Um iPhone fabricado na China para uma marca americana e vendido na Europa paga tarifas? 

Não, não são coisas do outro mundo. É o Admirável Mundo Trump
Sáb, 12 abr 2025

A pergunta do título serve para irmos diretos ao assunto. O assunto são as "tarifas recíprocas" de Donald Trump, o seu último choque no mundo que serve para nosso primeiro tema desta nova newsletter. Adiante falaremos de nós, para já falemos dele com o objetivo de chegarmos a si.

Olhe bem para o seu smartphone. Vamos usar um semelhante como exemplo canivete-suíço: do comércio internacional globalizado, das tarifas que se cobrarão, dos preços que se praticarão, da inflação que surgirá, das fábricas que se deslocalizarão e dos empregos que se criarão - ou da sua destruição. 

 

Símbolo da globalização

Ninguém poderá fazer um iPhone sozinho. Este símbolo da inovação tecnológica americana nasce do cérebro dos engenheiros da Apple, na Califórnia. Mas o coração do telemóvel, o chip A18, vem de Taiwan e é feito com máquinas holandesas. O ecrã é cortesia da sul-coreana Samsung. Os minerais vêm de três continentes diferentes, das profundezas da Austrália, da Bolívia e do Congo. Tudo é depois montado com precisão na megafábrica da Foxconn, na cidade chinesa de Shenzhen. E daí os iPhones são expedidos para todo o mundo.

 

O preço do iPhone na Europa

Trump anunciou pesadíssimas tarifas à China e suspendeu as tarifas recíprocas sobre a União Europeia, anunciando ainda assim uma tarifa "geral" de 10%. O que sucede então ao exemplo do título? 

Nada.

Mesmo sendo de uma marca americana, a Apple, o iPhone é produzido na China e expedido diretamente para a Europa. Não está sujeito às tarifas de Trump.

 

"Tratando se de um iPhone integralmente produzido na China, a sua origem será sempre chinesa, independentemente da marca ser americana. À importação deste produto, desde que diretamente da China para a União Europeia, são aplicados os direitos aduaneiros (tarifas) da Pauta Aduaneira Comum, que são iguais para todas as origens/países extra-UE (com exceção dos países que tenham acordos preferenciais com a UE)." Resposta de fonte oficial do Ministério da Economia à CNN Portugal 

 

As tarifas aplicadas pelos 27 são baseadas no país de origem do produto e não na nacionalidade da empresa. O iPhone, produzido maioritariamente na China, é classificado como um produto "Made in China" segundo as regras do Sistema Harmonizado, utilizado pela UE. Isto significa que, mesmo os Estados Unidos apliquem tarifas de 10% à UE, o preço deste smartphone não será afetado pelas taxas americanas. 

 

O preço do iPhone nos EUA

Tomemos como exemplo um iPhone 16 Pro Max. Em Portugal, ele custa neste momento em torno dos 1 100 €, sendo que nos EUA custa 1 199 $ (o mesmo que 1 060 € ao câmbio desta sexta feira). O preço é, pois, semelhante.

Com as novas tarifas de Trump sobre a China, o preço mantém-se na Europa e sobe nos Estados Unidos. Uma análise da UBS estima que o preço deste modelo da Apple veja o preço disparar de 1 199 para 1.999 dólares, um aumento de 800 dólares, ou 67%, devido à tarifa de 145% aplicada pela administração americana.

Os mesmos analistas calculam que o impacto será muito menor para os modelos da empresa que são produzidos na Índia e que poderão ter um aumento de apenas 45 dólares.

 

Quanto custaria o iPhone produzido nos EUA?

Se o iPhone encarece nos EUA, várias coisas podem acontecer, incluindo sofrer uma quebra abrupta de vendas neste mercado. A esperança de Donald Trump é outra: a de que empresas como a Apple, que produzem produtos como iPhone na China, encerrem aí as suas fábricas e as abram nos EUA, aí criando emprego. 

Será?

Dan Ives, líder global da empresa de estudos Wedbush Securities, disse à CNN que essa ideia ”é um conto de ficção". 

A cadeia de produção é tão grande e complexa, e exige tanta especialização e logística, que a sua produção nos EUA, além de necessariamente morosa, implicaria um aumento de custos enorme e poderia fazer disparar os preços de venda do iPhone para 3 500 $, devido à inevitável subida dos custos com mão-de-obra e novas infraestruturas.

O iPhone não é representativo de toda a economia, claro. Mas é um exemplo sobre a complexidade - e as ramificações - da aplicação de tarifas tão elevadas. Se bem que, como escreve Bernardo Mota Veiga, "a guerra económica entre os Estados Unidos e a China já não tem nada a ver com tarifas", afirma o especialista em investimentos. "Uma tarifa de 125% ou de 145% não é uma tarifa, é um corte às importações que ninguém quer assumir preto no branco." 

 

"Trump está a usar o paradigma do homem louco" 

"Trump está refém da teoria do comércio de Peter Navarro, um promotor de teorias da conspiração, que vendeu ao presidente esta grande teoria da conspiração de que o mundo inteiro se uniu para tramar os EUA", afirma António Costa e Silva, em entrevista à jornalista Joana Azevedo Viana, que publicamos hoje na CNN Portugal.

