As crianças precisam de ganhar peso durante a adolescência - e aqui está o porquê

CNN , Análise de Michelle Icard
14 mai 2023, 13:00
O peso pode ser um tema sensível durante a adolescência. A maioria das crianças duplica o seu peso entre os 13 e os 18 anos. Tero Vesalainen/iStockphoto/Getty Images

É suposto as crianças continuarem a crescer na adolescência, pelo que as mudanças no seu corpo durante este período não devem ser motivo de preocupação. Os adultos, no entanto, entram numa espiral de medo quando se trata de peso, saúde e autoestima

Há 20 anos que trabalho com alunos do ensino secundário, com os seus pais e com as suas escolas, para os ajudar a ultrapassar os anos sempre estranhos, muitas vezes dolorosos, às vezes hilariantes em retrospetiva, do início da adolescência.

A maior parte das marcas sociais e de desenvolvimento que ganhamos durante a adolescência desaparecem com o tempo. Deixamos de guardar rancor ao miúdo que nos gozou na aula por termos tropeçado, ou perdoamos os nossos maus cortes de cabelo, as amizades falhadas e as desajeitadas tentativas de popularidade.

Mas há uma dor de crescimento que pode ser perigosamente difícil de recuperar e, ironicamente, é a que mais tem a ver com o nosso crescimento físico.

É suposto as crianças continuarem a crescer na adolescência, pelo que as mudanças no seu corpo durante este período não devem ser motivo de preocupação. Os adultos, no entanto, entram numa espiral de medo quando se trata de peso, saúde e autoestima.

As crianças sempre se preocuparam com a forma como o seu corpo se desenvolve. Com tantas mudanças num período tão curto do início da puberdade, avaliam-se constantemente umas às outras para perceberem se o seu desenvolvimento corporal é normal. "Todos os rapazes cresceram durante o verão, mas eu continuo a ser mais baixo do que todas as raparigas. Há algum problema comigo?", "Mais ninguém precisa de sutiã, mas eu preciso. Por que sou tão estranha?"

Mas a preocupação agravou-se nas últimas duas décadas. Tenho visto pais cada vez mais preocupados com a forma como o corpo dos seus filhos muda durante o início da puberdade. Quando dou palestras sobre educação parental, ouço frequentemente os adultos expressarem preocupação e receio de que os seus filhos comecem a ganhar "demasiado" peso no início da adolescência.

Mensagens constantes sobre ser magro podem expor as crianças a ideais irrealistas de saúde e bem-estar. Panupong Piewkleng/iStockphoto/Getty Images

Os pais com quem trabalho preocupam-se com o facto de mesmo as crianças fisicamente ativas, sociais, inteligentes e felizes poderem precisar de perder peso porque pesam mais do que a maioria dos seus pares.

Porque é que os pais se focam tanto no peso? Em parte, acho que é por causa da agitação que tomou conta dos debates nacionais sobre imagem corporal e distúrbios alimentares. No último ano, dois novos ângulos vieram complicar ainda mais esta questão para as crianças.

Lembra-se do monólogo de abertura de Jimmy Kimmel nos Óscares, que tornou o Ozempic e as suas propriedades de perda de peso num nome conhecido? Quer seja nas redes sociais ou na imprensa, os corpos pequenos e a perda de peso são valorizados. É evidente para os adolescentes que conheço que as celebridades adotaram uma nova forma de emagrecer os seus corpos.

As mensagens constantes sobre magreza e boa forma física correm o risco de expor excessivamente as crianças a ideais de saúde e bem-estar difíceis de separar da saúde e do bem-estar reais.

Se acrescentarmos a isto o facto de a Academia Americana de Pediatria ter alterado recentemente as suas diretrizes sobre o tratamento de crianças com excesso de peso, muitos pais estão ainda mais preocupados com a possibilidade de não dizer nada ou não fazer nada em relação ao peso do seu filho possa ser prejudicial.

Pelo contrário. Os pais mantêm os filhos mais saudáveis quando não dizem nada sobre a mudança de forma. Saiba porquê. 

É suposto aumentarem de peso

Para além do primeiro ano de vida, é durante a adolescência que se regista o maior crescimento. A maioria dos adolescentes duplica o seu peso entre os 13 e os 18 anos. No entanto, o aumento de peso continua a ser um assunto delicado e por vezes assustador para os pais que receiam que os filhos ganhem demasiado peso, demasiado depressa.

É importante perceber o que é normal. Em média, os rapazes crescem mais entre os 12 e os 16 anos. Durante esses quatro anos, podem crescer 30 centímetros e engordar entre 22 e 27 quilos. As raparigas têm o seu maior pico de crescimento entre os 10 e os 14 anos. Em média, podem ganhar 25 centímetros de altura e 18 a 22 quilos durante esse período, de acordo com os gráficos de crescimento dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA.

Em média, os rapazes crescem mais entre os 12 e os 16 anos. Podem crescer até 30 cm. Lock Stock/Digital Vision/Getty Images

"É perfeitamente normal que as crianças ganhem peso durante a puberdade", sublinhou Trish Hutchison, pediatra certificada com 30 anos de experiência clínica e porta-voz da Academia Americana de Pediatria. "Cerca de 25% do crescimento em altura ocorre durante este período, pelo que, à medida que os jovens crescem, também ganham peso. A partir dos dois ou três anos, as crianças crescem, em média, cerca de 5 centímetros e ganham cerca de 2,2 quilos por ano. Mas, quando atingem a puberdade, esse número normalmente duplica.

Novas diretrizes sobre crianças e peso

Em janeiro, a Academia Americana de Pediatria publicou um conjunto revisto de diretrizes para pediatras, que incluía recomendações de medicamentos e cirurgia para algumas crianças obesas.

