Fação americana contra fação alemã: como as forças divisivas na Igreja Católica vão querer influenciar o novo Papa

Não, não são coisas do outro mundo. É o Admirável Mundo Trump
Sáb, 26 abr 2025

"Para a maior parte dos católicos que seguem o Papa, a geopolítica é um mistério mais denso que os mais densos mistérios da fé", afirma Pedro Gil, sub-diretor de comunicação da Opus Dei. É o mote para a entrevista de hoje. Bem-vindo à newsletter desta semana.

 

As guerras culturais chegaram ao Vaticano

O Papa Francisco morreu e ainda não há fumo branco no Vaticano. Enquanto o conclave se prepara para escolher o próximo líder, e começam as listas de candidatos favoritos, problemas maiores emergem do interior da Igreja Católica. A polarização não é apenas um fenómeno nas principais democracias ocidentais, também a Igreja deixada por Francisco atravessa uma profunda divisão, com uma guerra ideológica que arrisca até criar um novo cisma. O próximo Papa vai ter a difícil missão de criar um equilíbrio entre a visão progressista da Igreja alemã, que pede mais reformas, e o crescente conservadorismo dos bispos americanos, que se opõem a qualquer modernização. 

"O próximo Papa, entre as mil missões que tem, tem também de pacificar a relação entre dois grupos de bispos. O dos Estados Unidos, que, de forma muito simplificada, estão à direita. E o dos bispos alemães, à esquerda, que se tornaram bastante progressivos e olham para a defesa dessas posições como a única solução para travar a perda acentuada de fiéis no país", explica Pedro Gil. 

Quis o destino que uma das últimas visitas oficiais do Papa fosse com JD Vance, o vice-presidente americano que se converteu ao catolicismo em 2019 e com que Francisco teve um conflito que foi tornado público, depois de Vance ter utilizado as palavras de São Tomás de Aquino para justificar a deportação de migrantes por parte do executivo americano. Numa carta aos bispos americanos, Francisco refutou a interpretação de Vance, apelidando-a de uma "desgraça" e uma "violação da dignidade de homens, mulheres e famílias inteiras".

A visão de JD Vance está longe de ser isolada no catolicismo nos Estados Unidos, onde o movimento a simbiose entre o movimento político conservador e o conservadorismo religioso mostram estar a crescer. Entre os principais acólitos do movimento "Make America Great Again" (MAGA), as posições do Papa Francisco nunca foram populares. Principalmente as críticas repetidas que o Papa tecia contra o capitalismo, um dos principais alicerces ideológicos do Partido Republicano. Mesmo os católicos mais conhecidos do movimento de Trump não esconderam o seu desagrado com o Papa de que "defende o comunismo". 

Muitos bispos americanos acreditam que o capitalismo, mesmo com excessos, pode ser considerado uma solução para reconhecer a dignidade das pessoas e o seu espírito de empreendedorismo. Outros dizem que o capitalismo está a gerar imensos desequilíbrios e favorece mesmo a criação de grandes fortunas e os ricos, na visão da igreja, são um grupo de risco enorme. Jesus disse que é mais fácil entrar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus. É sabido que o Papa tem uma grande aversão ao capitalismo", recorda Pedro Gil. 

O próprio presidente americano tem-se esforçado para tornar o seu movimento mais próximo da Igreja Católica. Em fevereiro, Donald Trump anunciou a criação de uma task-force para "erradicar o viés anticristão", algo que foi bem visto pelo clero americano. Ao mesmo tempo, o líder americano escolheu Brian Burch, um famoso crítico do Papa Francisco e líder do grupo responsável por mobilizar eleitores católicos para o partido republicano, como embaixador americano no Vaticano.

Mas se no mundo político, existe um fosso claro que separa a esquerda da direita, o mesmo parece não estar a acontecer na religião, onde a visão de novos padres parece estar cada vez menos polarizada. De acordo com uma sondagem do The Catholic Project, um grupo de investigação da Universidade Católica Americana, mais de 80% dos padres que se formaram desde 2020 descrevem-se teologicamente como "conservadores/ortodoxos" ou "muito conservadores/ortodoxos". Esta nova geração de padres é também menos propensa a aprovar o Papa Francisco, cuja mensagem de inclusão às pessoas da comunidade LGBTQ+ e o foco na misericórdia são vistas como desvios da ortodoxia da Igreja Católica. 

