Bernardo Topa perdeu um olho quando estava a festejar o título do Sporting. Diz que foi um "tiro certeiro" e exige respostas. Um elemento da PSP ouvido pela CNN Portugal garante que não é possível apontar com precisão com este tipo de arma
"Nem o melhor atirador consegue agarrar numa caçadeira e fazer pontaria para acertar no olho de alguém. Pode acertar-lhe por azar, mas não há nenhum polícia que possa dizer 'eu apontei para ali e era ali que eu queria acertar'".
Quem o diz é um elemento da Polícia de Segurança Pública com décadas de serviço e larga experiência no terreno, ouvido pela CNN Portugal sob anonimato. Em causa está o caso de Bernardo Topa, um jovem adepto do Sporting que perdeu um olho após ser atingido por uma bala de borracha disparada por um agente do corpo de intervenção da PSP durante os festejos do título, ao que a CNN Portugal conseguiu apurar.
O agente ouvido detalha a arma usada: uma espingarda caçadeira, de canos lisos, “inventada para a caça”, que utiliza cartuchos de calibre doze com 15 a 20 pequenos projéteis de borracha que se dispersam em várias direções.
"Uma das propriedades da espingarda caçadeira, sendo uma arma de canos lisos, é ser uma arma de dispersão. As munições que são disparadas disparam para um campo enorme de zonas que pode atingir. Vão para cima, vão para o lado, vão para baixo", explica, pegando num cartucho de balas de borracha para descrever as suas características enquanto fala com a CNN Portugal ao telefone.
Bernardo Topa, o adepto atingido, descreveu à CNN Portugal o momento que lhe mudou a vida: “No meio do fumo [das tochas], sai uma equipa de intervenção com shotguns na mão a disparar para todos os lados. Estava de frente [para a polícia] com certeza. Tenho um metro e noventa e dois, não sei como é que me atingiram no olho, mas foi um tiro certeiro”.
"Um tiro certeiro só pode ser efetuado com uma carabina, com uma pistola metralhadora ou com uma pistola porque são armas de cano estriado com um projétil único que sai em movimentos circulares para não se desviar da sua trajetória para acertar num sítio certeiro. É praticamente impossível com uma arma destas características conseguir acertar propositadamente no olho de alguém", contesta o elemento da PSP ouvido pela CNN Portugal.
A área de dispersão das balas de borracha pode atingir até seis metros, consoante a distância do disparo, explica o agente. E refuta com firmeza a ideia de que os disparos devam ser feitos “para o chão” para evitar ferimentos na parte superior do corpo:
“Sou polícia há 30 anos e nunca ouvi tal coisa. Estas munições são de borracha, fazem ricochete, saltam, ressaltam, como uma bola de basquetebol”, garante.
Além destas características, este tipo de armas “só é utilizado em contexto de perturbação da ordem pública”, autorizado por ordem superior ou em legítima defesa imediata, quando os agentes estão em risco iminente, em inferioridade numérica e não conseguem esperar por ordens.
Bernardo, de 27 anos, afirma que não estava envolvido em confrontos nem no uso de artefactos pirotécnicos. “Não consigo dizer se estava perto de quem os usava, mas eu não tinha nada”.
A avaliação da legitimidade da atuação policial dependerá agora de um inquérito, que foi aberto esta terça-feira. De acordo com a lei, só se se provar uso desproporcionado e injustificado da força é que pode haver responsabilização disciplinar ou criminal dos agentes.
“Se o uso da arma estiver legitimado, o agente não pode ser penalizado pelo cumprimento da sua missão”, defende a fonte da PSP.
Um caso que não é isolado
Este caso reacende o debate sobre o uso de força por parte das autoridades em situações de controlo de multidões.
Esta não é a primeira vez que um adepto do Sporting perde a visão nos festejos por ser atingido por uma bala de borracha disparada pela PSP. Em 2021, Ricardo Santos, de 24 anos, foi atingido na região ocular do lado direito da face e desde então perdeu a visão nesse olho. A PSP justificou na altura o uso da força com “arremessos de pedras, garrafas de vidro e artefactos pirotécnicos”.
Hoje, Bernardo relembra o caso e diz ter decidido falar para que “isto não aconteça a mais ninguém”.