O negócio pelo "novo petróleo" da "Guerra Fria tecnológica" tem dois grandes derrotados

Não, não são coisas do outro mundo. É o Admirável Mundo Trump
Sáb, 03 mai 2025

Quinze minutos podem ter sido suficientes para o destino a Ucrânia. O presidente ucraniano garante que a assinatura do acordo para a exploração de matérias-primas com os EUA foi apenas o primeiro efeito da conversa que teve com Donald Trump na Basílica de São Pedro, durante o funeral do Papa Francisco. O presidente Zelensky disse que o acordo foi apenas o primeiro resultado dessa conversa e os EUA insistiram que o documento sinaliza à Rússia que Trump está comprometido com uma Ucrânia livre, soberana e próspera. Só que este "negócio", que abre o acesso a 5% das reservas mundiais de matérias-primas críticas, é muito mais do que isso. 

"O acordo foi bom para a Ucrânia, mas também para os Estados Unidos. Kiev consegue garantir a continuidade do apoio americano e Trump consegue continuar a fornecer armamento pago com a exploração de terras raras e outros minerais. Isto ajuda-o no combate de uma dependência que tinha de um grande competidor, na nova Guerra Fria tecnológica. Há dois derrotados aqui: Rússia e China", afirma o major-general Isidro de Morais Pereira. 

O documento final, que resultou de um longo e doloroso processo de avanços e recuos, é muito diferente do esboço inicialmente proposto por Trump. Ambos os lados tiveram de ceder. Por um lado, a Ucrânia não consegue as garantias de segurança que queria. No entanto, caiu a exigência americana de 500 mil milhões e é estabelecida uma divisão de lucros de novas licenças de exploração de 50% que vão para um fundo de reconstrução gerido pelos dois países.  Os EUA ganham acesso a recursos, lucros e influência, mas sem controlo exclusivo sobre a exploração.

E a Rússia não gostou. Dmitri Medvedev, antigo presidente e membro do Conselho de Segurança russo, criticou a decisão, afirmando que Kiev vai agora passar a pagar o apoio militar americano com "a riqueza nacional de um país que está a desaparecer". Mas no Kremlin existe preocupação em torno desta parceria. Particularmente porque com este negócio, a administração Trump reabre a porta ao envio de novos pacotes de apoio militar à Ucrânia. Poucas horas depois da assinatura, o Departamento de Defesa propôs a exportação de "hardware ou serviços" militares para a Ucrânia.

Mas este não é o único receio do Kremlin. A vasta maioria dos recursos minerais que os EUA pretendem explorar na Ucrânia estão precisamente nas regiões da linha da frente. Donetsk, Lugansk e Dinpro são regiões cruciais e que Moscovo tenta desesperadamente controlar.  A hipótese de no futuro existir a presença de empresas e técnicos americanos preocupa a Rússia, que passaria a correr o risco de atacar diretamente os interesses dos EUA. 

"Vladimir Putin terá de pensar duas vezes antes de atacar algumas das instalações que vão ser construídas ou que estejam a explorar riquezas na Ucrânia. Para o Kremlin, a possibilidade de matar americanos em solo ucraniano é algo que não vai cair bem em Washington e pode arrastar os EUA para o conflito", admite Isidro de Morais Pereira.

Donald Trump e Volodymyr Zelensky falam cara a cara pela primeira vez desde o difícil encontro na Casa Branca

Encontro entre Trump e Zelensky (EPA)

Olhos no Oriente

Só que, na perspetiva americana, este acordo é assinado de olhos postos no oriente. Apesar do domínio económico americano, a China domina a produção e a refinação das terras raras, controlando 90% do mercado mundial, em 2024. Esta dependência representa um risco estratégico para os Estados Unidos da América, particularmente se tivermos em conta que estes 17 elementos são cruciais para as indústrias que estão a moldar o futuro, como a Inteligência Artificial, a computação quântica, a indústria aeroespacial, lasers, baterias e semicondutores. 

Dos 50 minerais classificados como críticos, os americanos são totalmente dependentes de importações de 12 deles, e mais de 50% dependentes de importações de outros 16, de acordo com dados do ano passado do United States Geological Survey, uma agência governamental. A Ucrânia tem depósitos identificados de 22 desses minerais críticos, o que faz com que os americanos olhem com particular interesse para esta região.

