Acontece aos melhores: deixa cão em hotel canino, animal desaparece e acaba a pagar conta de 15 mil euros

2 mai 2022, 21:18

Episódio aconteceu no Pet Club, um hotel para cães no Porto. Dono do estabelecimento nega qualquer responsabilidade sobre o sucedido e alega que a culpa é de ladrões de identidade desconhecida

Valter Maia planeava ir de férias a Barcelona, com a esposa, onde aproveitaria para participar no casamento de um amigo. A alguns dias da partida, em agosto do ano passado, tinha a viagem planeada ao pormenor, à exceção de um sítio onde pudesse deixar Pitufo, um dos três cães do casal.

Depois de uma grande pesquisa através das redes sociais, encontrámos este espaço”, conta Valter Maia à CNN Portugal e à TVI, referindo-se ao Pet Club, um hotel para cães na rua do Monte dos Burgos, no Porto.

Sendo assim, o engenheiro informático, de 34 anos, partiu para Barcelona no dia 13 de agosto. À chegada a Espanha, tudo parecia correr às mil maravilhas com Pitufo em Portugal:

O hotel andava sempre a enviar-nos vídeos e fotografias dele a conviver com outros animais, o que era uma coisa muito rara de acontecer”

No entanto, 48 horas e uma mensagem do hotel canino a pedir para que Valter ligasse de volta foram suficientes para estragar, por completo, as férias de verão.

Ligo e a senhora diz-me ‘olhe, obrigado por nos contactar, mas de facto eu não sei onde é que está o seu cão.”

Valter Maia e a mulher contam que ficaram em pânico. Sem perceber o que é que tinha acontecido ao certo com o cão, mas sem grandes armas para poder ajudar tendo em conta a distância, correram para o aeroporto de Barcelona e compraram o primeiro voo com lugares disponíveis até à cidade do Porto.

Gastei praticamente 800 euros, nos dois voos, o meu e o da minha mulher”, conta Valter Maia à TVI/CNN Portugal.

Alguns minutos antes de embarcar, mas já algumas horas depois de ter sido notificado do desaparecimento do animal, Valter recebeu uma chamada do Centro Hospitalar Veterinário do Porto. O cão tinha sido finalmente encontrado, junto ao Hospital da Prelada, perto do Norte Shopping, a apenas 900 metros do hotel onde estava hospedado. Porém, as notícias estavam longe de serem as melhores.

O cão foi atropelado na VCI, que é uma estrada com grande tráfego. Foi encontrado atropelado e, entretanto, houve um casal que ajudou a pessoa que o atropelou a transportá-lo para o hospital veterinário”, conta Valter Maia, com alguma comoção.

Valter e a mulher descolaram de Barcelona em direção ao Porto ainda no dia 15 de agosto. Aterraram no aeroporto Francisco Sá Carneiro ao início da tarde, de onde saíram a grande velocidade para o hospital veterinário. Lá, encontraram o cão entre a vida e a morte, mas à sua espera não estava nem um funcionário, nem um responsável do hotel para cães de onde Pitufo tinha desaparecido.

Passados uns 30, 40 minutos, aparece um homem, identifica-se como o proprietário do hotel, de nome Daniel Cunha. E eu disse ‘está aqui um termo de responsabilidade para assinar, para iniciar os tratamentos ao animal e todos os pagamentos relativos aos tratamentos’. Ele recusa-se a assinar e diz que não é responsabilidade dele”, relata, indignado, Valter Maia.

O engenheiro informático não se conforma com o facto de o representante do hotel negar responsabilidade sobre o desaparecimento e o consequente acidente com o animal. Porém, será que Daniel Cunha, o responsável do hotel canino, tem legitimidade para recusar a culpa?

Quando vamos a um hotel para deixar um animal é para que o proprietário do hotel se substitua ao próprio dono e tenha o mesmo dever de vigilância, o mesmo dever de cuidado com aquele animal que o proprietário teria. Portanto, se houve uma quebra no dever de vigilância, se, na verdade, não foram criadas as condições para manter o animal em segurança e evitar que ele saísse do hotel, pois bem, quem cobrou por um serviço, prestou defeituosamente esse serviço e, portanto, terá de responder pelos danos daí decorrentes”, considera Paulo Veiga e Moura, advogado especialista em direito administrativo.

Certo é que o responsável do hotel para cães acabou por abandonar o hospital veterinário sem assinar o termo de responsabilidade e, portanto, sem assumir qualquer culpa.