O número de sacerdotes americanos que se identificam como "progressivos" ou "muito progressivos" é praticamente zero. Estes números ganham uma dimensão muito maior quando comparados com outros padres mais velhos. A mudança geracional é significativa, com 68% dos sacerdotes ordenados nas décadas de 1960 e 1970, nos Estados Unidos, a identificarem-se como progressistas.

Não é por isso de estranhar que o Papa Francisco tenha criado uma fricção tão grande com uma vasta franja de católicos americanos logo em 2016, com a exortação apostólica Amoris Laetitia, que abriu a possibilidade de católicos divorciados e recasados de receber o casamento. O desconforto aumentou em 2023, quando Francisco aprovou as bênçãos para casais do mesmo sexo e com a sua posição em relação aos migrantes.

JD Vance recebido pelo Papa no Vaticano

JD Vance foi recebido pelo Papa no Vaticano (AP)

Synodale Weg, o progressismo que ameaça quebrar o Vaticano

Só que enquanto o conservadorismo ganha força nos Estados Unidos, a Igreja Católica alemã está a seguir o caminho oposto, ao abraçar um progressismo que desafiou até mesmo o Papa Francisco. Para os bispos alemães, o caminho passa por reformas como a beênção de casais homossexuais, a ordenação de mulheres e até a revisão do celibato obrigatório. Só que para contar a história de como a Igreja Católica alemã decidiu reformar-se, é preciso também falar sobre dinheiro e abusos sexuais. 

Os escândalos de abusos sexuais abalaram profundamente a Igreja Católica alemã. Os relatórios da investigação em torno da polémica, tornados públicos em 2018, revelaram que, pelo menos, 3.677 pessoas foram abusadas sexualmente por clérigos entre 1946 e 2014. Mais de metade dessas vítimas tinha menos de 13 anos. O choque na sociedade alemã foi enorme e a consequência foi uma desfiliação em massa, com a Igreja Católica alemã a perder mais de dois milhões de membros em poucos anos. 

Só que, para o clero alemão, esta desfiliação representa um risco existencial. A Igreja Católica alemã tem uma vasta presença na sociedade alemã. São o terceiro maior empregador do país, dando trabalho a mais de 800 mil pessoas, em escolas, creches, lares de idosos e hospitais. E a forma de sustentar este sistema está intimamente ligada ao número de fiéis que a Igreja tem. Isto devido a um sistema de imposto eclesiástico conhecido como Kirchensteuer.

Quando nascem ou se registam numa cidade, todos os habitantes alemães são chamados a declarar com que fé religiosa é que se definem. Todos os cidadãos que se identificam como católicos pagam o Kirchensteuer, um imposto sobre o rendimento que é descontado no salário e que varia entre 8 a 9%, dependendo do estado. Em 2021, o valor entregue à igreja correspondeu a 6,63 mil milhões de euros. Este dinheiro é depois utilizado pelos líderes religiosos alemães para pagar a vasta estrutura de escolas, hospitais, creches e lares que existe no país. 

Só que a sucessão de crises está a fazer com que o número de fiéis que paga o imposto caia a pique. Em 2019, a Igreja Católica alemã contava com 22,6 milhões de membros, mas desde então têm perdido mais de 200 mil fiéis por ano. Um sentido de pânico instalou-se entre os bispos alemães. Era preciso tomar medidas drásticas e foi isso que fizeram. Em 2019, iniciou-se o Synodale Weg (Caminho Sinodal, em português), a tentativa da Igreja Católica alemã de alinhar-se com "os valores modernos" para reconquistar a confiança. 

E as medidas adotadas chocam profundamente com a doutrina do Vaticano. Em 2023, a Igreja alemã aprovou oficialmente a bênção de uniões do mesmo sexo, desafiando a posição do Vaticano, que em 2021 declarou que tais uniões não poderiam ser abençoadas por serem “intrinsecamente desordenadas”. Ao mesmo tempo, o Caminho Sinodal desafiou outro tabu do Vaticano ao aprovar resoluções que pedem a ordenação de mulheres como diaconisas e maior participação feminina em cargos de liderança. Há também um forte apelo para que o celibato seja opcional, com argumentos de que isso poderia atrair mais vocações e reduzir casos de abusos, embora ainda não haja um consenso claro.