"As terras raras são hoje fundamentais para quase tudo e os EUA têm uma grande dependência do seu maior competidor e possível futuro inimigo, a China. Pequim não tem apenas a maior parte das reservas, como também a maior parte da capacidade de refinação. Hoje é impossível fabricar um F-35 sem incorporar muitos destes elementos", explica o major-general. 

Kiev estima que 5% de todos os minerais críticos estejam em solo ucraniano. A Ucrânia tem algumas das principais reservas de grafite, um material fundamental para veículos elétricos, mas também lítio e de titânio, um metal leve crucial para várias indústrias. Os Estados Unidos olham com particular interesse para as produções de urânio e berílio, fundamentais para a indústria nuclear.

Estados Unidos tentam reduzir a dependência chinesa

Poluição em fábrica chinesa (Getty Images)

Quem está a ganhar a guerra? 

Só que no campo de batalha, a paz não parece estar mais próxima. Pelo contrário, os sinais que surgem da linha da frente mostram que podemos estar perante uma grande intensificação do conflito, particularmente em direção a um Oblast onde a Rússia ainda não conseguiu entrar: Dnipropetrovsk. A Rússia parece ter adiado o ataque à cidade de Pokrovsk e começou a testar a força das defesas ucranianas com ataques ligeiros, de acordo com o chefe das Forças Armadas da Ucrânia, Oleksandr Syrskyi, que deu ordem de reforçar esta direção da frente com drones, munições, sistemas de guerra eletrónica e reservas.

E os planos russos podem ir muito mais longe. O presidente ucraniano alertou que Moscovo "está a preparar algo" na Bielorrússia com a justificação de exercícios militares conjuntos que os dois países fazem a cada dois anos, desde 2009. Foram precisamente estes exercícios, conhecidos como Zapad, que na sua última edição, em 2021, envolveram 200 mil soldados e culminaram na invasão à Ucrânia em fevereiro de 2022. Os militares ucranianos temem agora que a Rússia possa voltar a tentar voltar a abrir uma frente de combate no norte da Ucrânia ou, no melhor cenário, obrigar Kiev a deslocar militares para outros setores.

Ao mesmo tempo, começam a surgir números concretos do apoio de outros países à Rússia. Cerca de 600 soldados norte-coreanos morreram a lutar ao lado do exército russo, desde que 15 mil militares foram enviados para a Rússia, de acordo com políticos sul-coreanos, que citam os serviços secretos do país. O número total de baixas, que inclui mortos e feridos, ascende a 4.700. No entanto, Seoul destaca que o fator mais preocupante desta participação é o apoio prestado pela Rússia a Pyongyang, que chega pela forma de assistência técnica, drones, mísseis antiaéreos e satélites espiões.

Ainda assim, caso o ritmo de conquistas territoriais russas se mantenha, a conquista da Ucrânia não vai demorar anos, mas sim séculos. De acordo com um estudo da Forbes, a Rússia conquistou apenas 170 km² e  com um enorme custo humano e material. Estima-se que mais de 36 mil soldados russos tenham sido feridos ou mortos em combate e 4.800 veículos de todos os tipos tenham sido atingidos. Feitas as contas, Moscovo só completaria a conquista da Ucrânia no ano de 2256, mas para isso precisaria de sofrer 101 milhões de baixas.

Laboratório de Guerra: o míssil que assombra o Kremlin

E a pairar sobre o objetivo russo está o envio dos mísseis de longo alcance Taurus KEPD 350. Este míssil de cruzeiro alemão-sueco, com alcance superior a 500 km e tecnologia furtiva, é projetado para destruir alvos fortificados, como bunkers e pontes, incluindo a estratégica ponte de Kerch. A sua ogiva de 480 kg e precisão guiada por GPS e infravermelho o tornam-no muito difícil de interceptar. Além disso, facilmente são adaptados aos meios que a Ucrânia já tem, como os F-16 ou os SU-24. “Os Taurus voam baixo, com manobrabilidade, e podem atingir postos de comando russos, como o de Rostov-on-Don, protegidos por betão”, diz o major-general Isidro de Morais Pereira.

A Ucrânia está a pressionar a Alemanha para entregar de 150 mísseis Taurus para conter os avanços russos em Donetsk e Dnipropetrovsk, regiões ricas em minerais cobiçadas pelos EUA. A Rússia teme o impacto destes mísseis em ataques contra infraestruturas críticas, mas a Alemanha hesita, com receio de uma escalada que envolva a NATO, especialmente após debates sobre ataques em solo russo. Mas estes mísseis seriam bastante úteis para a Ucrânia poder dificultar e atingir centros logísticos russos, o que complica ainda mais as movimentações do exército da Rússia no terreno. 

