Acontece aos melhores: vai de férias? Cuidado, dezenas de pessoas foram burladas nesta agência de viagens

13 jun 2022, 21:35

Caso vá viajar, não compre sem recibo e ligue para o hotel e companhia aérea para confirmar que o seu lugar está garantido. Se tem um problema que não consegue resolver, conte-nos a sua história para o e-mail aconteceaosmelhores@tvi.pt

João Mota ia casar, por isso estava à procura do melhor destino para a lua-de-mel. "Pensámos, olha, vamos às Maldivas", conta em entrevista à TVI/CNN Portugal.

Francisca Silva não era a noiva, mas também tinha planos para sair do país. "Há muito tempo que não via a minha família, no Brasil, queria visitá-los. As passagens estavam caras, mas uma colega de trabalho disse-me que conhecia um lugar para comprar os bilhetes, onde até me faziam um desconto!"

Os dois foram à mesma agência de viagens, a Silk Travel, em Quarteira, no Algarve. João Mota pagou 5.350 euros pela viagem de lua-de-mel, e ficou pronto, primeiro para casar, depois para levantar voo em direção às Maldivas. "Acontece que houve quem tinha estado lá na semana anterior. Após o regresso, disseram-nos que, para o dinheiro que iríamos gastar, talvez não fosse a melhor altura por causa da época de chuvas", conta à equipa do Acontece aos Melhores

Numa nova ida à agência de viagens, Sílvia Loução, a proprietária, e o funcionário, Márcio Baptista, aconselharam-no a substituir as Maldivas por Cabo Verde. Como a nova viagem era mais barata, tinham a receber, já com as despesas de alteração, cerca de 1.600 euros.

Assim foi, partiram de lua-de-mel com a promessa de que o reembolso chegaria alguns dias depois de aterrarem na ilha do Sal. "Passado os dois ou três dias que me tinham falado, fui ver à aplicação do banco. Fui vendo, não tinha, no outro dia a seguir também não tinha recebido, até que eu comecei a achar aquilo estranho", conta João Mota.

A desconfiança tinha razão de ser. É que o reembolso não chegou durante a viagem. Já em Portugal, o socorrista de profissão foi até à agência de viagens, mas encontrou a porta fechada. E nem sinal dos 1.600 euros.

"Foi aí que me dirigi à GNR, fiz uma queixa-crime, onde me disseram que não seria o primeiro, e até havia bastantes nomes numa lista, acima de vinte."

Um desses nomes era o de Francisca Silva, a mulher que queria ir visitar a família ao Brasil e que ficou numa situação ainda pior. Depois de uma primeira ida à agência para fazer a reserva, por ser mais cómodo e por confiar, tratou de tudo diretamente com o funcionário da empresa, depois do horário de expediente.

"Quando chegou o dia de pagar a passagem, eu toda contente, coloquei o dinheiro num envelope e disse ‘Márcio, a empresa já está fechada, eu cheguei agora do trabalho’, ele respondeu ‘está bem, está bem, não faz mal, vamos encontrar-nos no parque do McDonalds', e eu disse ‘perfeito'”, conta à TVI/CNN Portugal.

Pelos dois bilhetes que comprou, Francisca pagou 2.400 euros. Porém, o dinheiro nunca se traduziu em passagens de avião rumo a São Paulo.

"Quando faltavam 15 dias para o embarque eu disse ‘eu preciso do recibo, da passagem, os bilhetes já impressos'. E, aí, eu fui comentar com a minha amiga que me tinha aconselhado aquela agência, e ela pôs a mão na cabeça e disse ‘Francisca, tu não sabes? A empresa vai fechar, e ninguém mais tem passagens.’”

O problema é que, ao contrário de João, Francisca nunca recebeu qualquer recibo do valor que entregou. Sem provas documentais da transação, será que o dinheiro é irrecuperável?

Sem dinheiro e sem viagens

"Qualquer prova testemunhal que ateste que as pessoas pagaram as viagens, que ateste que tinham tudo marcado, por exemplo se falaram com os amigos que iam, tudo isto servirá para demonstrar que o contrato foi feito nesses termos", considera a advogada Rita Garcia Pereira.

Por isso mesmo, João Mota e Francisca Silva não cruzaram os braços e foram tentar recuperar o dinheiro junto da dona da agência de viagens.

"Há um dia que eu envio um e-mail a dizer ‘ou me devolves o dinheiro ou apresento uma queixa crime’. Neste caso eu já tinha apresentado, mas era só para ver se conseguia algum tipo de resposta. E assim foi, alguns minutos depois, a dona da agência respondeu-me", conta João Mota à TVI/CNN Portugal.

No corpo do e-mail, Sílvia Loução garantiu a João Mota que iria devolver-lhe os 1.600 euros, e pedia calma, porque tinha, segundo a lei, 14 dias para o fazer. Certo é que o dinheiro nunca chegou. Já Francisca Silva preferiu ir falar presencialmente com a dona da agência de viagens.

"E eu, chorando, chorando, chorando, desesperada, eu disse 'Dona Sílvia, eu preciso de ver a minha família, eu não tenho mais de onde tirar dinheiro. E chorava, chorava, chorava, e ela simplesmente muito fria, desumana, olhou para mim e disse ‘eu não tenho nada a ver com isso, eu não vou pagar nada’”

Antiga empresária culpa funcionário

Até aos dias de hoje, sem o dinheiro e sem as viagens, estes dois clientes não sabiam do paradeiro da proprietária da Silk Travel. Por isso mesmo, o Acontece aos Melhores foi à procura de Sílvia Loução. Com a loja encerrada há muito tempo, e sem outra forma de contacto, restou procurar a antiga empresária no condomínio fechado onde vive, em Albufeira.

