Acontece aos Melhores: Tiago está obrigado a pagar dívida de 35 mil euros de carro que não tem

2 dez 2024, 21:00

Tiago Castro tinha apenas 23 anos quando ficou com uma dívida de 35 mil euros de um carro que não tem, e dificilmente vai ter. Confuso? Foi assim que ficaram este jovem e o pai quando foram surpreendidos pela polícia na própria casa em Caldas das Taipas, concelho de Guimarães

Tiago jogava no Vitória de Setúbal e tinha um automóvel BMW série 1. Com a vida estável, decidiu que estava na altura de comprar um carro. Com a ajuda do pai, foi até um stand automóvel de um vendedor conhecido da família. 

Para surpresa de Tiago, apareceu um homem que tinha um Mercedes para vender. Por isso, pediu para fazer um test drive, na presença do proprietário do stand, que iria intermediar o negócio, e do dono do carro. 

O Mercedes só tinha um problema para Tiago: o preço. A viatura custava 35 mil euros ou 27 mil euros caso entregasse o carro que habitualmente usava, o BMW com um valor comercial de 8 mil euros. 

Para adquirir o carro, o jovem pediu um crédito que pagaria em 3 anos. 

O contrato de compra e venda foi assinado a 17 de junho de 2019 e, algumas semanas depois, o registo de propriedade transitou do nome do antigo dono, Custódio Gonçalves, paro o do novo proprietário, Tiago Castro. 

“O carro era muito bom. Eu por mês fazia 5/6 viagens Setúbal-Guimarães, Guimarães-Setúbal e o carro proporcionava-me uma viagem muito mais confortável e muito mais fácil.”, conta Tiago à equipa do Acontece aos Melhores. 

Até que um ano e meio depois, a 29 de dezembro de 2020, aconteceu o episódio mais surreal da vida desta família. 

“Acordo com o meu pai a chamar-me no quarto, nunca mais me esquece a dizer “Tiago, Tiago, está a Polícia lá fora quer falar contigo” e eu fiquei assim “a polícia? Mas eu não fiz nada””, relata o jovem jogador. 

“E levámos um choque porque ele nos disse olhe viemos apreender o carro, temos aqui um mandado de apreensão do carro”, explica o pai de Tiago, José Castro. 

“O meu pai estava branco e eu não conseguia falar, foi assim um choque muito grande porque uma pessoa pensa que só acontece aos outros”.

Tiago acordou um dia com o pai a dizer-lhe que a polícia estava à porta para falar com ele (DR)

Mas às vezes Acontece aos Melhores. Sob coação, acabaram por entregar o carro na GNR. Mas como é possível ficar sem um automóvel que foi comprado de forma legal ainda por cima num stand físico?  

“Parece claramente que existiu falsificação de documentos”, afirma a advogada Rita Garcia Pereira 

E aqui o mistério adensa-se. Durante o processo de compra e venda, Custódio Gonçalves apresentou um Documento Único Automóvel sem qualquer reserva de propriedade, o que indicaria que o carro lhe pertencia de forma legítima. 

“Ligou-me o dono do carro, o dono do stand deu-lhe o número do meu telemóvel, e ele ligou-me a dizer que não pode ser, que houve um engano qualquer, que era uma pessoa de bem, que podia dar-me o dinheiro ou dois carros, tudo ali direitinho, e eu disse “ok, vamos resolver””, conta Tiago. 

Só que desde então as soluções foram nulas e os problemas multiplicaram-se. Algumas semanas depois, José Castro recebeu em casa uma encomenda de uma empresa de recuperação de ativos a devolver as matrículas do carro e a informar que o Mercedes foi repatriado para França, país que mandou apreender a viatura num processo judicial interposto pela Mercedes. 

O carro de Tiago tinha sido comprado em França, através de um crédito à Mercedes, por uma empresa chamada “Sunrise Productions”, com sede no norte de Paris. Apenas um mês antes de o automóvel ser vendido ao jovem de Guimarães, já com matrícula portuguesa, em maio de 2019, as prestações deixaram de ser pagas e a Mercedes ativou os tribunais para recuperar o veículo. O gerente da empresa incumpridora era Custódio Gonçalves, o homem que vendeu o carro em Portugal a Tiago Castro. 

“Ainda hoje dá-me voltas à cabeça. O que é estranho é como é que uma pessoa consegue abrir uma empresa, ou tem uma empresa, compra um carro em nome da empresa, paga meia dúzia de meses o leasing e do momento para o outro deixa de pagar e passa para nome pessoal e vende este carro como se nada fosse”, desabada Tiago. 

“Eu pelo que sei, no livrete, quando uma pessoa tem um crédito, na compra de um carro, tem lá a dizer que tem reserva de propriedade. Neste caso, não. O livrete estava limpo, direitinho, nunca nos passou pela cabeça. Fomos surpreendidos claro, como é que pode acontecer uma coisa destas? Não compreendo”, diz, revoltado, o pai do jovem. 

A advogada Rita Garcia Pereira antecipa várias hipóteses: “uma delas é ter feito um negócio jurídico que retirou o carro da esfera jurídica da sociedade e, ao mesmo tempo, apagou, a reserva de propriedade junto da Mercedes. Só por falsificação. Não existe outra possibilidade, e o registo em Portugal aceitou-o como tal. Deu como bom o documento falsificado.” 

O Acontece aos Melhores tentou encontrar Custódio Gonçalves na morada inscrita no Documento Único Automóvel que atestava de maneira aparentemente fraudulenta que o carro lhe pertencia. No entanto, parecia não passar de uma residência fictícia. Ligámos a Custódio Gonçalves pelo contacto que integra o processo-crime interposto por Tiago Castro em janeiro de 2021, onde o homem é arguido e indiciado pelos crimes de burla qualificada e falsificação. 

Ao atender, o homem identificou-se como sendo Custódio Gonçalves, mas depois negou, tendo negado também estar acusado de burla e falsificação de documentos e recusado dar qualquer declaração adicional. 

Quatro anos depois, o processo-crime continua em investigação, como confirmou a Procuradoria-Geral da República à TVI. Entretanto, Tiago ficou sem o BMW que usava, sem o Mercedes que comprou e continua a pagar um empréstimo de 27 mil euros do carro que não tem. 

Emigrado em França, o jovem paga quase 500€ mensais do empréstimo e ainda tem cerca de 1 ano e meio pela frente para saldar a dívida. 

“A lógica do sistema é: a marca, seja ela qual for, vem buscar a viatura e o lesado pode pedir uma indemnização a quem o enganou ou lesou. O problema deste sistema, que é igual aqui e em França, é se a pessoa que lesou depois não tem património, ficará quase impossível o lesado ser ressarcido”, esclarece Rita Garcia Pereira. 

A dura realidade de quem ficou com a vida do avesso porque só quis comprar um carro novo. 

Quanto a nós, se tem algum problema que também não consegue resolver, conte-nos a sua história para o e-mail aconteceaosmelhores@tvi.pt. 

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