Um dos capítulos do relatório que é divulgado esta segunda-feira sobre os abusos na igreja é dedicado ao que foi encontrado nos documentos mais confidenciais que estão guardados e fechados à chave num cofre ou armário nas dioceses
Ao longo dos últimos meses, uma equipa de investigadores e arquivistas esteve a analisar alguns documentos que se encontram nos arquivos secretos da Igreja no âmbito da investigação dos abusos sexuais.
E segundo a CNN Portugal apurou, as dioceses, e outras instituições da Igreja, como o Opus Dei, os Jesuítas e variadas congregações permitiram todos o acesso a estes arquivos, mas com regras apertadas como foi imposto pelo próprio Vaticano: a consulta dos documentos teve de ser sempre feita “in loco”, sem nunca qualquer papel sair do local onde se encontrava o investigador e o responsável da igreja; os membros da equipa que fizeram a análise tiveram de assinar termas de confidencialidade e o a acesso foi limitado aos nomes dos sacerdotes sobre os quais recai alguma suspeita ou denúncia.
Ou seja, com base nos nomes de clérigos e religiosos identificados pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja (CIEAMI) liderada por Pedro Strecht os investigadores solicitaram dados referentes ao alegado abusador. Outros nomes surgiram dos inquéritos que a equipa de investigadores fez às instituições antes de começar a analisar os documentos guardados.
Repreensões, casamentos secretos e mudanças de diocese
É nestes arquivos secretos que estão os dados pessoais e penais de todos os sacerdotes portugueses e dos religiosos, homens e mulheres que pertencem às congregações. “No arquivo secreto estão guardados os documentos com assuntos mais delicados, nomeadamente processos de vários tipos como relacionados com o tema dos abusos sexuais ou outros, por exemplo, questões financeiras “, explica à CNN Portugal Saturino Gomes, especialista em Direito Canónico.
Aliás, segundo explica a própria Conferência Episcopal Portuguesa“o arquivo secreto conserva documentos alusivos a várias situações relativas à condição das pessoas (clérigos e não clérigos), como “documentos relativos aos processos penais da Igreja”, “documentos sobre admonições ou repreensões formais realizadas pelo Bispo a algum sacerdote e “informações sobre clérigos em mudança para uma nova diocese”.
Mas também ali são guardados outro tipo de informação, como “documentos sobre os matrimónios celebrados em segredo” e o nome das “pessoas, indicadas pelo bispo logo após tomar posse, que ficarão a governar a diocese em caso de impedimento, e até que a Santa Sé ou o Colégio de consultores decida outra solução provisória ou definitiva”.
Toda esta informação tem de estar no armário ou num cofre fechado à chave. E a única pessoa que a têm é o Bispo, no caso das dioceses. A existência deste arquivo confidencial vem estabelecida no Código de Direito Canónico, no cânone 489, onde é referido que é neste local que se guardam “com o maior cuidado os documentos que devem ser conservados sob segredo”.
Segundo este documento da Santa Sé, além de “somente o bispo” ter a chave, é explicado que “vagando a sé”, o arquivo ou o armário secreto não pode ser aberto” a não ser, em caso de necessidade, pelo próprio administrador diocesano” E há uma regra clara: “Não se retirem documentos do arquivo ou do armário secreto”.
Foi esta norma que obrigou os investigadores ao maior cuidado. O acesso teve de ser feito em total "articulação direta com o bispo de cada diocese".
Há provas de que a Igreja escondeu o fenómeno?
Nas visitas que fizeram às várias instituições, os peritos estiveram a verificar se havia processos penais, disciplinares ou outros impostos aos sacerdotes alvo de denúncia. Também se tentou perceber se estes padres eram mudados de local como forma de a Igreja silenciar a situação - como, aliás, se verificou em alguns países que investigaram o fenómeno de abusos sexuais.
No relatório que a Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa é apresenta esta segunda-feira, dia 13, um dos capítulos será dedicado ao que foi encontrado nos arquivos secretos da igreja portuguesa.
A equipa de quatro especialistas, liderada por Francisco Azevedo Mendes, esteve durante vários meses a fazer este trabalho, recorrendo a uma análise exploratória, apoiada na Fundação para a Ciência e Tecnologia, a tentar compreender as características deste fenómeno na igreja nacional.
Além dos arquivos secretos, os investigadores puderem consultar dados dos outros arquivos, nomeadamente da parte histórica. Neste, que não é sujeito às mesmas regras do que os confidenciais,
Segundo a CEP, no arquivo histórico, "são conservados todos os documentos com valor histórico ou aqueles que deixaram de ter um uso corrente". Há ainda uma parte chamada "arquivo geral, onde estão guardados os documentos que estão em uso pela Cúria diocesana".