Em contrapartida, as diretrizes de 2016 falavam sobre a prevenção dos distúrbios alimentares e "encorajavam os pediatras e os pais a não se concentrarem em dietas, a não se concentrarem no peso, mas nos comportamentos de promoção da saúde", lembrou Elizabeth Davenport, dietista de Washington, DC.

"As novas diretrizes colocam o peso no centro da saúde", observou. "E, como sabemos, há muitas outras medidas."

As mensagens dos médicos são prejudiciais para os adolescentes?

Davenport disse estar preocupada com o facto de as crianças poderem interpretar mal as conversas dos pediatras sobre o peso, interiorizarem informações incorretas e recorrerem a uma alimentação desequilibrada.

"Uma criança pode interpretar essa mensagem como 'não preciso de comer tanto' ou 'há algo errado com o meu corpo', e isso pode levá-la por um caminho muito perigoso", alertou. "Podem interpretar como 'preciso de fazer dieta' e o que sabemos é que fazer dieta aumenta o risco de desenvolver um distúrbio alimentar."

Muitos pré-adolescentes já tentaram fazer dietas e muitos pais já puseram os seus filhos a fazer dieta.

"Algumas estatísticas atuais mostram que 51% das raparigas de 10 anos já tentaram fazer dieta e 37% dos pais admitem ter colocado os seus filhos em dieta", indicou Hutchison, acrescentando que a dieta pode ser uma preocupação com as novas orientações da Academia Americana de Pediatria.

"Há provas de que conversar sobre a obesidade pode facilitar um tratamento eficaz, mas as famílias devem saber quando essas conversas são necessárias", disse Hutchison. "O impacto psicológico pode ser mais prejudicial do que os riscos para a saúde."

O peso pode ser um fator importante 

Não é que o peso não seja importante. "Precisamos de saber qual o peso das crianças e dos adolescentes", observou Davenport. "Como dietistas, não somos contra a pesagem das crianças porque é uma forma de ver como estão a crescer. Se houver algo de estranho na curva de crescimento de um adolescente, temos de perceber o que se está a passar. Mas não temos de falar de peso à frente deles.

Por outras palavras, o peso é um dado. Pode ou não indicar que há algo a tratar. A maior preocupação, de acordo com Davenport, é quando uma criança não está a ganhar peso. É um sinal de alerta de que algo está a acontecer.

"A obesidade já não é uma doença causada pela entrada e saída de energia", sublinhou Hutchison. "É muito mais complexa e envolve outros fatores, como os genéticos, fisiológicos, socioeconómicos e ambientais."

É importante que os pais e os prestadores de cuidados percebam que "a obesidade ou o excesso de peso NÃO são indicadores de uma má educação parental", notou. "E que a culpa não é da criança ou do adolescente."

Também é importante notar, disse Hutchison, que as novas diretrizes da Academia Americana de Pediatria, que são apenas recomendações, não são para os pais. Fazem parte de um documento de 100 páginas que fornece aos profissionais de saúde orientações de prática clínica para a avaliação e tratamento de crianças e adolescentes com excesso de peso ou obesidade. Os medicamentos e a cirurgia são abordados apenas em quatro páginas do documento.

O que podem os pais fazer para proteger os seus filhos?

Os pais precisam de trabalhar o seu próprio preconceito em relação ao peso, mas também precisam de proteger os seus filhos de profissionais que não sabem falar com os seus pacientes sobre o peso.

"Há mais de 20 anos que trabalho na área do tratamento de perturbações alimentares e, infelizmente, não consigo contar o número de doentes com quem falei e que parte do que desencadeou a sua perturbação alimentar foi o facto de terem ouvido de um médico que havia um problema ou uma preocupação de algum tipo com o seu peso", contou Davenport.

Hutchison afirmou que os médicos e outros prestadores de cuidados de saúde têm de fazer melhor.

"Todos nós temos muito trabalho a fazer quando se trata de conversas sobre peso", disse Hutchison. 

"Temos de abordar cada criança com respeito e sem julgamento, porque não queremos que as crianças pensem que há algo de errado com o seu corpo."

A abordagem correta, de acordo com a Academia Americana de Pediatria, é fazer perguntas aos pais que não usem a palavra "peso". Um exemplo dado por Hutchison: "Quais são as preocupações, se é que existem, que tem relativamente ao crescimento e à saúde do seu filho?"

Trabalhando com sensibilidade, Hutchison disse acreditar que os médicos podem ter um impacto positivo nas crianças que precisam ou querem orientação para comportamentos de promoção da saúde.

As crianças podem interpretar mal as conversas dos médicos sobre o seu peso e interiorizar informações incorretas. ljubaphoto/E+/Getty Images

Davenport e a sua sócia na Sunny Side Up Nutrition, com o contributo do Carolina Resource Center for Eating Disorders, foram mais longe. Criaram um recurso chamado Navigating Pediatric Care (Navegar nos Cuidados Pediátricos) para dar aos pais indicações sobre os passos que podem dar para pedir aos profissionais de saúde que discutam o peso apenas com eles - e não com as crianças.

"É suposto os pediatras pedirem autorização para falarem sobre o peso em frente das crianças", disse Davenport. "É um direito dos pais perguntarem isto e defenderem os seus filhos."

Davenport aconselha os pais a telefonarem com antecedência e a marcarem uma consulta para falarem sobre este tema, antes de levarem o seu filho a uma consulta. Sugere também que telefonem ou enviem um e-mail com as suas questões, embora admita que possa ser menos eficaz num ambiente com todas as partes presentes. Recomenda a impressão de um pequeno cartão para entregar à enfermeira e ao médico na consulta. Também pode dizer à frente da criança: "Preferimos não falar de peso à frente do meu filho."

 

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