“Se chegarem, os Taurus darão à Ucrânia uma vantagem tática, mas podem provocar retaliação”, alerta Pereira.

O míssil alemão Taurus em ação

Míssil Taurus (Getty)

Desligados da Realidade

A China é dona da REN, mas a China também é dona de muitos mais. Sabe de onde vem a maioria das turbinas eólicas ou dos painéis solares que em Portugal, como no resto da Europa, servem para alimentar grande parte da nossa rede? Da China, pois.

É por isso que Pedro Sampaio Nunes, um dos maiores especialistas na área da Energia em Portugal, alerta que o caso do apagão generalizado na Península Ibérica é uma consequência de algo muito maior, o que permite que deste caso se retirem conclusões maiores em relação a um problema que parece ser mais político que científico.

A partir desse mesmo apagão, o especialista dá uma grande entrevista à CNN Portugal este sábado, abordando também a questão da dependência europeia, as apostas que se devem ou não fazer e o papel dos grandes atores internacionais no meio de um mundo em que a Europa parece perdida.

Biliões da Pérsia?

Não é apenas a Ucrânia, que está a querer beneficiar dos instintos empresariais de Donald Trump. O Irão parece estar a cortejar o presidente americano com uma proposta tentadora para chegar a um acordo nuclear, que pode abrir um mercado de "biliões de dólares" às empresas americanas. Pelo menos é essa a ideia de Abbas Araghchi, ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, que demonstrou estar disponível para abrir o mercado iraniano ao investimento americano.

Esta é uma clara mudança de tom, depois de três rondas de negociações mediadas pelo Omã. Ao contrário do antigo acordo de 2015, o Irão parece estar a querer fazer com que este seja um acordo "win-win", com o ministro a sugerir dar às empresas americanas acesso ao setor nuclear iraniano, outrora visto como um símbolo de independência nacional. Um acordo poderia dar acesso a um mercado com 90.6 milhões de consumidores, a vasta maioria com menos de 35 anos.

Só que isto é mais fácil dito do que feito. As sanções americanas contra o terrorismo e o domínio da Guarda Revolucionário Irianiana dificultam o acesso das empresas aos negócios iranianos. E mesmo que estas sejam levantadas, a memória do acordo de 2015 pode ser dificil de ultrapassar. Nessa altura, empresas como a Boeing apressaram-se a entrar neste mercado, chegando mesmo a assinar um acordo para a venda de 80 aeronaves. No entanto, com a eleição de Donald Trump o governo americano anulou esses contratos. Mas para já é preciso esperar. A quarta ronda de negociações que estava programada para domingo, em Roma, foi adiada devido a "razões logísticas e técnicas".

Destino do acordo também está nas mãos deste homem

Ali Khamenei, líder do Irão (AP)

Um barril de pólvora (nuclear)

O massacre de 26 turistas em Pagalham, em Caxemira, reacendeu as tensões entre a Índia e o Paquistão. A retórica está a subir de tom, com a Índia a tomar medidas fortes contra os cidadãos paquistaneses no seu território e o com o Paquistão a movimentar soldados e equipamento para a fronteira, com receios de um ataque indiano iminente. A ideia de um conflito militar de larga escala entre duas potências nucleares faz temer o pior e várias potências mundiais se apressaram a entrar em cena.

O vice-presidente JD Vance pediu contenção a ambas as partes e os EUA intensificaram a mediação. O secretário de Estado Marco Rubio pediu cooperação à Índia e ao Paquistão para apanhar os responsáveis e fazer descer as tensões. Mas no terreno as medidas intensificam-se. Já existiram várias trocas de tiros na linha de controlo e a Índia proibiu voos paquistaneses de atravessarem o seu território. 

A Índia já abateu um drones paquistanês e Islamabad relata que há caças indianos a voar próximos à sua fronteira. A verdade é que os exércitos destes dois países são bastante desiguais. A Índia goza de uma superioridade militar considerável, com um orçamento nove vezes maior e com armas avançadas como submarinos nucleares. No entanto, o Paquistão tem um exército de 660 mil soldados e um vasto arsenal nuclear. Qualquer erro pode desencadear uma guerra difícil de conter.

 

 

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