José Martins diz que é irmão de Adão e Eva. Segundo os cristãos, as únicas criaturas que não tinham nem pai nem mãe, geradas diretamente por Deus. É que José não tem mãe, e não tem sido por falta de esforço. Um imbróglio que começou há mais de 60 anos, no Algarve. Se tem um problema que também não consegue resolver, conte-nos a sua história para o e-mail aconteceaosmelhores@tvi.pt
José nasceu a 13 de agosto de 1966, na Serra de Santa Maria, em Tavira. A mãe veio a falecer poucas horas depois de dar à luz, uma grave hemorragia e a falta de acessos ao local ditaram a morte de Florência Viegas.
Com a morte da progenitora, coube ao pai de José a tarefa de registar o recém-nascido no registo civil.
Os funcionários terão perguntado o nome ao progenitor e este terá respondido em jeito de apresentação e indicou apenas dois nomes: Custódio José. A verdade é que foi esse o nome que ficou registado, quando o nome completo seria Custódio José Joaquim Rosa. Quanto ao nome da mãe não consta no registo e, por isso, aos olhos do Estado, José não é filho da mulher que o trouxe ao mundo.
“Eu sou irmão de Adão e Eva, porque acima de mim não tenho pai nem mãe, só tenho o pai que é Deus”, diz José à equipa do Acontece aos Melhores.
À luz dos dias de hoje, este parece um episódio impossível de acontecer, mas será que há 61 anos erros desta natureza eram possíveis ou comuns nos registos civis? A verdade é que “eram mais comuns do que agora, porque o processo era manual”, explica a advogada Rita Garcia Pereira.
“Naquela altura admitia-se a existência de filhos de pais incógnitos, e agora não. Era confiar nas palavras de quem ia registar por um lado e por outro lado só se alterava alguma coisa em relação ao registo que tivesse sido feito no estritos casos em que as pessoas tivessem a iniciativa de apresentar ação em tribunal”, esclarece a especialista.
Mas a história não termina na ausência do nome da mãe no registo. O nome do pai de José era Custódio José Joaquim Rosa e o filho ficou registado como José Martins.
“Foi um nome que o meu pai imaginou, não se sabe de onde, nunca ninguém soube de onde e daí… já procurei ao longo dos anos, perguntei a muita gente da família, parentes de 4º e 5º grau e ninguém tem o nome Martins. Não tem lógica o sobrenome Martins associado a qualquer membro da família.”, conta José.
À época, quando a família se deu conta da situação, insistiu com Custódio para que fosse corrigir o registo, mas este entretanto faleceu, quando José tinha quatro anos.
A criança ficou aos cuidados de uma tia paterna, e cresceu sem pais na vida e sem mãe perante o Estado. Já maior de idade tentou várias vezes alterar o dados de filiação junto do Registo Civil, sem sucesso.
“A república portuguesa e o Estado português não provam de onde é que eu nasci, se nasci de uma mulher, se nasci do pó como dizem que Adão nasceu”, afirma o homem.
José relata que, através de um advogado, foi informado que teria até aos 28 anos para alterar o registo e que teria de reunir testemunhas do lado paterno. No entanto, não conseguiu reunir testemunhas para avançar quando estava dentro do limite de idade.
Rita Garcia Pereira esclarece que em “junho deste ano houve um acórdão do Tribunal Constitucional a dizer que o prazo de 10 anos sobre a maioridade era inconstitucional e, portanto, nem esse prazo existe agora”. O que significa que, mesmo aos 58 anos, José pode dar entrada com uma ação em tribunal.
Além da eliminação do limite de idade, as testemunhas também nunca tiveram de ser do lado materno, José terá sido mal informado. Ainda assim, as testemunhas diretas que julgava serem necessárias, os três irmãos da mãe, morreram, todos no mesmo ano em 2020. Manuel e Maria em agosto, Marcelino em novembro.
Os tios não tiveram filhos, pelo que José é o único herdeiro, mas não pode receber a herança da mãe, porque esta nunca foi casada com o pai de José e porque, perante o Estado, não é progenitora de José, e também não pode receber a herança dos tios, porque, para o Estado, eles não são tios de José.
Acresce que José é invisual. Sofre de aniridia, uma condição rara que consiste na falta da íris no olho. A doença é hereditária e pelo menos dois tios maternos também sofriam da mesma condição.
O diagnóstico poderá ser “uma prova complementar, mas não é prova bastante sofrerem da mesma doença”, diz Rita Garcia Pereira.
A advogada explica que a solução para José é “apresentar uma nova ação de averiguação oficiosa da maternidade com as testemunhas que tiver”.
“Eu estou desesperado porque eu gostava de antes de morrer gostava de ter o prazer, o orgulho, a felicidade de dizer ‘eu também tenho mãe’”, diz José.
José só quer mesmo ser filho da mãe, pelo orgulho e para poder receber a pequena e simbólica herança a que tem direito. Fica agora dependente da ajuda de um advogado e da boa vontade de um tribunal que possa reconhecer aquilo que parece óbvio para todos.
Se tem algum problema que também não consegue resolver, conte-nos a sua história para o e-mail aconteceaosmelhores@tvi.pt