Sismo de maior intensidade ou erupção. O que pode acontecer em São Jorge e que pode "durar meses"

Beatriz Céu , com Lusa
23 mar 2022, 18:47

Só desde a noite de terça-feira até à manhã desta quarta-feira foram "sentidos 20 sismos", cuja magnitude variou entre 1,6 e 2,7 na escala de Richter

A ilha de São Jorge, nos Açores, continua a registar, desde sábado, uma atividade sísmica "acima dos valores normais" e que está a preocupar as autoridades, que mantêm em cima da mesa o cenário de um sismo com maior magnitude que possa causar "alguns danos", ou até mesmo de uma erupção vulcânica.

Esta crise sísmica já provocou mais de 1.800 sismos na faixa entre a vila de Velas e Fajã do Ouvidor, 94 dos quais foram sentidos pela população, de acordo com a atualização mais recente do Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores (CIVISA). Só no sábado foram registados cerca de 700 sismos, todos de baixa magnitude, na sequência de uma crise sísmica no sistema vulcânico fissural das Manadas, que ainda se encontra ativo e que regista agora uma libertação de energia fora do comum. 

Esta quarta-feira, em declarações à CNN Portugal, o presidente do CIVISA adiantou que a sismicidade naquela zona "continua acima dos valores normais, praticamente em contínuo desde sábado". 

Desde a noite de terça-feira até à manhã desta quarta-feira foram "sentidos 20 sismos", cuja magnitude variou entre 1,6 e 2,7 na escala de Richter e foram sentidos com a intensidade máxima de III/IV (Escala de Mercalli Modificada).

Assim, o CIVISA mantém em cima da mesa a possibilidade de ocorrência de "um sismo mais forte" ou de uma erupção vulcânica. Na verdade, esclareceu Rui Marques, "não é preciso que ocorra um sismo muito grande, uma vez que a zona epicentral é muito próxima da vila das Velas". "Um sismo de magnitude 4, por exemplo, já provocaria alguns danos". O sismo registado até ao momento com maior magnitude foi de 3.3, de acordo com o responsável do CIVISA.

O que pode acontecer em caso de erupção

O cenário de erupção vulcânica também "continua a ser provável", sublinhou Rui Marques, lembrando que se trata de uma "zona vulcanicamente ativa", que registou duas erupções históricas, em 1580 e 1808.

Em declarações à CNN Portugal, a investigadora de risco sísmico Mónica Ferreira explicou que a erupção vulcânica tem associados alguns riscos que decorrem como um "efeito cascata" na região afetada.

Entre os riscos possíveis, a especialista apontou o "deslizamento de terras e a destruição de culturas", a ocorrência de um tsunami, "tal como aconteceu em Tonga", em janeiro passado, "danos nos edifícios mais vulneráveis, queda de rochas, que podem obstruir as vias", bem como "tudo o que é necessário à sobrevivência, como o corte de energia, de água e telecomunicações", enumerou.

Até ao momento, os cenários estão em aberto e esta crise sísmica pode mesmo "durar meses", estimou Mónica Ferreira. Também o geólogo Fernando Tenrrinha aponta para essa previsão, lembrando as crises mais recentes, como a do Faial, em dezembro de 2019, que registou, num mês e meio, mais de cinco mil sismos. 

A comparação com La Palma

O especialista Rui Marques classificou a faixa limitada a este pela Fajã do Ouvidor e a oeste pela vila das Velas, isto é, toda a zona onde está a ocorrer sismicidade, como uma "área de risco" por se tratar de uma zona com um sistema fissural, à semelhança da ilha de La Palma, nas Canárias. Isto significa que, em caso de erupção, "não há conhecimento, para já, de onde será o foco eruptivo".

"Aliás, as erupções de 1580 e 1808 foram caracterizadas por terem vários focos eruptivos, que foram aparecendo ao longo da erupção [vulcânica]. Um pouco também como foi a erupção do vulcão de La Palma, são características muito típicas destes sistemas fissurais. Não temos um vulcão central, mas sim um sistema de fraturas lineares e, à medida que a evolução vai evoluindo, podemos ter aberturas de diferentes fontes eruptivas", explicou.

