O Ocidente está a perder a guerra de números na Ucrânia
Quase todas as noites, o som dos alarmes que alertam para ataques aéreos despertam milhares de famílias ucranianas para correr para o abrigo mais próximo. Nos céus, um misto de drones equipados com explosivos, mísseis balísticos e de drones desarmados que servem como engodo para as defesas antiaéreas estão a levar até ao limite as capacidades defensivas da Ucrânia. Mas recentemente algo mudou. De tal forma que até o exército americano já está a retirar lições sobre um combate que rapidamente se pode tornar "insustentável".
Durante os primeiros dois anos da invasão russa, a Ucrânia foi capaz de equilibrar o campo de batalha através da inovação, produzindo centenas de milhares de drones baratos que carregam uma carga explosiva, muitas vezes suficientemente grande para destruir veículos blindados e travar as ofensivas de Moscovo. O choque inicial, que mostrou um exército russo sem preparação para este tipo de combate, obrigou o Kremlin a recorrer a uma parceria com o Irão para obter uma licença de produção do drone Shahed-136, um veículo não tripulado de longo alcance capaz de transportar um explosivo até 90 quilos.
Só que aquilo que começou com pouco mais de umas centenas de drones por mês está a mudar, e muito. O número e frequência dos bombardeamentos de drones de longo alcance russos está a aumentar. Em junho, a Rússia lançou 5.429 drones de longo alcance contra alvos na Ucrânia e este mês o número pode ser ainda maior, com 4.929 drones lançados até dia 21 de julho. Só no dia 9 de julho Moscovo lançou 728 drones contra vários alvos no país. A frequência com que os ataques acontecem também encurtou de um ataque a cada dez dias para um ataque a cada três.
Para piorar, a versão russa dos drones iranianos passou a ser equipada com explosivos termobáricos, o que as tornou significativamente mais perigosas e mortíferas. As bombas termobáricas criam uma explosão de alta pressão que consome o oxigénio do local e gera uma onda de choque devastadora, capaz de destruir edifícios. E o resultado está à vista. O mês de junho foi o mais mortífero para civis dos últimos três anos de guerra, com 232 pessoas a perder a vida, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
A Zvezda, uma televisão estatal que é propriedade do Ministério da Defesa russo, mostrou o interior da fábrica de Alabuga, na região do Tartaristão. Segundo o diretor da fábrica, Timur Shagivaliev, esta é a "maior e mais secreta" instalação de fabrico de drones do mundo e já produz "nove vezes mais do que o planeado", uma vez que o Kremlin se certifica de que não faltam fundos para a operação. Apesar de não referir o número exato de drones produzidos, o major-general alemão Christian Freuding admite que o objetivo russo é conseguir atacar a Ucrânia com vagas de dois mil drones todas as noites.
"Eles querem expandir os ataques com drones de que acabámos de falar. A ambição é conseguir utilizar 2000 drones simultaneamente. Precisamos de considerar contramedidas inteligentes", disse Freuding numa entrevista.
E não é o único a estar preocupado. A marinha norte-americana tirou ilações semelhantes durante o combate no Mar Vermelho e no Golfo de Adém, em combate contra os rebeldes Houthis, apoiados pelo regime iraniano. O almirante James Kilby, chefe de operações navais, admite que a forma como o Ocidente está a combater os mísseis e drones inimigos, com a utilização de mísseis de vários milhões para abater drones que custam apenas alguns milhares de euros, é insustentável num ambiente de combate de ritmo elevado, como o da Ucrânia.
Kilby admitiu ao Business Insider que a marinha americana disparou "um número significativo de munições avançadas" e que "o ritmo e o volume desses gastos" não foram previstos nem pelas forças armadas nem "pela base industrial de defesa". Como tal, essas munições vão ter de ser substituídas. Só que tal como as que são utilizadas na Ucrânia, têm um preço bastante proibitivo.
Cada míssil intercetor PAC-3 disparado pelos sistemas de defesa antiaérea de longo alcance Patriot custa quatro milhões de euros. Por outro lado, estima-se que o preço de um drone de longo alcance russo oscile entre os 20 e os 80 mil euros por unidade. Esta diferença de preço seria suficiente para tornar a defesa dos céus economicamente inviáveis, mas a capacidade de produção também levanta receios, uma vez que a Rússia é capaz de produzir mais drones de longo alcance do que o Ocidente é capaz de produzir intercetores, que necessitam de componentes tecnologicamente mais avançados.
A Ucrânia parece ter voltado a encontrar nos drones a resposta para este dilema. Na segunda-feira, numa reunião virtual do Grupo de Contacto de Ramstein, o ministro da defesa ucraniano, Rustem Umerov, pediu aos países aliados um financiamento de seis mil milhões para tapar o défice e focar as suas atenções no fabrico de drones intercetores, veículos aéreos não tripulados capazes de abater a ameaça dos drones Shahed a um preço mais acessível, reequilibrando o campo de batalha.