A decisão alemã foi vista como uma afronta direta à autoridade do Vaticano, que se vê agora no meio das guerras culturais com duas visões opostas do mundo e da Igreja. O Vaticano teme que o Caminho Sinodal crie uma “Igreja nacional” que se afaste da doutrina universal. E, ao mesmo tempo, enfrenta a crescente influência de padres conservadores americanos, cuja ortodoxia rígida e alinhamento com o movimento MAGA desafiam as reformas de Francisco. Preso entre o progressismo alemão e o conservadorismo americano, o próximo papa corre o risco de liderar uma Igreja à beira do cisma, forçado a navegar um campo minado onde cada passo pode aprofundar as fraturas de uma instituição já abalada pelas guerras culturais globais.

Sobre o Caminho Sinodal e a "guerra civil" na Igreja, o Papa Francisco disse à CNN Portugal que "em todos os processos existem os que vão mais à frente e os que vão mais atrás"

Papa Francisco (EPA)

Quem está a ganhar a guerra?

Enquanto todos estão de olhos postos nas negociações entre a Rússia e os Estados Unidos, que parecem colocar Kiev à margem da decisão, a Ucrânia demonstra não estar disposta a abrandar o ritmo da retaliação contra Moscovo. Na sexta-feira, enquanto o enviado especial de Trump chegava à capital russa para se encontrar com Vladidmir Putin, o general russo Yaroslav Moskalik morreu num atentado perto da sua zona de residência. O líder militar era o vice-chefe da Direção Principal de Operações das Forças Armadas Russas, o organismo responsável pelo planeamento de operações militares. 

De acordo com a imprensa russa, o oficial tinha acabado de sair de casa e estava a preparar-se para ir para o trabalho quando um carro armadilhado explodiu ao seu lado. Ao que parece, o veículo, que estava estacionado junto ao passeio por onde Moskalik passava, foi detonado remotamente. A Ucrânia não reivindicou a autoria do ataque, embora no passado o tenha feito em relação a outros assassinatos, com o do tenente-general Igor Kirillov.

No entanto, dificilmente esta ação vai ter um impacto positivo na administração americana. O presidente Donald Trump parece estar concentrado em chegar a um acordo de cessar-fogo rapidamente e isso pode ter um preço demasiado alto para Kiev. Trump sugere que a Rússia também terá de ceder, mas a proposta de paz sugerida passa pelo reconhecimento da Crimeia como sendo russo, algo que Zelensky se apressou a rejeitar. Trump apressou-se a criticar Zelensky publicamente em sua rede social, Truth Social, acusando-o de "descarrilar" um acordo de paz que estaria "muito próximo" e de fazer "declarações incendiárias" que dificultam o fim do conflito.

Mas no campo de batalha, pouco ou nada mudou. A Rússia intensificou os seus ataques na região de Pokrovsk, um dos principais pontos defensivos ucranianos na região de Donetsk. Mesmo durante a trégua de 30 horas anunciada por Vladimir Putin para a Páscoa, esta região registou centenas de violações da trégua. Em Kursk a Rússia continua a ganhar terreno e esta semana capturou o mosteiro da cidade de Gornal, num duro revés para as posições ucranianas que ainda se tentam aguentar na região de Kursk. Kiev já só controla cerca de 13 quilómetros quadrados de território em Kursk, onde chegou a ter quase mil quilómetros quadrados no pico da incursão.

Laboratório de Guerra

Só que todas as semanas, a Ucrânia continua a demonstrar uma forte capacidade de inovação. Recentemente, as forças ucranianas começaram a incorporar malware nos seus drones, adicionando um novo capítulo à guerra cibernética. Esse software malicioso é projetado para ativar-se quando os drones são capturados e conectados a sistemas russos, causando danos ou coletando informações estratégicas.

De acordo com as forças russas, que encontraram alguns destes dispositivos, estes são capazes de realizar várias funções disruptivas, como “queimar uma porta USB”, “impedir o reflashing” [atualizar ou reescrever a memória de um dispositivo] ou até “sequestrar o drone utilizado". Isto garante que o drone capturado permanece inutilizável e transforma-o numa armadilha, que pode transmitir dados sobre a localização do operador russo.

Drones na Ucrânia

Drones na Ucrânia (Getty Images)

As "coincidências" em torno da morte do Papa Francisco num dia em que houve um "sinal de Deus"

"Para a maior parte dos católicos que seguem o Papa, a geopolítica é um mistério mais denso que os mais densos mistérios da fé", reflete Pedro Gil, subdiretor de comunicação da Opus Dei. O Papa Francisco morreu poucas horas depois de um encontro com o vice-presidente americano JD Vance, um político com quem Francisco chocou abertamente num debate teológico acerca do amor pelos migrantes. A coincidência, em pleno Ano Jubilar e com a rara convergência das Páscoas Católica, Ortodoxa e Judaica, ressoa como um alerta para um mundo dividido, onde as políticas de “America First” de Donald Trump e Vance chocam com a visão humanista do Papa.

