Acontece aos Melhores. Júlia perdeu a casa por causa de um colchão que não era seu

14 out, 21:05

Júlia Costa garante que não fez a cama onde se deitou. Perdeu a casa por causa de um colchão. Um caso que começou há mais de 20 anos, na pequena freguesia de Fratel. Se tem um problema que também não consegue resolver, conte-nos a sua história para o e-mail aconteceaosmelhores@tvi.pt

O caso remonta a 2003, quando a irmã de Júlia Costa a convenceu a ir até à sociedade na freguesia de Fratel, concelho de Vila Velha de Ródão. No espaço estavam expostos colchões e outros artigos para venda e quem visitava o local era instado a comprar algo.

Júlia decidiu comprar um colchão e a irmã outro, cada um a custar 1500€.

"A senhora que estava a vender os colchões disse: 'você tem de assinar pela sua irmã porque a sua irmã já não tem idade para assinar e você tem de assinar por ela'", conta Júlia à equipa de reportagem do Acontece aos Melhores.

Com uma assinatura, Júlia ficou responsável pelo custo do colchão da irmã. No entanto, as duas fizeram um acordo verbal em que a irmã de Júlia lhe daria o dinheiro para colocar no Multibanco, já que não o saberia usar, e, desta forma, pagar o valor do colchão.

Só que esta mulher de 78 anos garante que a irmã nunca lhe pagou e, entretanto, morreu. Quem não faleceu foi a dívida da irmã pela qual esta mulher se responsabilizou. E é aqui que tudo se complica.

"As pessoas têm de ter consciência de que uma fiança é um ato de grande responsabilidade, mediante o qual as pessoas aceitam pagar uma dívida pela integralidade mais juros, mais taxas de justiça", diz a advogada Rita Garcia Pereira.

Talvez Júlia não tenha tido a consciência necessária, mas diz que fez tudo com a melhor das intenções para ajudar a irmã que só queria um colchão - aparentemente último grito do mercado.

Com os cobradores a insistir para que a dívida fosse paga, resolveu conversar com os sobrinhos, que prontamente responderam que não pagariam nada.

"A tia é que está agora com essas coisas a dizer que o colchão era minha mãe", terá dito um dos sobrinhos.

"No final do ano de 2018, princípios de 2019, é que o marido da Júlia disse mesmo ao certo o que é que se estava a passar e que eles [cobradores] não paravam de mandar cartas ou telefonar ou uma coisa qualquer a dizer que ainda devia muito dinheiro e já estavam fartos de pagar porque era a reforma deles que ia toda para eles e eles praticamente ficavam sem dinheiro para comer", relata Margarida Pinto, amiga do casal.

O marido de Júlia morreu em 2019 e, por essa altura, o assunto terá ficado suspenso, mas um ano depois a viúva recebeu uma carta de uma empresa de gestão de crédito malparado a cobrar uma dívida de 5.038€.

"Disseram que me iam pôr a casa em leilão", conta.

"Existe um princípio de proporcionalidade nas penhoras, isto é, não podemos ir logo penhorar o que temos de mais valor se pudermos receber a dívida com outros bens, salários, pensões. Mas se não houver mais nada, o único bem que existe é que vai ser penhorado", esclarece Rita Garcia Pereira.

E a verdade é que a casa era o único bem que Júlia Costa tinha e, por isso, a habitação acabou por ser vendida a uma empresa da Mealhada no início de 2022. A 10 de maio do mesmo ano aconteceu o pior: uma agente de execução bateu à porta acompanhada de dois agentes da autoridade.

"Acho que eles deviam ter feito de outra maneira. Sabem que é uma senhora idosa, de 78 anos, não tem para onde ir e que tem uma reforma pequena, que é a reforma do marido", lamenta a amiga da viúva.

Desde essa altura, a mulher despejada passa junto à casa e é muitas vezes abordada por outros moradores de Fratel que também acham que o processo foi mal conduzido, garante Júlia.

A venda do imóvel rendeu 28 mil euros, a antiga inclina recebeu 11 mil e os restantes 17 mil serviram para saldar a dívida. Ainda hoje não se conforma com um valor tão elevado e garante que a única coisa que ficou por pagar foi o maldito colchão da irmã.

Rita Garcia Pereira explica que o "colchão terá custado 1.500 euros, mas depois de juros, de custas de processo, de agentes de execução, entre outros, quando chegou à fase da venda, seguramente, a dívida já ia num montante infinitamente superior".

"Fiquei sozinha e tenho chorado muito, sofrido muito, muito. Não desejo a ninguém o que tenho sofrido. Aqui mesmo agora, eu choro sozinho por perder a minha casa. Foram os últimos momentos que eu passei com o meu marido."

Se tem algum problema que também não consegue resolver, conte-nos a sua história para o e-mail aconteceaosmelhores@tvi.pt

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