Por lá, os vizinhos garantem que a mulher não gosta deles e que não costuma abrir a porta a ninguém. De qualquer maneira, e equipa do Acontece aos Melhores tentou a sua sorte. Sílvia Loução não só abriu a porta, como aceitou dar uma entrevista.

"Um dia, deitei-me e tinha a minha vida toda organizada, corria-me tudo bem. No dia a seguir, quando me levantei, a minha vida estava completamente virada ao contrário. É muito triste isto acontecer. É muito triste.” A antiga empresária fala assim porque considera que não é responsável pela burla, já que diz que foi o funcionário da empresa que roubou o dinheiro aos clientes. Ora, os lesados concordam, mas não tiram a culpa àquela que era a gerente do negócio.

Questionada sobre se em algum momento notou que o funcionário estava a receber dinheiro sem marcar, de facto, as viagens e as férias a quem as tinha comprado, a patroa foi assertiva.

"Não me apercebi, porque foi tudo feito fora da loja. Ele combinava com as pessoas ir buscar o dinheiro a casa ou ao local de trabalho dos clientes. As pessoas pagavam em dinheiro líquido, e ele ficava com o dinheiro, não dava recibos, não dava nada."

Francisca Silva não acredita na versão de Sílvia Loução. "Como é que uma empresária, que está só ela e ele, como é que ela não vai perceber? Ela percebeu, sim!”

Quem é responsável?

Ainda assim, Sílvia Loução jura que nunca se apercebeu da burla até ao momento em que os lesados começarem a queixar-se. E reforça a isenção de responsabilidade pelo facto de o funcionário não ter qualquer ligação contratual à agência de viagens. "Foi-me dito ‘Sílvia, não te preocupes, porque ele era um freelancer, ele passava recibo, as pessoas não compravam viagens à tua agência, compravam a ele, ele é que usava o nome da tua agência para burlar as pessoas'”

A advogada Rita Garcia Pereira discorda, e deixa um alerta à antiga empresária.

"Eu lamento desiludir essa senhora, mas o dito funcionário era mesmo seu funcionário. Não é pela aparência de uma prestação de serviços que existe uma efetiva prestação de serviços. Com essa configuração, ele era um trabalhador da agência e, de todo o modo, ainda que fosse um prestador de serviços, era ela a responsável por ele.”

Francisca Silva, ainda incrédula, insiste que, desde o encerramento da agência, Sílvia Loução não foi transparente com os clientes lesados, desde famílias que iam de férias a imigrantes que compraram passagens de avião para ir visitar as famílias.

"Se a dona Sílvia fosse uma senhora honesta, uma senhora que pensa no bem das outras pessoas, porque ela deve ter família, podia vender um carro, ou vender um móvel, porque eu sei que ela vive numa bela casa, que ela tem uma bela vida."

À equipa do Acontece aos Melhores, a dona da agência de viagens diz que ainda vendeu um apartamento em Armação de Pêra para pagar a alguns clientes. Porém, o dinheiro não chegou para todos, e garante que foi por isso que nunca reembolsou nem João Mota, nem Francisca Silva, nem muitos outros clientes burlados num total de pelo menos 100 mil euros.

O "estado atual dos tribunais"

As queixas-crime contra o funcionário, contra a agência e contra a dona multiplicam-se. O problema é que não há qualquer sinal de andamento do processo. Tal como confirmou a Procuradoria Geral da República à TVI/CNN Portugal, o caso continua em investigação, desde 2018, no Ministério Público de Loulé.

"A única justificação que pode haver, para a demora, é estarem a tentar perceber se a dona da agência teve um comportamento por omissão, ou seja, se não se apercebeu, ou se, ao invés, teve uma participação ativa no crime. Essa pesquisa pode justificar a demora. Se não for por aí, é o estado atual dos tribunais. Não será nem o primeiro nem o segundo, nem será o último processo muito atrasado, que corre o risco de prescrever", considera a advogada Rita Garcia Pereira.

Sílvia Loução admitiu à equipa do Acontece aos Melhores que não vai fugir à responsabilidade, caso a tenha, e que só deseja que a justiça se apresse a finalizar o caso. "Eu sou a principal pessoa que quer que tudo se resolva, para ficar tudo claro. E está tudo pronto para limpar a minha imagem, seja no tribunal, seja onde for."

Processos judiciais e demoras à parte, o que é certo é que várias dezenas de pessoas perderam as viagens, mas sobretudo o dinheiro. Por isso mesmo, a advogada Rita Garcia Pereira conclui com alguns conselhos fundamentais na hora de planear umas férias com final feliz.

"Não façam pagamentos sem a emissão do competente recibo. Depois, se puderem, contactem a unidade hoteleira e a companhia aérea, para saber se a reserva existe e se têm o lugar assegurado.”

O Acontece aos Melhores tentou, por fim, chegar à fala com o funcionário que terá burlado os clientes. Apesar de estar em paradeiro incerto, continua muito ativo nas redes sociais, onde tem partilhado dezenas de vídeos.

Por isso mesmo, e sem outra forma de contacto, enviámos uma mensagem através do Instagram. Márcio Baptista viu o pedido de entrevista, mas não respondeu.

Sendo assim, quem ficou sem ida nem volta, terá mesmo de esperar que o tribunal identifique os culpados e ordene a devolução do dinheiro a quem ele pertence.

"Se existe justiça, o meu dinheiro, como o das outras pessoas, vai sim ser devolvido, demore o tempo que demorar”, conclui Francisca Silva.

Se também tem um problema que não consegue resolver, conte-nos a sua história para o e-mail aconteceaosmelhores@tvi.pt

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