Apesar de a tecnologia ainda estar a ser testada, tem tido resultados promissores no terreno. Um dos modelos mais populares foi criado por uma empresa de Eric Schmidt, antigo CEO da Google, que incorpora tecnologia de inteligência artificial para destruir os drones russos e um sistema de comunicações próprio que os torna resistentes à guerra eletrónica russa. De acordo com a imprensa ucraniana, este modelo tem mostrado uma elevada taxa de sucesso. Ainda assim, necessita de capacidade de produção em escala para fazer frente aos ataques russos.
O dia em que o governo de Zelensky tremeu
Mas tudo isso depende da capacidade do governo ucraniano de se manter no poder. Esta semana, o presidente Volodymyr Zelensky assistiu àquele que foi o primeiro verdadeiro desafio à sua liderança a nível interno, com milhares de cidadãos ucranianos a sair à rua para protestar contra uma mudança de lei aprovada pelo parlamento ucraniano em contrarrelógio, que retirava a independência às duas principais instituições de combate à corrupção na Ucrânia.
Avançada pelo partido do presidente, este projeto-lei colocava o Gabinete Anticorrupção da Ucrânia (NABU) e a Procuradoria Especializada de Combate à Corrupção (SAPO), duas organizações criadas logo após os protestos Euromaidan em 2015 para combater um problema que afetava o país, sob a tutela do procurador-geral, que é escolhido por Zelensky.
Horas antes, todos os sinais davam a entender que o executivo estava a fazer uma purga em duas instituições fundamentais para que a Ucrânia cumpra os requisitos impostos pela União Europeia para a sua adesão. Mais de 80 localizações da unidade responsável pelo combate à corrupção foram alvo de buscas. Foram abertos casos contra 19 funcionários do NABU. Embora a maioria destes processos envolvam incidentes de condução e até de venda de droga na Rússia, alguns funcionários estão acusados de ligações aos serviços secretos russos.
Muitas destas buscas foram conduzidas de forma violenta, de acordo com o diretor da NABU, Semen Kryvonos. E os sinais parecem demonstrá-lo. Ruslan Mahamedrasulov, chefe dos investigadores do NABU, detido por alegadas ligações à Rússia, chegou ao Tribunal Distrital de Pecherskyi, em Kiev, com uma marca na cabeça. Vai ficar 60 dias em prisão preventiva porque os serviços de segurança acreditam ter provas de que o investigador ajudou o pai, um empresário, a fazer negócios com a Rússia.
Assim que a lei foi aprovada com os votos favoráveis de 263 deputados e assinada pelo presidente ucraniano, milhares de pessoas saíram à rua em Kiev, mas também em Lviv, Dnipro e Odessa. Foram os primeiros grandes protestos internos na Ucrânia desde que começou a guerra. Dois dias depois, na quinta-feira, Zelensky recuou e aprovou um novo projeto-lei que devolve a autonomia ao NABU e à SAPO.
O presidente admitiu que "devia ter existido um diálogo" antes de aprovar a medida e que avançou com a lei anterior porque a guerra "é o principal problema" na Ucrânia e garantir que estas instituições não estão infiltradas por agentes ligados à Rússia é fundamental para o país. Ainda assim, os agentes do NABU e da SAPO, bem como todos os agentes envolvidos em segredos do estado, vão ser submetidos ao detetor de mentiras.
As chaves da paz na política mundial
Como se põe fim a um conflito? O que define as probabilidades de sucesso de um acordo de paz? É possível uma guerra acabar sem um acordo entre as partes em guerra? Estas são algumas das questões a que a entrevista desta semana tenta dar resposta, pela mão de Philipp Kastner, especialista australiano em Direito Internacional, tendo como ponto de partida a natureza transacional de Donald Trump enquanto presidente do país mais poderoso do mundo.
Em conversa com a CNN Portugal a partir da Áustria, o professor da Universidade da Austrália Ocidental diz-se otimista quanto ao espectro de ação das organizações e agências internacionais – mas bem menos no que toca à resolução de grandes conflitos da atualidade, como a guerra da Rússia contra a Ucrânia e a guerra de Israel em Gaza.
As baixas expectativas não significam, contudo, que não devamos continuar a trabalhar para acabar com esses e outros conflitos. “Se algumas figuras-chave da política mundial tentam corroer o sistema, então outras figuras-chave podem fazer o contrário”, ressalta Kastner, até porque “as instituições e as estruturas estão criadas e podem muito facilmente recuperar a sua importância e influência”.
Num momento da História em que “nada é claro nem linear”, em que há “muitos intervenientes com diferentes interesses, e não sabemos necessariamente de que lado estão”, é importante não subestimar a importância da “criatividade” nos processos de paz, diz – bem como o facto de que, muitas vezes, esses processos podem (e devem até) começar “de baixo para cima”, em vez de se ficar à espera de reuniões de alto nível e de apertos de mão para a fotografia.
“Já há muitos exemplos e experiências de outros tipos de abordagens à construção e às negociações de paz, a questão é que elas não costumam ter grande atenção dos media. Os grandes apertos de mão e os telefonemas de Trump e Putin é que captam a atenção – mas muitas ONG e instituições académicas passam muito tempo a investigar e a tentar tirar partido de diferentes experiências”. São essas que, em última instância, podem contribuir para traçar rotas para a paz, da Europa ao Médio Oriente. – Joana Azevedo Viana