Comissão que investiga abusos sexuais de menores na Igreja enviou 16 casos para o Ministério Público

12 abr 2022, 11:15
Os membros da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica, Laborinho Lúcio, Ana Nunes de Almeida, Pedro Strecht, Daniel Sampaio, Filipa Tavares e Catarina Vasconcelos (Lusa/ António Pedro Santos)

Nos primeiros 90 dias de investigação foram validados 290 testemunhos

A Polícia Judiciária (PJ) tem mantido reuniões com a comissão, liderada por Pedro Strecht, que recebe denúncias e estuda os casos de abusos sexuais na Igreja. Já foram enviados 16 casos para o Ministério Público. Em causa estão investigações a padres no norte e centro do país que se mantêm no ativo, sabe a CNN Portugal. Os párocos foram denunciados por abusos cometidos sobre crianças em situações cujos crimes não estão ainda prescritos.

O juiz jubilado Álvaro Laborinho Lúcio, jurista da comissão, diz que o grupo de trabalho já enviou para o Ministério Público 16 casos de abuso de menores na Igreja Católica. "Não estranharão que, em 290 inquéritos validados, neste momento tenham sido enviados ao MP apenas 16 casos porque a esmagadora maioria remete para situações muitíssimo anteriores e que sem a mínima dúvida estão claramente sob o domínio da prescrição criminal", explicou Laborinho Lúcio.

Laborinho Lúcio acrescentou ainda que, devido ao anonimato e ao sigilo mantido sobre as vítimas, “aquilo que é remetido ao MP é “muito pouco palpável”.

"Em alguns casos não se sabe quem é a vítima, muitas vezes não se sabe quem é o abusador e em alguns casos não se sabe a data em que o abuso terá acontecido", adiantou o juiz jubilado. "Ao longo destes anos houve claras situações de graves abusos sexuais cometidos no interior da Igreja Católica portuguesa."

Pedro Strecht, coordenador da comissão, adiantou esta terça-feira em conferência de imprensa que nos primeiros 90 dias de investigação foram validados 290 testemunhos. "Mais de metade dos casos revela um número possível ou altamente provável de muito mais vítimas." Os casos são analisados individualmente para evitar o risco de continuidade e para que sejam triados crimes já prescritos.

Pedro Strecht explicou ser fundamental que se mantenha uma "relação aberta e de confiança mútua" com todos os elementos da Igreja católica em Portugal, por forma a levar o estudo a "zonas mais profundas do conhecimento", e confirmou que alguns processos já foram entregues ao Ministério Público. Estão, em simultâneo, a serem recolhidos todos os dados reportados à comunicação social desde 1950 até agora. 

Foram detetadas "todas as modalidades de abuso"

A socióloga da comissão, Ana Nunes de Almeida, revelou que as vítimas são sobretudo do sexo masculino. As vítimas têm idades entre os 13 e os 88 anos e os abusos atingiram pessoas de todos os níveis de instrução, de norte a sul do país.

“Todos os níveis de instrução estão representados na amostra, desde a antiga instrução primária até ao doutoramento”, revelou Ana Nunes de Almeida, adiantando também que as idades em que ocorre o primeiro abuso sexual varia entre os dois e os 17 anos e também foram detetadas "todas as modalidades de abuso, que vão desde exibição, manipulação, penetração até à recolha de imagens do corpo, isoladamente ou em situação de abuso, como ainda outro tipo de abusos que as próprias vítimas nos vieram contar e que têm a ver com, por exemplo, o envio de mensagens escritas de linguagem sexual e obscena".

"Estamos na ponta do iceberg. Porém, com estes casos podíamos já hoje esboçar um primeiro retrato exploratório de pessoas vítimas, pessoas agressoras e contexto de abuso sexual praticados por membros da Igreja Católica portuguesa ou por leigos que para ela trabalham", concluiu a socióloga.

No próximo dia 10 de maio haverá um encontro científico sobre o tema de abusos sexuais de crianças de forma a "conhecer o passado e cuidar do futuro".

Por forma a afinar o estudo da melhor forma possível, Ana Nunes de Almeida explicou que a comissão pediu uma entrevista aos 21 bispos portugueses mas apenas 12 marcaram reuniões para dar o seu testemunho. Onze reuniões já se realizaram, uma está marcada para esta quarta-feira. Cinco bispos contactados "não responderam de todo", adiantou.

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