Embora admita que possa haver "alguma semelhança do ponto de vista fissural" entre a ilha de La Palma e São Jorge, o geólogo Fernando Tenrrinha indicou à CNN Portugal que, do ponto de vista geológico, as duas regiões "não são comparáveis". Isto porque o arquipélago das Canárias é composto por ilhas muito "antigas", e que, do ponto de vista sísmico, são zonas "mais frias" e podem "causar turbulências convectivas", o que torna a situação naquele arquipélago "mais complexa" do que nos Açores, composto por ilhas "mais jovens".

"Nos Açores a situação é bastante diferente, [pois] está mais controlada pela tectónica do rifte da Terceira e da dorsal Atlântica", explicou, referindo-se assim às "duas estruturas [geológicas] mais importantes" da zona.

O que foi feito até agora?

Na terça-feira, o secretário regional da Saúde revelou que o Governo Regional dos Açores está a preparar cenários de retirada de pessoas da ilha de São Jorge, caso a crise sísmica se agrave. E começou, desde logo, pela passagem dos doentes acamados do centro de saúde de Velas para o centro de saúde da Calheta, na outra ponta da ilha.

Esta decisão visa "precaver qualquer situação que torne mais difícil a movimentação, a mobilidade e alguma evacuação” da zona, explicou Clélio Meneses, que acrescentou ainda que o governo açoriano entrou em contacto com a Atlânticoline, empresa pública responsável pelo transporte marítimo de passageiros nos Açores, e com as Forças Armadas, “para a necessidade de ser emergente” retirar pessoas.

Além disso, o Serviço Regional de Proteção Civil e Bombeiros dos Açores (SRPCBA) está a preparar "medidas preventivas que possam ser adotadas num possível cenário de um sismo de maior magnitude ou de uma possível erupção" naquela ilha. 

Entre as medidas preventivas, o SRPCBA desaconselha "deslocações não essenciais para a ilha de São Jorge, tais como atividades desportivas ou culturais, de forma a não criar constrangimentos adicionais num eventual socorro à população". 

Rui Marques sublinhou que não se trata de uma proibição de viagens para a ilha de São Jorge, mas sim de um desaconselhamento das deslocações que não forem essenciais, isto é, por motivos de lazer. Assim, caso seja necessário avançar para a retirada da população, as autoridades locais não correm o rico de ter "mais população do que a residente", explicou.

Sinos podem tocar para dar o alarme

Esta quarta-feira, o presidente da Câmara Municipal das Velas anunciou que foram mobilizados mais meios aéreos - um helicóptero e um avião - e um navio, que "está a chegar" à ilha de São Jorge, para a eventualidade de serem necessários.

Em conferência de imprensa, Luís Silveira adiantou ainda que está a ser preparado um campo militar, que ficará localizado no concelho da Calheta, onde "vão estacionar as forças militares". 

“O plano que está definido é que as pessoas sejam colocadas todas na zona da Relvinha, Ribeira Seca, sendo que o centro de Saúde da Calheta será o de referência”, declarou Luís Silveira.

Luís Silveira explicou que as pessoas vão ser avisadas, em caso de evacuação das localidades, pelas redes sociais dos serviços municipais de Proteção Civil e pela rádio local e, em caso de falta de comunicação, com o replicar dos sinos nas freguesias.

Também nesta quarta-feira, o primeiro-ministro, António Costa, disponibilizou aos Açores "todos os meios da República que sejam necessários" para proteger o arquipélago desta crise sísmica.

De acordo com a escala de Richter, os sismos são classificados segundo a sua magnitude como micro (menos de 2,0), muito pequenos (2,0-2,9), pequenos (3,0-3,9), ligeiros (4,0-4,9), moderados (5,0-5,9), forte (6,0-6,9), grandes (7,0-7,9), importantes (8,0-8,9), excecionais (9,0-9,9) e extremos (quando superior a 10).

A escala de Mercalli modificada, segundo o site do IPMA, divide-se em doze categorias: I – impercetível, II – muito fraco, III – fraco, IV – moderado, V – forte, VI – bastante forte, VII – muito forte, VIII – ruinoso, IX – desastroso, X – destruidor, XI – catastrófico, XII – danos quase totais.

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