Na entrevista, Pedro Gil conecta o legado de Francisco, defensor de migrantes e crítico do "capitalismo desenfreado", às tensões geopolíticas atuais, particularmente nos Estados Unidos da América, onde a doutrina do presidente e de vários setores religiosos choca frontalmente com a posição oficial do Vaticano.

"Gostaria muito que, já que o JD Vance se afirma católico, que ele fosse permeável à boa influência do Papa Francisco. Acredito que tenha conversado algumas coisas fora dos microfones. Acredito que o Papa tenha, embora com limitações, mas com a ajuda de quem o rodeia e o sabe interpretar, tentado dizer coisas muito relevantes", insiste Pedro Gil.

Leia aqui a entrevista na íntegra. 

Acordo nuclear à vista?

Já dizia Camões: mudam-se os tempos, mudam-se as vontades – um grande ismo no Médio Oriente aos dias que correm. Depois de duas rondas de negociações “indiretas” mediadas por Omã, delegações dos Estados Unidos e do Irão vão voltar a encontrar-se este sábado para “conversações técnicas”, no que alguns analistas “cautelosamente otimistas” dizem ser um sinal de progresso na busca por um novo acordo nuclear.

Das poucas informações conhecidas sobre o potencial acordo consta o que Steve Wittkoff, enviado de Donald Trump à região, sugeriu há duas semanas numa entrevista televisiva: com Teerão avesso a abdicar do seu programa de enriquecimento de urânio, os EUA estarão dispostos a permitir que o país o mantenha, com um limite máximo de 3,67% de pureza. E em que é que isso difere do acordo nuclear histórico que a administração Obama fechou com o Irão em 2015 – e que Trump decidiu extinguir em 2018? Absolutamente nada.

O que mudou então? Mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades. No seu primeiro mandato presidencial, e contra os conselhos do grosso da sua equipa e do grosso dos aliados dos EUA, Trump anulou o acordo nuclear do P5+1 com o Irão para agradar a Israel e à Arábia Saudita. 

À data, os sauditas sunitas tinham no regime xiita iraniano o seu principal rival e inimigo – uma realidade que mudou em 2023, quando os dois países formalizaram uma reconciliação mediada pela China. (Pelo contrário, a inimizade entre Israel e o Irão mantém-se até hoje, havendo rumores de que a administração Trump terá até convencido os israelitas a não atacar instalações nucleares iranianas para tentar levar as atuais negociações a bom porto.)

De tal forma a relação dos sauditas com o Irão mudou nos últimos oito anos que o irmão do príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Khalid bin Salman, esteve recentemente em Teerão, onde foi recebido calorosamente por oficiais iranianos em trajes militares e onde entregou em mãos uma carta de Mohammed bin Salman ao aiatola Ali Khamenei, o líder supremo do Irão que o príncipe herdeiro saudita em tempos disse fazer “o Hitler parecer um homem bom”.

Não foi por acaso que a primeira visita oficial de Trump no seu primeiro mandato tenha sido à Arábia Saudita, quando abriu caminho a um acordo para a Arábia Saudita aceder à tecnologia nuclear dos EUA e começar a enriquecer urânio. Perante suspeitas de que essas negociações vão agora ser reavivadas, também não parece um acaso que, desta vez, a Arábia Saudita seja uma prioridade do Presidente Trump no que toca a visitas de Estado.

Só a morte do Papa Francisco fez com que a sua viagem à Arábia Saudita não fosse a sua primeira deste segundo mandato presidencial. Dentro de alguns dias, Trump vai deslocar-se a Roma para o funeral do pontífice católico e, semanas mais tarde, entre 13 e 16 de maio, vai a Riade, a Doha, no Qatar, e a Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos – naquele que será o seu primeiro périplo oficial desde que regressou à Casa Branca.

A grande questão por ora é se vai partir para o Médio Oriente com um acordo EUA-Irão no bolso, um que, sendo potencialmente igual àquele que anulou, vai trazer garantias de estabilidade e segurança à região. E se a ausência de um acordo nesses ou noutros moldes vai levar a administração Trump a cumprir a promessa de lançar ataques ao Irão.

 

Até já, até à próxima semana

Acompanhe-nos em tempo real no Ao Minuto da Guerra na Ucrânia e no Ao Minuto do Admirável Mundo Trump.

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