"Mesmo aquela tabela de cálculo das tarifas não tem nexo", acrescenta o ex-ministro da Economia. "É totalmente aleatório, e os números da Organização Mundial do Comércio mostram isso. A minha opinião é que é um pretexto para desencadear uma guerra que não vai surtir muitos efeitos e os que surte, como estamos a ver, são nocivos."

A pausa de 90 dias não vai reverter os danos causados à economia mundial, considera, apontando saídas para a UE e para Portugal. Até porque, sublinha, "é uma ilusão pensar que as coisas com Trump vão ser diferentes". 

Leia aqui a entrevista na íntegra.

No meio dos prejuízos, os lucros

Entretanto, enquanto o mundo olhava alarmado para as reações dos mercados financeiros, outros - poucos - aproveitaram para revelar o investidor que há dentro deles. Foi o caso de Marjorie Taylor Greene, congressista republicana da Geórgia que, entre 16 de março e 9 de abril, fez uma sequência de compras altamente lucrativas, de acordo com a plataforma Capitol Trades, que segue os investimentos em bolsa dos governantes americanos. 

Entre 17 e 27 de março, Greene desviou-se do seu habitual padrão de compra de ações de empresas para comprar entre 300 e 750 mil dólares em títulos do tesouro americano, um investimento considerado seguro por investidores quando querem proteger o seu dinheiro da incerteza. A 3 de abril, um dia depois da queda, Green investiu centenas de milhares de dólares em várias empresas americanas, parando as compras um dia antes de Trump anunciar a suspensão das tarifas.

 

Quem está a ganhar a guerra?

Na Ucrânia, enquanto decorrem as negociações para um cessar-fogo entre Washington e Moscovo, as tropas russas acabam de lançar uma nova ofensiva, nas regiões de Kharkiv e de Sumy. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, já tinha alertado para o que dizia ser um aumento significativo de forças russas nas fronteiras destas regiões e agora o chefe das Forças Armadas ucranianas, Oleksandr Syrskyi, confirmou que a ofensiva de primavera russa "já começou". 

Ao mesmo tempo, continuam entre quatro paredes as negociações entre o Kremlin e a Casa Branca para parar os combates.

A agência estatal russa TASS relata que o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, disse aos americanos que levantar as sanções contra a companhia aérea estatal, a Aeroflot - que foi severamente afetada pelas sanções que impedem o fornecimento de peças sobressalentes e de manutenção -, pode ser um passo importante para a paz.

 

Mas as ações do Kremlin sugerem outra realidade. A Rússia lançou 70 mísseis, 6 mil bombas guiadas e 2.200 drones de longo alcance contra a Ucrânia, desde que Kiev acordou com o cessar-fogo total de 30 dias proposto pela Casa Branca.

 

Há ainda cada vez mais sinais dos EUA que estão a preocupar a Ucrânia. O Pentágono anunciou a decisão de "realocar" os quase dois mil militares americanos que operam um dos principais hubs logísticos de ajuda à Ucrânia, na Polónia. Ao mesmo tempo, na reunião de ministros da Defesa da NATO, Rustem Umerov admitiu que a União Europeia, que anunciou novo apoio de 21 mil milhões de euros, está a tornar-se "líder" no envio de assistência de segurança. O que fica por dizer é que essa liderança surge do vazio de apoio da administração americana, que aprovou o último pacote de auxílio há três meses e três dias.

 

O Laboratório de Guerra

Da linha da frente, surgem notícias animadoras.

A Ucrânia parece ter desenvolvido um novo dispositivo eletrónico que está a permitir contrariar uma das armas mais perigosas do exército russo, que permitiu a Moscovo sérios avanços no terreno, desde que foi introduzida, nos primeiros meses de 2023. Chama-se "Lima" e aparenta ser capaz de bloquear as comunicações entre as bombas planadoras russas e os satélites, levando a que estas munições precisas falhem os seus alvos. 

Em 2023, quando a Rússia começou a utilizar as bombas planadoras FAB-500, as linhas defensivas ucranianas foram significativamente debilitadas. O melhor exemplo aconteceu na cidade-fortaleza de Avdiivka, onde a Rússia conseguiu utilizar estas armas para conquistar uma das regiões mais defendidas da linha da frente. Caso seja aplicado de forma consistente e com sucesso, este equipamento pode frustrar significativamente as capacidades russas de avançar no terreno.

 

"Oh admirável mundo novo que tem pessoas assim!"

A história desta nova newsletter, que esteve para chamar-se "O Fim do Mundo ao Minuto", está contada aqui. Enquanto o planeta Terra mantém a sua regular translação, os poderes do mundo giram velozmente e com consequências geoestratégicas. É sobre isso este projeto.

Acompanhe-nos em tempo real no Ao Minuto da Guerra na Ucrânia e no Ao Minuto do Admirável Mundo Novo.

 

 

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