Assim começou uma odisseia de praticamente um mês de internamento para Pitufo, primeiro no Centro Hospitalar Veterinário do Porto, depois no Hospital Veterinário da Trofa, sempre sem qualquer garantia de recuperação ou de sobrevivência. Valter Maia manteve-se sempre ao lado de Pitufo, e todos os dias ia ao hospital visitar o animal de estimação.

O Pitufo é um membro da família para ele. O Pitufo é um membro da família, não vale a pena. Pode chocar algumas pessoas, mas é o que é, é como se fosse um filho para ele”, conta à TVI / CNN Portugal Sérgio Costa, um amigo de Valter.

O cão passou o aniversário internado, e teve de ser operado várias vezes. Enquanto isso, o dono do animal não desistiu de apurar responsabilidades para o que aconteceu. Dirigiu-se à sede do hotel para cães, porém o responsável voltou a negar culpa e a recusar assumir qualquer despesa relativa aos tratamentos de Pitufo. Daniel Cunha, o responsável, insistiu que não tinha culpa porque na noite em que o cão desapareceu o espaço foi assaltado. Para o proprietário, a culpa é dos ladrões, de identidade desconhecida, que apenas roubaram o cão num espaço comercial de dimensão considerável e que inclui uma loja com produtos veterinários.

Diremos que não deixa de ser estranho que tenha havido um assalto ao hotel só para libertar um cão. Porque se é a única coisa que desaparece, a única coisa que fica aberta é, na verdade, o local onde estava o cão, temos de concordar que é coincidência a mais e, portanto, os ladrões seguramente não foram lá para abrir uma porta porque estavam com pena do animal, para que o animal fosse para a rua”, considera o advogado Paulo Veiga e Moura.

Sérgio Costa, amigo de Valter, alerta que, para ter existido um furto, ele teve de ser comunicado à Polícia de Segurança Pública. De facto, a intromissão na propriedade privada, que terá sido feita através de um terreno nas traseiras do hotel, foi participada à PSP. No entanto, tal como prova o auto de notícia a que o Acontece aos Melhores teve acesso, os agentes só foram chamados ao hotel para cães às 14:00 do dia 15 de agosto, praticamente meio dia depois de Pitufo ter desaparecido e já depois de ter sido encontrado atropelado e em estado crítico.

Se você é assaltado agora vai telefonar à polícia agora, não vai telefonar amanhã, não é?”, questiona, com alguma suspeição, Sérgio Costa.

Para Valter Maia, o dono do cão, não existem grandes dúvidas de que aquilo que aconteceu com Pitufo foi um descuido, que acabou num acidente grave.

Na minha teoria, o cão saiu de lá pela porta principal por um descuido e acabou atropelado 1 Km à frente.”

Ainda assim, mesmo que o assalto tenha sido uma realidade, o furto parece não anular a responsabilidade do dono do Pet Club.

O proprietário do hotel terá de responder perante o dono do cão, pelos danos que tenham sido causados a esse animal ou que esse animal tenha causado a terceiros e, depois, eventualmente, poderá repercutir o prejuízo e o que pagou ao dono do animal, caso um dia consiga encontrar os ladrões que foram lá para libertar o cão ou para roubar o cão”, conclui o advogado Paulo Veiga e Moura.

Entre operações, internamento, fisioterapia, medicamentos e deslocações, Valter gastou praticamente 15 mil euros. Entretanto, para tentar recuperar a quantia, apresentou uma queixa-crime e outra cível contra o hotel e os responsáveis do mesmo.

O Acontece aos Melhores contactou o dono do hotel para cães, ou melhor, a dona. Afinal de contas, quem manda no Pet Club é a mulher de Daniel Cunha, o homem que perante Valter sempre se apresentou como responsável. Por telefone, Raquel Moura declinou uma entrevista, mas insistiu na tese do assalto, que continua um mistério indecifrável, já que a proprietária garante que o hotel não tem câmaras de videovigilância.

Porém, imagens captadas pela equipa da TVI / CNN Portugal, a partir do exterior do estabelecimento, mostram câmaras e avisos sobre o sistema de videovigilância a todos quantos lá passam.

Raquel Moura concluiu a chamada a referir que, se tiver de pagar os tratamentos do cão, vai pagar, mas só por decisão de um juiz.

Eu ponho sempre isto nesta situação... Se o Valter não tivesse dinheiro, não tinha cão, hoje. O cão ficou mesmo muito, muito maltratado”, conclui Sérgio Costa, amigo de Valter Maia.

Após a gravação desta reportagem, o Pet Club encerrou e deu lugar a um novo hotel para cães, com o nome Super R Dog Club. A TVI/CNN Portugal não conseguiu apurar se existe algum tipo de ligação entre os atuais proprietários e Raquel Moura, a antiga dona do espaço.

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