis transtornos causados’”, lê-se na descrição.

Noutra situação, outro advogado refere uma “demora de mais de 4 meses na emissão de certidões” no serviço de Finanças de Vila Franca de Xira: “Através do E-balcão foi efetuado um pedido de certidão em 25-10-2022, sendo que em fevereiro de 2023 ainda não tinha sido emitida a Certidão.” 

Há também um serviço de Finanças de Lisboa alvo de uma queixa por “exigência de agendamento, com vagas a cerca de 5 meses de distância", violando o direito de preferência. Alega o advogado que “é inaceitável que continue a ser necessário que advogados façam agendamentos junto dos serviços de finanças para atos em representação dos seus clientes". "Fui hoje informado de que só existem vagas para início de agosto, na região de Lisboa, para um simples registo como residente fiscal. O exercício do direito preferencial tem de acautelar estas situações e, se fez sentido na altura da covid esta atuação, hoje em dia já não é aceitável. Não podem, os advogados, ter de se dirigir aos serviços de Finanças para fazer um agendamento em março para tratar de um tema em agosto.”

E nem os tribunais escapam às queixas. O Tribunal de Família e Menores de Lisboa é alvo de reclamação por “impedimento dos advogados acederem livremente à secretaria do tribunal”, considerando que há uma clara “violação do direito de livre ingresso nas secretarias”.

Outro alvo de queixas é o SEF de Lisboa, não só devido ao “incumprimento dos prazos na emissão de documentos”, mas também devido à “impossibilidade de contacto presencial e telefónico”, que numa das situações impediu o acesso aos serviços do SEF para levantamento de um Título de Residência que estava pronto. Sem conseguir “contactar telefonicamente o SEF para agendamento da entrega do documento”, o advogado foi aos serviços, mas foi impedido de entrar sem agendamento. 

O presidente do Conselho Regional de Lisboa admite mesmo que “os serviços públicos funcionariam melhor se o direito de preferência dos advogados fosse respeitado, porque cada advogado pode representar vários cidadãos”.

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